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OPINIÃO

Cavalo azulão

O folclore,o futebol e os esportes em geral, são instrumentos de intercâmbio cultural e de aproximação entre os povos 

“Rico quando tá com problemas vai ao psicólogo. Pobre vai ao boteco!”

(Edvan Antunes – Pára-Choque do DM) 

Sempre que vou a uma feira me encontro com Mestre Tião, piauiense de Picos, a maior produtora de mel de todo o norte, segundo ele. Se lhe perguntam ele responde que se chama Sebastião Cláudio dos Santos Pereira, seu criado, batizado na Catedral de Nossa Senhora dos Remédios e xará de Sebastião Prata, que é nada menos que o celebrado, consagrado e imortal uberlandense, polivalente do teatro, cinema e televisão, o querido Grande Otelo. Lembra-se? – Finaliza ele. Pois é, sempre que vou a uma feira... Continuo eu, (sou danado pra pular de galho feito um colibri beijando flores, uma mariposa dando voltas na lâmpada) assim que apeio do ônibus, avisto a figura virtuosa do meu amigo Sebastião, gesticulando e rindo um riso contagiante, espalhando alegria ao contar um causo. Cheguei a tempo de ouvir o fim de um, o da farofa de argamassa (Sebastião é mestre de obras) que ele pedira pro servente preparar. O servente (esse de Garanhuns, terra das mais decentes lá de Pernambuco) coçou a cabeça num desconsolo danado e fez uma pergunta: – Oxente, o sinhô me manda aprepará farofa sem a banha, sem o ovo e sem a farinha?   – Sebastião, entre perplexo e irado, respondeu: toma jeito seu abestado despreparado, essa farofa se aprepara com areia, seu miserave!

Sebastião Cláudio dos Santos Pereira – grito eu de cá – por onde andas tu, homem?

– Rapaz – responde ele de lá – Se aprochegue pra cá que tu ficarás sabendo o sucedido. Sentamo-nos sob a copa duma mangueira donde, nas grimpas, um bando de passarinhos entoava eloqüentes trinados, ou protestos, sabe-se lá, sob o olhar plangente dum passo-preto que entortava a cabecinha prum lado e pra outro mensurando, num diapasão mental, as notas sonoras da passarada. Pedimos pastel de gueróba com frango, guaraná e molho de piqui com pimenta. Nem bem começamos a degustar os quitutes lá vem ele me perguntando: – Hein, conheces um benzedor de urucubaca? .. Tô precisando dum – E sem esperar resposta, continuou – Gambirei uma carroça e um cavalo com um chacareiro daqui de perto e pra evitar choramingação futura pedi prele ter o devido cuidado de verificar se a dita cuja tinha algum agravame e se o cavalo apresentava algum defeito visive. Do cavalo, desde que veio parar minha mão, nunca me jogou na cara defeito nenhum, nem um tiquinzinho assim ó...!, nem um nadiquinha de nada! – Falava indicando a dosagem com os dedos e arrematava fechando os olhinhos – Nem um pispipinzinho pitititinho que fosse pra me matar de vergonha, num sabe?

E Sebastião continuou a lamúria dando mordidas no pastel a lhe escorrer gordura no canto da boca – Por causa da presepada que o cavalo aprontou, tive que devolver a bicicreta, um canivete da suiça, um ventilador sem a grade protetora, um rádio que só pegava debaixo da antena da rádio, um capado que ia dá umas duas quartas de banha e uma geladeira que sapateava na hora que ia ligar ou desligar o automático. Além disso, tive que aceitar o cavalo de volta e agüentar calado o esbregue que o chacareiro me deu ao contar o piseiro que ele, o cavalo, fizera na frente de todo o mundo.    – Foi assim, quévê? – Falou Sebastião pondo o pastel gordurento no encardido prato de papelão ao tempo que limpava a boca com a fralda da camisa – O home veio com a famia trazendo as quiçaças mode vender aqui na feira. As nuvens brancas esparramaram seu manto escuro sobre a mãe terra anunciando chuva braba, chuva de tirar pica-pau do ôco. Trovão tonitruava em ribombos alarmantes, nisso, o cavalo começou a andar de banda, de alazão foi pra azulão, entortando os beiços prum lado e de repente ouviu-se um estalo do tamanho de Goiás acompanhado dum um raio que clareou o mundo daqui até Juazeiro do Norte foi o mote pro descarado do cavalo empinar a carroça, dar umas duzentas e oitenta e cinco de bunda, uns oitocentos e trinta e sete peidos e bufadas e relinchos e sair numa disparada dos seiscentos capetas, transformando a carroça tão bonitinha numa munha de cacos sem serventia. Graças a Deus salvaram-se todos, só o meu orgulho é que ficou com uma mancha preta e toda vez que um raio cai lá em Brasília, o isprivitado do cavalo fica de boca tortinha, revira os zoios como quem vai desmaiar e se desembesta num carreirão dos diabos com a molecada correndo atrás pedindo bis pelos oitocentos e tantos peidos. Ô vida besta, siô!!!

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De repente, o silêncio que abatera no ambiente depois do relato (comovente?) de Sebastião, se quebra com o gorjeio do passo-preto da carinha torta e a passarada se silencia pra ouvir sua maviosidade encantadora.

(Alcivando Lima, escritor - [email protected])

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