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Meu amigo dr. Luiz Rassi está completando 96 anos de vida

Ontem meu amigo dr. Luiz Rassi completou 96 anos de vida, os que convivem com ele no dia a dia ficam entusiasmados com a sua disposição física e, principalmente, com a sua agilidade mental.

No ano passado, atendendo a um projeto cultural da cooperativa financeira – Sicoob Unicentro Brasileira, escrevi a sua biografia para constar no livro “Memórias de Nossa Gente, vol. II”; estive na sua casa inúmeras vezes, quase sempre às quartas-feiras,  com o desiderato de ouvi-lo e gravar os seus relatos para servir de base para escrever sobre a sua vida.

Foi uma experiência indescritível, embora sejamos amigos há muitos anos (dr. Joffre Marcondes de Rezende a ele me  apresentou no ano de 1967, em um dos corredores do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da UFG).

Gostaria de falar tanta coisa sobre o dr. Luiz Rassi, porém, preocupo-me com o espaço que me é concedido pelo jornal e como ontem foi seu aniversário, gostaria de “pinçar” alguns excertos de uma das nossas entrevistas e escrever sobre o grande amor da sua vida com a sua pranteada esposa, srª Lygia Rassi; quando escrevi a biografia dele, este capítulo mereceu um destaque à parte. Reproduzo aqui algumas destas passagens, com alguns acréscimos que não foram aproveitados naquela oportunidade.

Dr. Luiz cursou medicina no Rio de Janeiro (Praia Vermelha) e durante o curso se aproximou do famoso professor de cirurgia, dr. Pedro Moura, que dava um curso suplementar para os estudantes no seu serviço de cirurgia, na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro; quando cursava o 2º ano do curso, Luiz fez concurso para aquele serviço e foi aprovado.

Dr. Pedro Moura tinha fama de ser muito “durão” com os seus alunos, principalmente no aspecto disciplinar e como o jovem Luiz Rassi nunca o decepcionou, acabou por se tornar um dos preferidos do chefe.

Depois de formado, Luiz Rassi voltou para Goiânia, onde na companhia do irmão Alberto, encaminhou e ajudou a formar os outros seus irmãos; seu prestigio como médico e líder da classe, foi em um crescendo, atingindo o ápice (naquela época, ano de 1951) quando foi indicado para presidir  o  III Congresso Médico do Brasil Central e do Triângulo Mineiro; dentre os convidados deste congresso estava o seu antigo professor dr. Pedro Moura que trouxe sua esposa e sua filha Lygia (então com 17 anos de idade) para acompanhá-lo.

O destino começava a escrever o roteiro a ser cumprido pelos dois!

Durante as entrevistas que fiz com dr. Luiz no sentido de organizar sua biografia, ele mostrou ser, sempre, um homem comedido e pragmático nas suas reações, mesmo em episódios que considero extraordinários no seu currículo, como o da fundação da Associação Médica de Goiás, Conselho Regional de Medicina, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás; sua participação na política da saúde do Estado, tendo chegado a diretor-presidente do Ipasgo; sua vida de professor universitário, quando foi chefe do Departamento de Cirurgia e diretor da Faculdade de Medicina; sua vida de cirurgião do aparelho digestivo, um dos mais importantes e famosos que militaram no solo goiano; porém, ao comentar sobre  aquele congresso que ele presidira em 1951, dr. Luiz se transfigura e sua face exibe, sempre, um sorriso de satisfação, que só consegui entender após ouvir a história que a srª Magda, uma das suas filhas, me contou e, com a sua ajuda, resumo a seguir:

– Desde a sua  época de estudante, diz a srª Magda, meu pai já tinha conhecimento da existência da filha do dr. Pedro Moura, sabia, inclusive, seu nome, porém, nunca a viu, provavelmente pelo estilo de vida extremamente reservado que o dr. Pedro imprimia no dia a dia da sua casa; naquele contexto, sua filha era intocável e seu lar restrito apenas para sua família, entendendo-se por família, sua esposa e seus filhos.

Para o jovem (31 anos) médico Luiz Rassi, aquele congresso tornou-se inolvidável, primeiramente pelo sucesso, tanto científico como social e, principalmente, porque ele viu, pela primeira vez, aquela que seria sua primeira e única namorada, a sua Lygia; aqui Luiz, com brilhos nos olhos, confirma o que dizem suas filhas Magda e Mônica:

– Ela era uma menina de sorriso angelical e inocente! Era um projeto de rosa que gostaria de ver desabrochar em minha companhia!

Naquele congresso iniciaram o namoro, com a ajuda da mãe (hoje carinhosamente nominada por Luiz como “vóvó”).

Magda, após a morte da sua mãe, teve acesso ao diário secreto que ela escrevia e constatou que no ano de 1952, os dois não se viram, porém Lygia registrava, na  intimidade da sua escrivaninha, todos os sentimentos que lhe causava aquela ausência, trazendo o namorado Luiz para junto de si!

Foi somente no ano de 1953 em uma das visitas, quase que mensais,  que Luiz fazia ao “Serviço de Cirurgia” do antigo chefe, que Pedro Moura o convidou para ir a sua casa; porém se esqueceu de comunicar à esposa e principalmente a Lygia e ela não estava presente naquela visita.

