Opinião

ABISMAL SILÊNCIO DO SERTÃO

Diário da Manhã

Publicado em 28 de fevereiro de 2016 às 23:55 | Atualizado há 4 meses




“…Empenho-me em dotar de encantamento poético ideias interpretativas de inquietações humanas irrespondíveis para quantos infelizmente vão engrossando a onda dos descrentes, tal como procedo com as advindas de realidades dolorosas e humilhantes onde se debate, impotente e martirizado, todo um vasto panorama sub-humano que aí está desafiando nossa capacidade de HOMENS, de organização, desenvolvimento e afirmação perante nossa própria estrutura ou desestrutura cívica e moral…”

MANOEL FERRERIA LIMA

(Introdução do livro “Vozes do Caminho”)

 

Natural de Pedreira – SP o artista plástico Moro reside em São Bernardo do Campo. Desde criança demonstrava seu pendor artístico com os desenhos. Cedo experimentou outros materiais como giz de cera, guache, etc. Autodidata é um estudioso da pintura, de sua expressividade e suas nuances. Aos 23 anos, passou a pintar a óleo. Seu estilo, inconfundível, nos pincéis e espátulas o identifica antes mesmo da visualização da assinatura de seu singular nome. Participa de várias exposições pelo Brasil. No exterior já expôs em Milão, Bologna, Marostica na Itália e Tukuiama no Japão.

Ministra workshop em todo Brasil.

Poemas do livro Vozes do Caminho. Goiânia/1969, do escritor Manoel Ferreira Lima (Araguacema-TO. 13/02/1916. Goiânia- GO. ?). Telas do artista plástico Nadir Aparecido Moro (Pedreira – SP)

 

MORTE DO LAVRADOR

É noite de inverno. Na pobre cabana

a luz da candeia não pode brilhar.

O vento raivoso sacode a choupana.

A chuva desaba com fúria insana,

o o raio no espaço quer tudo acabar.

 

É noite de inverno. A floresta rebrama.

Ululam, em torno, raposas, guarás.

Lá dentro, deitado em misérrima cama,

nas trevas da noite, nas trevas de um drama,

alguém chora a sorte que a vida lhe traz.

 

Quem é? – pobre mãe desconsolada, aflita?

Quem é? – algum filho a quem se desprezou?

– Não. É o próprio pai que, em trágica desdita,

na esposa, nos filhos, com pranto medita,

Que acerba moléstia p’ra sempre o prostou!

 

Ele ali está, para sempre deitado,

Sofrendo feridas que o ensopam de pus,

sofrendo o heroísmo daquela que ao lado

lhe assiste extremosa, mitiga-lhe o fado,

os filhos sofrendo, famintos e nus.

 

No entanto, quem mais seus gemidos escuta,

no escuro recanto do imenso sertão?

– O vento, somente, que as brenhas perscruta,

lhe enxuga os suores da última luta,

e ao céu lhe conduz, com a alma, a oração!

 

– Nasceu do sertão nas entranhas remotas.

Cresceu com seu viço, nele confundido.

Batizou-lhe os montes, varejou-lhe as grotas,

rumo aos quatro ventos lhe abriu novas rotas,

cultivou-lhe os campos, fê-lo mais querido.

 

Mil vezes por ano, dos breves que teve,

levou de vencida a resistência bruta

da hostil Natureza. E lhe parece leve

o ímpar certame, pois acha que deve

perigos não ver naquela insana luta.

 

Mas na desigual e contínua peleja,

venceu-lhe o sertão, afinal, a bravura.

E a vida que a tantos fora benfazeja

– qual ressequida candeia sertaneja

– findou-se-lhe à míngua, em morte prematura!

 

MURMÚRIOS DO ARAGAUIA

Eu vivo perdido num ínvio sertão,

num leito de espinhos, sem pátria, ao relento.

Deixou-me no berço a civilização.

Meus filhos, coitados, são vermes do chão,

e é em vão que soluço e meu fado lamento!

 

Quem me vir assim tão majestoso e grande,

um pedaço de mar a deslizar cantando,

ou a marchar urgindo

entre dois oceanos de folhas verdes,

e assistir me às cenas coloridas;

quem me ouvir os marulhos das ondas e florestas,

e vir o céu cruzado de asas multicores,

as águas recortadas de intérminos cardumes,

e as praias enfeitadas de mil flores aladas,

certamente dirá: soberbas maravilhas!

 

[…]

 

Mas ai do alienígena que cruza estes limites!

