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Alteridade: o que todo brasileiro precisa para este 2016!

Os brasileiros não podem passar este fim de ano sem refletir acerca de Alteridade. Durante essa época do ano “paira” sobre as pessoas um “espírito natalino”, isto é, são tomadas de um senso de solidariedade, um desejo de ajudar o próximo e de presentear uns aos outros. Isso ocorre porque os princípios bíblicos e cristãos vêm à tona, principalmente, o mais famoso de todos dito por Jesus Cristo “amar o próximo como a ti mesmo”. Por conseguinte, é necessário pensar no que realmente consiste o “amor”, pois este em sua essência relaciona-se com o respeito e a alteridade. Todavia, o povo brasileiro há muito tempo perdeu o “amor”, a “alteridade” e o “respeito”.

É perceptível a falta de respeito e de amor no Brasil. Os indivíduos não estão sabendo respeitar as opiniões diferentes das suas. Esta faltando o senso de alteridade, ou seja, não se sabe mais o que é “o outro” ou o que é “o diferente”. O ser humano é um ser gregário que tem a necessidade de uma relação de interação e dependência com “o outro”. Ocorre que, para que haja uma relação saudável entre as pessoas torna-se imprescindível a alteridade.  Portanto, a base de uma sociedade esta na relação harmônica entre o “eu” e o “outro”, e o que possibilita essa coexistência pacífica é justamente esse senso de alteridade. É saber conviver com “o outro”. Contudo, não é o que se tem visto neste país.

A alteridade implica que um indivíduo seja capaz de se colocar no lugar do “outro”, em uma relação baseada no diálogo e valorização das diferenças existentes. Mas, infelizmente, tem-se assistido uma proliferação de preconceitos contaminando a sociedade. Para as pessoas, tudo é motivo de discussão e discordância. Não se sabe mais respeitar a opinião do “outro”. Não se consegue mais conviver com “aquele” que pensa diferente. Há violência de toda ordem. Há preconceitos de origem, sexo, cor, opção sexual, religião, política.

Se o “outro” se posiciona a favor de determinada vertente ideológica partidária, “aqueles” que são contrários não apenas discordam, mas humilham, achincalham, escarnecem a opinião alheia. Durante o período eleitoral ficou evidente que não há uma maturidade salutar entre os brasileiros para discutir política. Tornou-se nítido a falta de alteridade.

Se o “outro” se posiciona afeito a uma opção sexual distinta da qual nasceu, este é execrado pela sociedade, família e, inclusive, pela própria igreja, onde esta última deveria professar com mais afinco o “amor” ao próximo. Alguns acham que detêm o direito de até matar ou queimar “o outro”, só porque este se porta diferente da maioria ou em contramão dos dogmas ora vigente na sociedade tradicional.

Se o “outro” é de uma determinada religião, este não é aceito pelas “tribos” ou “grupos” diferentes daquela crença. Os brasileiros não sabem discutir religião. O pior é que não apenas são ignorantes nos debates, mas não conseguem conviver com “aquele” da religião alheia. Amizades se desfazem porque “o outro” é de outra religião.

Podem-se citar vários outros exemplos onde falta a alteridade. As pessoas estão matando umas às outras por causa de time de futebol, por causa da “cor da pele”, por causa da “opção sexual” e até mesmo em situações do cotidiano do trânsito de veículos. Neste ponto, nem precisa entrar no mérito da violência ocasionada por criminosos. Esta discussão limita-se “aquelas” pessoas “normais” que saem do seu próprio controle devido à falta de alteridade.

Diante desse cenário, é imprescindível a indagação: como estimular o senso de alteridade no povo brasileiro? Para tanto se deve encontrar o grau de autonomia do indivíduo brasileiro, através da identificação do nível de emancipação intelectual e social, por meio desta análise feita nos parágrafos anteriores no que tange a violência e ofensas relativas a preconceitos de origem, sexo, cor, opção sexual, religião, política e quaisquer outras formas de discriminação.