Apesar da decepção, Luiz descobriu que o seu nome e seu romance com Lygia, embora platônico, era do conhecimento e possivelmente do agrado da família, porém percebeu, claramente,  que a única e possível resistência partia do dr. Pedro Moura, pelo receio de que sua querida filhinha, criada com tanto carinho e zelo, pudesse abandoná-lo, se casasse e fosse morar tão longe dos seus olhos.

Daí para frente, Luiz, quase que todos os meses ia ao Rio de Janeiro rever sua namorada, a menina moça Lygia; era sempre muito bem recebido pela família do dr. Pedro Moura; divertiam-se como faziam os jovens da época, iam ao cinema, a restaurantes e, principalmente, faziam planos para o futuro.

No dia 19 de dezembro de 1953, Luiz e Lygia se casaram na Igreja Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, em cerimônia bastante reservada, tendo em vista o luto da família (dr. Pedro havia falecido recentemente). Contaram com a presença de alguns irmãos do Luiz que residiam em Goiânia e os que viviam no Rio de Janeiro e, mais alguns amigos de São Paulo.

Após o casamento seguiram, de táxi, para a “lua de mel” em Araxá (MG), onde se hospedaram no Grande Hotel de Araxá, depois vieram para Goiânia.

Desde o início, Lygia se adaptou aos costumes da família do seu agora esposo; é tradição nas famílias sirio-libanesas o noivo, ao se casar, levar a esposa para morar, nos primeiros meses, na casa dos seus pais para que se conheçam melhor e se tornem amigos, principalmente no caso presente em que Lygia era um pássaro fora do ninho.

Lygia não teve nenhuma dificuldade em se adaptar aos novos costumes, principalmente por sua aproximação  definitiva com a sogra, dona Mariana, carinhosamente chamada de “tia” e, também, pelo carinho que recebia do sogro “tio” Abrão.

O casal, durante todo do tempo da vida a dois, mantiveram intensa movimentação, quer social, religiosa e cultural com a sociedade goianiense;  tiveram cinco filhos.

Depois de 52 anos de felicidade conjugal, Luiz ficou sem a companhia de Lygia: a poetisa Lygia Rassi  marcou um encontro com o destino sem pedir permissão ao seu amado esposo.

Há um dito, provavelmente de autoria de Buda, que me permito repetir nesta situação:

“O sândalo perfuma o machado que o fere.”

Dona Lygia, ao regar as flores do seu jardim, foi ferida, mortalmente, por um espinho de uma das suas roseiras, ferimento este que levou ao triste desenlace: o quadro transformou-se em um tétano.

Inexplicavelmente, para os que ficaram, dona Lygia partiu rumo às estrelas do firmamento; era uma tarde quente como são as tardes de Goiânia, pois era verão, época em que os flamboyants ainda escondiam suas flores; naquele dia as rosas do seu jardim ficaram sem a irrigação que as suas dadivosas mãos não podiam mais lhes oferecer; ela partiu deixando em cada coração uma saudade particular; no coração de seu companheiro de toda a vida, ela deixou a saudade de tudo o que ficou para trás.

Luiz, também, deve ter repetido estas outras palavras de Buda:

“Nossa existência é transitória como as nuvens do outono. Observar o nascimento e a morte dos seres é como olhar os momentos da dança. A duração da vida é como o brilho de um relâmpago no céu, tal como uma torrente que se precipita montanha abaixo.”

Dr. Luiz, embora seja um homem estóico, não suportava mais o vazio da casa onde morara por mais de trinta anos na companhia de dona Lygia e onde nasceram quase todos os seus filhos, paulatinamente foi se convencendo de que precisava tentar sublimar a dor da ausência. Hoje vive na companhia da sua filha Magda, porém, praticamente todos os dias, recebe visitas dos filhos e netos.

Dr. Luiz tem, atualmente, uma vida muito metódica e isto, segundo penso, tem permitido que ele tenha muita movimentação no seu cotidiano. Faz ginástica três vezes por semana na “academia”, que instalou no seu apartamento, com a ajuda de um qualificado “personal trainer”; eventualmente, sem a presença do “personal”, dr. Luiz faz somente exercícios na bicicleta ergométrica.

Todos os dias sua filha Mônica, que mora em um edifício vizinho ao seu, vai buscá-lo para um passeio de carro (das 17 às 19 horas), quando então visitam algum seu amigo ou passeiam pelas rodovias nas saídas de Goiânia, para “fiscalizar” as obras que estão sendo realizadas ou que estão paralisadas.

Gosta de ler, especialmente, os jornais de circulação em Goiás, recebe e faz telefonemas para os amigos e não costuma recusar convites para alguma festividade familiar ou cultural.

Sempre que posso dou uma “passadinha” na sua casa, onde conversamos sobre uma gama variada de assuntos, observo que dr. Luiz segue os ensinamentos da escritora francesa,  George Sand:

“Procura manter a tua alma jovem e palpitante até depois da velhice.”

Sua alma se mantém jovem pela presença constante dos netos; se mantém palpitante pelos desafios coloquiais que partilha com os filhos (as), os netos (as) e o genro dr. Albino.

(Hélio Moreira, membro da Academia Goiana de Letras, Academia Goiana de Medicina, Instituto Histórico e Geográfico de Goiás)

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