– Se ainda preza a vida, atente à voz da selva,

quando, a zumbir, o personagem

nuvens escuras de carapanãs;

quando estranhos sinais encontra pelo chão;

quando na mata se balançam frondes, sem viração;

quando estridulam e agouram “almas de tapuios” e cauãs;

quando alternam pios pássaros ocultos,

e lá, mais no fundo, onde a luz vazada

da espessa ramaria é mais frouxa e apagada,

pisando sem ruído a grossa esteira de folhas caídas,

aparece um vulto de homem

de arco e flecha em punho e borduna à mostra,

por cujas maneiras e voz escura e tosca

fala o gênio das matas e sertões inóspitos:

– Estrangeiro, estrangeiro,

temerário invasor destas sombrias terras

escuta do meu reino este ultimatum de guerra:

Para, reflete e volta. – Todos quando se atrevem

a violar estas paragens tem pela frente a morte.

 

Podias ser amigo, mas és meu inimigo,

porque és a traição, a ambição e a humilhação mais torpe.

– Trazes por condão o amor e a paz da cruz,

em nome de Tupã a quem chama Jesus?…

– Sim. Pareces bom, amigo verdadeiro.

mas és o mais temível dos aventureiros.

Alhures te conheço, a ti também.

Revelas no gesto o talismã do além.

Fulgura em tua fronte a virtude, a bondade,

– mas abaixo das nuvens quem domina é a maldade.

 

[…]

 

Estrangeiro, estrangeiro

oh tori,oh tori,

quem quer que sejas tu,

não pises mais aqui,

a terra que cobiças é um tabu.

Não profanes, deixa em paz o lar que ainda tenho.

Pensa, treme e volta. Ou dentro em pouco

serás dos urubus!

 

Assim fala na margem do ocidente

o gênio de milhares de ameríndios

a cuja história, outrora como agora,

nem sempre a civilização pode lavar as mãos.

Assim murmura ou brada este reino de sombras

de milhares de gentios recalcitrantes e ferozes,

enquanto outros, que apenas alto e malo

a barbárie deixaram,

vegetam relando de uma a outra praia,

ou de um a outro ponto do sertão,

inúteis, indolentes, amarrados

a um primitivismo sem evolução.

 

[…]

 

Também na amada Pátria,

mas não sei se à distância de Urano ou Netuno,

há grandeza, fausto, orgias esplendor…

Metrópoles subindo ao céu,

mil chaminés fumegantes

estradas largas, sem lama,

povo robusto, rosado, com inflação de doutor.

Há parques Maracanãs,

há concursos de beleza,

deuses Momos pelas ruas,

futilidades brilhantes,

opulentas safadezas,

muitas riquezas malsãs.

 

Mas por estas plagas, como tudo é diferente!

Quase que o mesmo silêncio que um dia aqui deixou

o pulso criador.

Se me visitam os preferidos da alegria,

homens mais bem nascidos que os tristes filhos meus,

– ai! Quantas vezes vêm para chacinar-me,

oh! Meu Deus!

Não vem trazer-me conforto, mas criminosamente,

só por recreio e gozo bestial,

como o do mais feroz e estúpido animal,

embora às vezes sejam até gente da Lei,

conspurcar a moral dos meus nativos,

cruéis dinamitar os meus cardumes,

e arrasar minha fauna, selvas, campos

– sagrado patrimônio

com que sustento, há séculos, provejo

de meus amados e infelizes sertanejos.

Aqui reina o instinto e o abandono, a descrença e o sofrimento.

 

[…]

 

Se acaso vos comove a sorte nossa,

se acaso vos compunge nosso mal.

Se acaso este Brasil é Pátria vossa,

libertai-vos dos tempos da colônia.

– Olhai o Araguaia e o Tocantins,

entregai-vos as verbas da Amazônia

revertidas em estradas, energia elétrica,

saúde, educação, em toda esta região.

Da Pátria promovei o progresso ideal,

dos brasileiros todos logo edificando

no planalto goiano a Capital,

 

e lançai-nos orvalhadas de conforto;

trazei remédio à dor que nos devora;

tirai dentre os escolhos nossa embarcação;

conduzi-nos também ao porto da vitória,

ao esplendor da História,

– lançai jorros de luz para o sertão.

 

(Cidade de Goiás, 1949)

MURMÚRIOS DO ARAGAUIA

 

 

A página Oficina Poética, criada e organizada pela escritora e acadêmica Elizabeth Abreu Caldeira Brito, é publicada aos domingos no Diário da Manhã.Esta é a 208ª edição (desde 08/01/2012). [email protected]


Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

Impresso do dia

últimas
notícias