Opinião

A traição e a ingratidão não compensam

Redação

Publicado em 27 de julho de 2015 às 23:14 | Atualizado há 10 anos

“Os falsos amigos são como aves de arribação. Se faz bom tempo eles vêm, se faz mau tempo eles vão.”

 

A história goiana é rica de políticos que traíram seus criadores sem pejo ou qualquer tipo de arrependimento.

Limito-me a narrar, em detalhes, apenas um fato que causou indignação àqueles que dele tomaram conhecimento, como eu, pela sua inconveniência.

Explico.

Quem não se lembra do então vereador Pantaleão de Souza (nome fictício, embora o fato seja real)   eleito muitas vezes pelo antigo PSD goianiense sob o manto protetor do doutor Pedro Ludovico, a quem costumava chamar de “meu padrinho”? Acredito que muitas pessoas dele ainda se recordam. Abro neste parágrafo um parêntese para dizer que o velho estandarte do pessedismo goiano, como um político famoso, deve ter sido padrinho de muitos afilhados, porém o seu “queridinho in péctore” foi o personagem dessa história e veja o que ele fez, pelo que se conclui que a política não é apenas a ciência do bem comum na concepção clássica de Aristóteles, mas também uma caixinha de surpresas, muitas vezes desagradáveis.

Vitoriosa a Revolução de 64, o veterano edil da Capital, acostumado com as regalias e as benesses do poder, chegando até ao ponto de entrar no Palácio das Esmeraldas pelas portas dos fundos, onde saboreava primeiro um cafezinho gostoso com biscoitos como tira-gostos, na cozinha, entendeu de bom alvitre aderir, de malas e bagagens, ao novo regime que se instalara no país, filiando-se ao Diretório Metropolitano da Arena para continuar deliciando-se do leite suculento do governo, como acontece com muitos políticos sem nenhuma convicção ideológica firme, respeito à ética e compromissos mais sólidos de natureza partidária.

Tudo feito nas caladas da noite, com fichas já assinadas, conferidas e abonadas da nova filiação, Pantaleão cometeu o ato insano de ir à residência do doutor Pedro para comunicar-lhe sua decisão, que achou justa, conveniente e sensata.

Lá chegando numa manhã ensolarada e tranquila bateu à porta de sua casa, sendo atendido por dona Gercina, dizendo-lhe que desejava falar com o doutor Pedro. Educada, como era de seu costume, pediu a Pantaleão que aguardasse por poucos minutos enquanto iria transmitir o recado ao seu marido, que se encontrava no andar superior do sobrado absorto com a leitura de autores franceses de sua preferência. Ciente da conversa, o velho cacique limitou-se apenas a falar à sua mulher: diga a Pantaleão que “eu não converso com os mortos”, querendo dizer, com isto, que ele havia morrido para ele como protegido, amigo e companheiro político.

Atônito com o recado do doutor Pedro, cuja franqueza e lealdade aos amigos ele bem conhecia, Pantaleão deixou sua residência cabisbaixo e desconcertado e nunca mais submeteu-se ao veredicto das urnas porque não teria mais o braço forte do grande líder para protegê-lo, assim como a certeza de que não poderia contar com o apoio de seus novos companheiros de partido porque neste ele ainda figurava como soldado raso, que precisava cumprir um bom tempo de serviço para ser promovido, como ocorre na caserna. De qualquer maneira, a vaca iria para o brejo, como diz o ditado popular.

De toda esta história restam uma lição e uma confirmação irrefutáveis de que, em quaisquer circunstâncias, a traição e a ingratidão não compensam, ficando o traidor e ingrato exposto ao escárnio da sociedade, porque elas são nódoas repugnantes e inapagáveis na vida daqueles que as praticam para vergonha, principalmente, dos próprios familiares.

Esse estigma traição/ingratidão costuma passar, por sucessão, aos descendentes, o que é lastimável. Sabem por quê? Porque uns dizem ou dirão: aquele é filho de fulano que traiu beltrano, aquele é neto de beltrano que traiu sicrano e assim sucessivamente, na ordem de parentesco. Que coisa constrangedora para uma família!

Convém, aqui, ressaltar que é muito melhor receber pouco, ou coisa nenhuma, e ser leal do que receber muito e ser ingrato. Qualquer semelhança dessa afirmação com o que ocorreu ou ocorre atualmente na política goiana é mera coincidência e a carapuça, a esse respeito, serve bem na cabeça dos políticos que a merecem, cujo julgamento, implacável e rigoroso, cedo ou tarde, será feito pela vontade do povo através do voto secreto, universal e direto. Quem estiver nessa situação que aguarde as próximas eleições, que receberá o troco que bem merece.

Fato semelhante a este aqui narrado aconteceu com meu pai na eleição de 1954, em Conceição do Norte, onde ele era líder da antiga União Democrática Nacional – UDN, apenas com uma diferença: no pleito seguinte, a traidora arrependeu-se de seu ato e passou a ser uma companheira política fervorosa.

 

(Sisenando Francisco de Azevedo, advogado, escritor, historiador, articulista do DM e membro da Associação Goiana de Imprensa – AGI)

 

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