É de grande preocupação o período histórico que a sociedade brasileira está passando nessa metade da segunda década do século XXI. Desde junho de 2013, na qual ocorreram grandes manifestações populares em diversas localidades do país, percebeu-se a evidência de uma nova postura política do povo. Porém, ao se analisar os protestos mais recentes que aconteceram após as eleições presidenciais, principalmente, os de março de 2015, identifica-se uma dificuldade das pessoas de serem compreensíveis com as divergências, ou seja, as pessoas estão menos tolerantes.

As últimas manifestações não registraram confusões, porém têm sido palco de cenas preocupantes: faixas com o símbolo da suástica nazista exigindo a volta da ditadura militar, pessoas criticando jornalistas contrários ao movimento e até mesmo rechaçando pessoas com pensamentos opostos. Outro fato significativo foi o que ocorreu após essas manifestações quando durante os pronunciamentos da presidente Dilma Rousseff e de dois de seus ministros na televisão, milhares de pessoas saíram na janela de casa para promover um panelaço. A preocupação não consiste nas manifestações em si, mas sim no fato das pessoas ignorarem opiniões contrárias, e tal postura pode levar os indivíduos a aderirem cegamente a uma posição, doutrina ou sistema e a caminhar numa direção perigosa: a da falta de esclarecimento e de alteridade.

Vale destacar, que as pessoas quando estão em grupo passam a ter um comportamento diferenciado do individual, pois se imergem na coletividade, formando uma espécie de mentalidade única irracional. Nas grandes multidões, acumula-se a ignorância, em vez de inteligência. Na mentalidade coletiva, a intelectualidade e personalidade individuais se enfraquecem. As pessoas, quando estão em grandes aglomerações, se não são esclarecidas e não possuírem senso de alteridade, estas deixam de usar a razão e reagem cegamente, tornando-se presas fáceis de manipuladores.

Pode-se dizer, nesse sentido, que a sociedade brasileira perdeu o senso de alteridade. Constantemente, os jornais divulgam notícias de violência envolvendo times de futebol, no qual pessoas matam aqueles que são do time adversário e até mesmo da própria torcida; brigas que ocorrem por divergências partidárias e políticas; críticas ofensivas em redes sociais em relação às opiniões contrárias que geraram até mesmo desfazimento de amizades; desigualdades regionais, onde o norte e o nordeste brasileiro são menosprezados; preconceitos e discriminação de origem, raça, sexo, religião e cor que levam pessoas a matarem pelo simples fato do outro ser ou pensar diferente. O brasileiro não sabe ser tolerante e compreensível.

A incapacidade de compreender opiniões diferentes é uma ameaça à democracia. Por conseguinte, é necessário construir uma cultura de tolerância que passe por todos os elementos que compõem a sociedade. Tolerar é a capacidade de se abster de intervir na opinião do outro, mesmo que se desaprove, ou se tenha o poder para calá-la, cerceá-la ou até prendê-la.

A aceitação de valores diferentes é um exercício de autocrítica. Ela cria as condições necessárias para construir um diálogo positivo para o desenvolvimento de uma sociedade sem rachaduras, no qual o respeito seja praticado. E, por fim, a educação voltada para a autonomia e esclarecimento se torna fundamental para formar cidadãos conscientes que tenham senso de cidadania e alteridade.

Enfim, para se lograr êxito em tornar a sociedade brasileira mais tolerante, respeitosa e com senso de alteridade é de grande relevância uma educação que visa ensinar às pessoas a relatividade do conhecimento, que não existe uma verdade absoluta, portanto, o “eu” pode estar errado e o “outro” certo, ou melhor, não existe certo ou errado, mas sim pontos de vistas diferentes. Tal grau de maturidade intelectual só se atinge quando as pessoas são levadas a autorreflexão, a pensar e criticar suas próprias ideias. Logo, todo brasileiro precisa levar para 2016 esta reflexão e sair da posição de se achar o “correto”, se tornando mais tolerante com “o outro” e praticar a alteridade para que o Brasil seja uma sociedade melhor e mais pacífica.

(Agnaldo Bastos, advogado, palestrante e professor especialista em Direito Constitucional. Críticas, elogios e sugestões enviar para o e-mail [email protected])

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