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OPINIÃO

José Sampaio de Lacerda, o sábio do coité

Conheci-o nas lides do Banco do Brasil, quando ele ainda militava nas Comarcas do Estado de Goiás, lá pelos idos dos anos setenta, eis que ele nasceu a 22 de janeiro de 1924, lá pelas bandas do Coité, ‘ribeira do Pajeú Urge’ falar sobre Sebastião Pereira, vulgo “Sinhô Pereira”. Era dos chamados Pereira ‘brancos’, pele alva, olhos claros, nascido em 20 de janeiro de 1896, sobrinho-neto do Coronel Andrelino Pereira da Silva, Barão do Pajeú, estirpe de nobres portugueses. Por questões familiares contra os Carvalhos, ingressou no cangaço, última forma de vingança mais protegida entre famílias belicosas naquele tempo.

Eis como esse braço daquela família se proclamava:

“Eu gosto de Pau Pereira / Que é pau de opinião/ Todo pau ‘fulora’ e cai, Só o Pau Pereira não./ Quem tem questão com Pereira/ Tem muita volta que dar / Dorme tarde, acorda cedo, / Pisa no chão devagar.”

“Estas quadras estavam bastante em voga nos idos de 1916, e eram uma espécie de canto de guerra da família Pereira na ribeira do Pajeú. Sinhô Pereira, na época era homem de uns 19 anos de idade, e trazia no sangue a austeridade e a rigidez moral da família Pereira. Rancoroso, violento, vingativo e valente. Era, contudo, um homem bonito, alto, moreno e cabelos revoltos” (pág. 48).

O Padre José Furtado de Lacerda “pertencia à grade Furtado de Lacerda, de Mauriti e adjacências, cujos troncos eram originários de Pau dos Ferros, no Rio Grande do Norte, espalhando-se por todo o Nordeste brasileiro. Dentro daquele físico franzino e gestos simples, o Padre escondia o homem de gênio forte, o advogado combativo e o político ladino. Era, entretanto, criterioso e bastante vaidoso com suas coisas e consigo próprio. Dele pertencia a quadra abaixo (transcrita) que enviara aos seus parentes, residentes em Foraleza, nos idos de 1920:

“Na batina, sou um padre / No gibão sou um vaqueiro / No fuzil, sou um soldado/ No rifle, cangaceiro” (pág. 49).

“Hoje, no Coité, existem inúmeros descendentes daqueles velhos combatentes que estiveram naquela luta armada daquele 19 de janeiro de 1922, ao lado do Padre Lacerda” (pág. 58). E prossegue, o ilustre historiador:

“O advogado e escritor mauritiense José Sampaio de Lacerda inicia, neste número, importante levantamento histórico sobre descendentes da família Lacerda, digno de ampliar-se em livro, será publicado em revista em três edições.” (pág. 59).

E mais adiante:

Das leituras feitas, encontrei as seguintes anotações sobre o ‘Fogo do Coité’: “1.0 – Fora de Pernambuco, teve, Sinhô Pereira, outras lutas, por exemplo, no Ceará, em Coité, distrito de Mauriti, a 20.01.1921, contra a volante do tenente Montenegro unida aos cangaceiros do padre José Furtado de Lacerda; Antônio Ferreira, irmão de Lampião, outra vez ferido no Braço finalmente, Sinhô recuou a 25 km dali, em Milagres, uma força de 400 praças nem se mexeu! Depois, outro tiroteio no município de Milagres.” (pág. 61).

“Em discurso proferido na sessão de 3 de abril de 1922, no Congresso Nacional, Rio de Janeiro, onde ocupava a cadeira de Deputado Federal pelo Ceará, o dr. Floro Bartolomeu da Costa, procurando defender-se de falsas acusações feitas pelos jornais de que era o maior cangaceiro e protetor de bandidos do Nordeste, principalmente do Cariri, prestou rápidas informações sobre o ‘Fogo do Coité’, e o fez com as seguintes palavras:

“Quando a questão estava neste pé, o bandido Sebastião Pereira, vulgo ‘Sinhô Pereira, veio do Pajeú’, em Pernambuco, passando pela fronteira da Paraíba, e atacou, no Sítio do Coité, município de  Milagres, a cinco léguas da cidade e a uma légua do povoado de Mauriti, a casa do Padre Lacerda, seu inimigo, sustentando um tiroteio cerrado durante seis horas.”

“A força estacionada em Milagres, porque estava de acordo com esses meus amigos, inimigos de José Inácio, preocupados tão-somente com a perseguição a este, insistindo sempre, junto ao governo, sobre o risco do suposto ataque, não foi ao local da luta. O bandido, não podendo vencer a resistência do Padre Lacerda, retirou-se, e foi acampar a meia légua de distância, e ali passou dois dias e três noites, sem que ainda fosse inquietado pela Força, que não se movia de Milagres, sob pretexto de garantir a cidade contra o fantasiado ataque de José Inácio. No último dia, da manhã, o bandido de volta para o Pajeú, passou beirando o povoado de Mauriti, olhando mesmo os quintais das casas e a meia légua distante, em uma fazenda de Antônio Martins, denominada ‘Lagoa das Queimadas’, entrou em fogo com um contingente de 15 praças da polícia comandadas por um sargento, que para ali seguia. Dessa luta inesperada, resultaram a morte de um cangaceiro de nome ‘Pitombeira’, lá do sertão da Paraíba, e ferimento grave de outro, e a morte de dois soldados, e ferimento grave de outro. O bandido, depois de sepultar o seu ‘cabra’, retirou-se conduzindo o companheiro ferido em uma rede e nove espingardas Mauser tomadas à polícia, e seguiu estrada afora, tranquilamente, em demanda dos sertões  de Pernambuco, sem que a grande Força concentrada em Milagres providenciasse de modo a que fosse ele perseguido.” (pág. 64).

