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OPINIÃO

Um tiro no pé do pensamento econômico

“Só haverá verdadeiro desenvolvimento – que não se deve confundir com crescimento econômico, no mais das vezes resultado de mera modernização econômica das elites – ali onde existir um projeto social subjacente.”

Celso Furtado (1920-2004)

Lá onde trabalho, na Universidade Estadual de Goiás, campus Itumbiara, cidade da baixada goiana, acontecem coisas que, em um momento, me espantam, em outro, causam deslumbramento e em outro, reflexão... Muita reflexão.

É uma vibrante “caixinha de surpresas” onde acontece de um tudo o que sinceramente, considero ser positivo, mas, mesmo para o inusitado, para o imprevisível é preciso que se tenha algum limite.

Estou me referindo especificamente ao evento assim denominado “Semana do Economista” acontecido recentemente em nossa Unidade. Para quem não sabe, a “Semana” é momento bastante especial na formação de professores e alunos onde temas da economia contemporânea são analisados fora do ambiente de sala de aula com ares de congraçamento, de festividade e, de fato, de muito aprendizado.

É efetivamente, momento especial, de saberes comuns e coletivos onde outras perspectivas sociais e econômicas são apresentadas aos estudiosos locais da ciência econômica. Devo dizer que, vez por outra, metemos os “pés pelas mãos”, cambaleamos e por muito pouco não somos arremetidos ao chão.

Na Semana do Economista deste penoso 2015, a organização do evento, equivocadamente trocou a aprendizagem econômica pela militância estatal (e favor não confundir “estatal” com “público”!) quando decidiu, sabe-se lá porquê, convidar um tecnocrata neoliberal do PSDB para “ensinar” professores, estudantes e economistas um “não sei quê” sobre as delicadas feituras da ciência econômica e seus rebatimentos diretos sobre a vida social.

A “organização” do evento, sempre cheia de boa vontade, descuidou do ensino sério, histórico, dialético e formador da atividade docente; desmereceu a ciência econômica quanto aos seus rigores, normatividades e leis científicas e; por fim, garantiu espaços longos, caros e importantes para misticismos econômicos, ideologias estatais ou neoestatais e, deu dois passos para trás para, talvez, seguir um adiante.

O referido burocrata, aliás, economista e deputado federal pelo PSDB goiano foi um dos responsáveis pela atual e crônica inviabilidade econômica do muito falido Estado de Goiás. Como Secretario de Planejamento foi incapaz de repensar o atual e perverso modelo de desenvolvimento adotado pelo Governo, aliás e não casualmente, a razão de nossa profunda crise orçamentária, financeira, fiscal, ambiental e social.

Com foco na grande empresa, no investimento portentoso e de monta, os pequenos negócios do Estado, de fato, empreendimentos que geram empregos, postos de trabalho e impostos, ficaram completamente relegados, segundo o olhar e a prática administrativa deste tecnocrata, aos subterrâneos da ação pública e governamental.

A opção tucana do “Robin Hood às avessas” de tirar dos pequenos e micronegócios e passar, sob a forma de isenções fiscais, financiamentos e anistias, às grandes e muito grandes empresas, solenemente atraídas pela orgia fiscal azeitada pelo Governo provocou uma indizível transferência de recursos públicos e privados a partir dos rincões e grotões de Goiás para miúdos polos empresários recentemente instalados no Estado.

Uma criminosa diáspora de recursos humanos, talentos e ativos ambientais apetecidos a partir das mais longínquas localidades de Goiás para dar forma a uma babel de crescimento que potencializa tão somente, grupos econômicos de relação nenhuma com a gente do povo goiano.

Compreendendo esse fenômeno em uma posição diametralmente oposta ao discurso oficial do governo, não são as grandes e “modernosas” empresas que “geram” emprego, renda e divisas para o Estado, ao contrário, são as localidades, sobretudo, as pequenas localidades, que ao seu modo, somam esforços dos mais diversos para darem formas econômicas a estes leviatãs empresariais que sob qualquer aspecto lhes garantirá qualquer tipo de benefício.

A ideia é simples, a título de exemplo, são localidades como Damolândia, Bom Jesus ou São Miguel do Passa Quatro, dentre muitas outras, que deixam de receber investimentos em favor da atração de empresas e que se situaram bastante distantes destas mesmas localidades. E a distância a que me refiro não é só física, geográfica, estou falando da distância afetiva, ambiental, social e de compromissos com as localidades, com os lugares.

Me atrevo a dizer que dos 246 municípios, tem-se uma efetividade econômica de alguma consideração, alguns trinta ou quarenta municípios, os demais hibernam no bucólico mundo cerradeiro de velhas tradições, do bom compadrio e de economia sumamente estacionária. Não é por menos... A nona posição de Goiás entre os principais PIB's do país só é possível pela falência das localidades, dos sítios e das quebradas. O ideológico discurso do Governo de que “nossa” economia cresce quase dois dígitos acima da média nacional é, tão somente, mero discurso, ufanismo de quinta categoria, bravata política e administrativa sem qualquer relação com a imensa maioria das cidades goianas.

É só ver os padrões tecnológicos das produções nas cidades goianas. Uma ligeira visita em uma fazenda tradicional goiana mais parece uma viagem no tempo onde o monjolo, a tração animal e o trabalho braçal são os eixos estruturantes da “competitiva” economia goiana.

Espero que nas vindouras “Semanas dos Economistas” tenhamos a hombridade de, concretamente, fazermos ciência por meio do dialogo sério e franco com o mundo real da economia e não com representantes e suas representações da “teologia de mercado” que, como bem sabemos, concentra rendas, sub-remunera o trabalho humano e, claro, se apropria criminosa e indevidamente das rendas públicas. Tenhamos juízo!

PS.: O “honorável burocrata” que vocês convidaram para “ensinar” economia para jovens pobres e assalariados desta igualmente desmontada Itumbiara votou no Congresso Nacional, bem como toda a bancada do PSDB, pela terceirização do trabalho que prevê a retirada de direitos fundamentais dos trabalhadores estabelecendo o apriorismo de contratos precários e flexíveis àqueles que, de fato, produzem.

(Ângelo Cavalcante, economista, cientista político, doutorando em Humana pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), campus Itumbiara)

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