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OPINIÃO

Um baita presente de grego chamado Heineken!

A história explica! Já não havia mais condições dos exércitos gregos cruzarem os umbrais de Troia! Nada a fazer senão recuar e dar cabo ao conflito de aproximadamente cem anos até que alguém lança a ideia de deixar aos resistentes troianos uma, digamos, “lembrança”: um cavalo!

Essa história é muito bem contada pelo poeta épico Homero (928 a.C. - 898 a.C.) em seu clássico, Ilíada, não por acaso um outro nome para Troia.

Finalmente, o cavalo estava recheado dos melhores guerreiros gregos e que, são ingressados fatal e solenemente nos domínios troianos e daí... A queda!

A guerra entre gregos e troianos fará escola, sobretudo, na parte em que o estratagema do cavalo é posto em plena pratica. É o mesmo caso da "magnífica" cervejaria Heineken que está sendo anunciada como a redenção da caipirada do “caminho da cachoeira”, a mesma Itumbiara.

Ledo engano! O engano está na parte e no todo; na inserção e em seu modus de integração; na beligerância entre a necessária eficiência empresarial e os dilemas ambientais gravíssimos que arrasam com Itumbiara. É curioso que nada do que envolve algum tipo de condicionante ambiental adentra no discurso desenvolvimentista de Marconi Perillo (PSDB).

Sigamos... A experiência de Itumbiara com grandes empresas é uma pletora de fracassos rotundos; trata-se de uma passarela de derrotas sistematizadas e consecutivas, sobretudo, para o conjunto da população e dentre esta, os mais pobres, os moradores dos bairros afastados; das periferias; das alquebradas e dos arrabaldes da cidade.

A empresa estrangeira e subsumida no local mira tão somente, no lucro e na ampliação destas taxas de ganância; alinha salários por baixo; articula cartéis empresariais locais; capa e recapa a atuação sindical e; de outra maneira, faz e refaz com a cidade, seus espaços, suas possibilidades ecológicas e ambientais. A grande empresa é o revés da justiça urbana; é o contrário do equilíbrio urbano a ser cumprido e efetivado; é a manutenção moderna de um tipo novo de servilismo que tem como base o assalariamento, a precarização do trabalho e o acesso pleno e fluído de toda sorte de benefício público.

No que respeita a Heineken, vi que a midiota “goianera e itumbera” anunciou triunfalisticamente que algo como seiscentos e cinquenta milhões de reais serão investidos para gerar 650 empregos... É isso mesmo ou estou sonhando?

Quer dizer então que será investido, além da paciência pública, um milhão de reais para cada emprego? Um milhão de reais investidos para gerar empregos salariais ou é burrice ou é má fé!

Me recordo do Luís, mototaxista de Itumbiara, que com uma moto básica e bem usada de 125 cilindradas que não custa mais que quatro mil reais sustenta sua família (esposa e três filhos), produz trabalho, serve pessoas da cidade e o melhor do ponto de vista econômico, suas rendas ficam na cidade onde adquire bens e serviços de que necessita e na própria cidade. Os ganhos de Luís não serão ex-patriados para os Estados Unidos, para Inglaterra ou para Holanda, ficarão integralmente na economia de Itumbiara, ativando essa mesma economia, dando forma, dinâmica e vibração para nossa enviesada forma econômica. O “Luís da moto” é excelente negócio!

Diferentemente de Luís, a Heineken que custará os “olhos da cara” do povo goiano via isenções e financiamentos irá enviar para o exterior milhões e milhões de dinheiro brasileiro descapitalizando as economias, sobretudo, as locais. Outro indicador econômico a ser considerado é o que respeita aos enormes impactos ambientais e que esse titã europeu causará por aqui.

Nos noticiosos goianos vi que a “H” irá produzir 3,5 milhões de hectolitros de cerveja por ano a partir de sua unidade de Itumbiara.

Vejamos: o hectolitro (hL) é um múltiplo do litro (L) e é denotado por 10 com expoente “2” ou “10 x 10” o que dá em 100 litros (100 L); existem outros múltiplos, tais como: decalitro (10 L); quilolitro (1000 L); megalitro (10.00000 L); gigalitro (GL ou 10 com nove zeros) dentre outros.

Considerando que para cada litro de cerveja pronta são necessários oito litros de água, temos aí uma conta grosseira que indica que “H” irá consumir algo como dois bilhões e oitocentos milhões de litros de água/ano para a feitura de sua cerveja.

Mesmo com as mais modernas tecnologias utilizadas pela cervejeira, ao fim de dez anos, a Itumbiara “gomista/marconista/baleira” que como bem sabemos, se mostrou incapaz de, em doze anos de poder oligárquico, de servir água perene para grande parte de seus habitantes, terá arruinado completamente o que restou de agricultura familiar da cidade bem como entrará em franco choque com o sorvedouro “sem-fim” da irrigação canavieira.

“Mas como esse professor é exagerado!” Irão me denunciar alguns desafetos. Mas eu explico! O jornal Folha de São Paulo em matéria recentemente publicada (11/01/2015) informa que a Organização Mundial de Saúde (OMS) sugere que cada pessoa consuma em média 110 litros de água/dia. Para o plano brasileiro, o estado que mais consome água no país é o Rio de Janeiro (253 l/pessoa); Alagoas é o que menos consome (100 l/pessoa). Goiás ocupa a décima quinta posição (146 l/pessoa).

As perdas goianas, no entanto, equivalem a 28,8% de toda a água tratada o que em verdade, é índice relativamente baixo sobretudo, se considerarmos a média nacional (37%). Nesse cenário, considerando que não temos uma política de gestão séria, ordenada e coordenada das águas goianas; que nossa empresa de saneamento, a Saneago trôpega e joguete barato e fácil na mão da oligo-politicada goiana e considerando por fim, que as oligarquias locais “nadam de braçada” no terreno político local e sem maiores resistências, eu diria que estamos de mal a pior.

Quando vejo uns e outros da “politicazinha” miúda e local falando de “desenvolvimento” não sei bem o que querem dizer; não vejo relação com o mundo real, concreto e; o pior, não identifico horizonte possível sobretudo, para os mais pobres e desamparados dessa província de política medieval.

É tempo de resistir a estes “presentes gregos” de falsa modernização.

(Ângelo Cavalcante, economista, cientista político, doutorando em Geografia Humana (USP) e professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), campus Itumbiara)

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