“Ao ser atacado, o sacerdote estava acompanhado apenas de Luiz Lacerda. Pouco depois, porém, num ímpeto de marcante bravura, Pedro Sampaio de Lacerda, Manuel Lacerda (‘Neco’) e o vaqueiro Mané Gato romperam o cerco e, sob um chuveiro de balas, entraram na casa, e passaram a resistir, ao lado do valente clérigo (informe do Dr. Lacerda ao Autor). Sem interrupção, e não acarretando baixas, o tiroteio durou exatamente seis horas, e terminou com a retirada dos atacantes. Enquanto isso, a Força policial estacionada em Milagres, constituída de mais de 400 combatentes , lá permaneceu imobilizada, a pretexto de defender a cidade de um ataque da cabroeira de José Inácio...” (pág. 66).

“Findo o longo descanso, Sinhô Pereira voltou para o Pajeú, passando rente aos quintais de Mauriti. A três quilômetros dali, na fazenda ‘Lagoa das Queimadas de Antônio Martins, o grupo entrou em luta com a ‘volante’ de quinze praças, comandada pelo Sargento Antônio Pereira Lima, vulgo Antônio Gouveia. Naquele encontro, que foi mera casualidade, e o único choque havido entre o aguerrido bando e a Polícia do Ceará, morreram dois soldados, um deles apelidado de ‘Papagaio’, e o temido cabra Pitombeira. Além disso, o ocasional tiroteio resultou na fuga precipitada da Força policial, com três soldados e a perda de 9 fuzis, levados pelos cangaceiros. Acentue-se que o grupo do qual fazia parte Lampião, teve ainda um cabra gravemente baleado, o qual foi conduzido numa rede pelos seus companheiros.” (pág. 67).

“Monsenhor Raimundo Augusto de Araújo Lima, à época vigário geral da Diocese do Crato e presidente do Banco do Cariri, S. A., mediante carta datada de 16.03.68, dirigida ao Capitão Otacílio Anselmo, e publicada, também, na mesma Revista Itaytera, procurou retificar a história contada por aquele militar”, e o fez nos termos seguintes:

“Vi seu artigo ‘Subsídio para a História de Mauriti’, publicado no ‘Suplemento-Reportagem do Jornal ‘O Povo’. Ótimo artigo. Oportuno e bem lançado. São coisas , que se não houver quem as escreva, ficarão no esquecimento, tragadas pela voragem do tempo. E o Capitão que tem gabarito e jeito para o gênero, prestará inestimável serviço narrando esses fatos curiosos da História do Cariri. Gostei muito, porque me lembrou acontecimentos que a minha recordação de criança ainda conserva bem vivos. E até com circunstâncias que pretendo lhe apontar para lhe esclarecer melhor os seus conhecimentos tocantes ao caso. (...) O contingente policial de Mauriti era pequeno e foi reforçado em conseqüência do ocorrido. O destacamento de Milagres, a esse tempo, não era tão numeroso. Só depois destas ocorrências  é que veio sediar ali o Batalhão comandado pelo destemido e notável estratego Capitão Carneiro. Passados os três dias na Fazenda ‘Araticum’ do meu tio André Cartaxo, o grupo de Sinhô Pereira rumou ao Pajeú. Passou distante de Mauriti um quilômetro no local ‘Apanha-Peixe’, e foi estacionar na casa do Coronel Antônio Martins de Morais, nas ‘Queimadas’, meia légua adiante da Vila. O Sargento Gouveia, com bravura  e destemor, escolheu vinte homens do pequeno destacamento para atacar os bandidos. No momento da partida, cinco soldados esmoreceram e não tiveram coragem de marchar para a luta. Só quinze heróis autênticos corresponderam a atitude brava do comandante. No decorrer do combate, os cangaceiros, mais numerosos e sagazes, estavam quase a envolver a Polícia. Advertido do perigo, o sargento Gouveia enviou uma mensagem a seu colega Sargento Jonas, em Mauriti, solicitando socorro. O pedido foi prontamente atendido. A retaguarda do sargento Jonas forçou os bandoleiros a recuarem para a casa da fazenda. Salva do envolvimento, porém com duas baixas, e, parece-me, um soldado ferido, a Polícia bateu em retirada para Mauriti. Enquanto isso, os bandidos, com toda pressa, prosseguiram viagem com o cabra Pitombeira morto, e outro mortalmente ferido.” (págs. 68-69).

(Licínio Barbosa, advogado criminalista, professor emérito da UFG, professor titular da PUC-Goiás, membro titular do IAB-Instituto dos Advogados Brasileiros-Rio/RJ, e do IHGG-Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, membro efetivo da Academia Goiana de Letras, Cadeira 35 – E-mail [email protected])

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