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OPINIÃO

É preciso saber de tudo que acontece

Já vai longe o tempo do Canal 100, de Carlos Niemeyer, um telejornal semanal em preto e branco, que passava no cinema antes dos filmes, no período de 1957 a 2000. Terminava com eximias jogadas de futebol em câmara lenta e ao som da bela trilha sonora. Não acompanhei o Repórter Esso, “O primeiro a dar as últimas”, na voz do locutor Heron Domingues, mas soube por minha mãe Milena, que quando a música tema começava, as pessoas corriam para o rádio, que, cheio de chiados, não pegava bem. Esse primeiro noticiário radiofônico globalizado – 14 países –, tinha viés político ideológico norte americano e existiu de 1941 a 1968. Teve uma versão televisiva, que também acabou.

As notícias de ontem saíam no jornal impresso de hoje, e as notícias da semana eram lidas nas revistas com análises sérias, isentas e profundas. As opiniões da publicação apareciam nos editoriais e nas matérias assinadas. A população buscava nas edições instrução e educação. Antigamente havia uma única verdade, hoje são várias, que disputam entre si pela nossa confiança.

O Jornal Nacional, no ar desde 1969, começava vinte minutos antes da novela das oito. Foi feito o hábito de vê-lo antes do folhetim e criou-se a ilusão de que se deu no JN é verdade. São conhecidas as amputações da Ditadura Militar e as manipulações da Rede Globo que a serviu, mas, se foi publicado, aconteceu! Não é mais assim, inclusive corre nas redes sociais a seguinte piada: “Se deu no JN é ‘boato’, se deu na Veja é ‘mentira’.”

Quando surgiram as televisões pagas e seus canais de notícias 24 horas, chamava a atenção a tela da Band News, com informações simultâneas. O apresentador falava uma coisa, logo abaixo do rosto dele aparecia uma tela fixa e mais abaixo outra imagem móvel no sentido da direita para a esquerda, bombardeando o telespectador com novidades como a cotação do dólar, da bolsa ou algum dado relevante. Para entender o que se passava era preciso direcionar a atenção. Hoje, a tela móvel não passa como antes, muda no sentido de baixo para cima, em bloco.

No fim de semana, quase não acontece nada, pois o Congresso Nacional é fonte de parte dos acontecimentos, e como se sabe, deputados e senadores folgam de quinta a terça-feira. Matérias na zona rural, com bois pastando, são comuns no sábado à noite. O marasmo do domingo foi vencido há tempos pelas redes sociais, blogs e sites independentes, com cada um defendendo sua ideologia, ou apenas vendendo seu peixe. As pessoas desconheciam sua necessidade de informação permanente. Há os que relutam e fogem das más notícias, mas há os contrários que não desligam hora nenhuma. Seguem a norma imposta.

O banal virou notícia. Se antes, um cachorro morder um homem não era notícia, mas um homem morder um cachorro sim, hoje, cenas de infidelidade (isso não é notícia) foram elevadas ao patamar de fato relevante, que muda não apenas a cotação do euro, mas também a velocidade da rotação terrestre. É preciso saber detalhes sórdidos, ver vídeos do momento da traição, cantar as músicas criadas e usar o bordão imbecil.

Quando está sem novidades, o noticiário requenta notícias e as repassa no decorrer do dia. Quem lê, ouve ou vê muda de canal, por não suportar repetição. Vai célere em busca de novidades, já que viver significa saber de tudo que acontece, nos sete mares, nos cinco continentes, ainda que seja uma banalidade, uma opinião travestida de notícia, um fato velho resgatado para defender interesses do emissor, pouco claros ao receptor. Esgotado, o leitor/ouvinte/telespectador/internauta não entende seu fastio, mas, incauto, procura por mais notícias. Geralmente más.

(Mara Narciso, médica e jornalista)

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