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OPINIÃO

Um relato emocionante de um alcoolista

O texto a seguir é um relato emocionante de paciente que me pediu para tentar transcrever sua experiência de vinte e um dias entre a sanidade e a loucura, entre a luz e as trevas de sua alma. Ele diz “ter caminhado das trevas até a luz”, após muitos anos de luta contra o álcool, a depressão e obsessão. Ele diz que após essa experiência sua vida tomou um novo rumo e se considera “curado”. Muitos nomes e lugares serão trocados para preservar a identidade de meu paciente, embora ele não tenha me pedido isso. Em seu relato ele muitas vezes se refere ou utiliza da palavra “Ele”, às vezes se referindo ao Criador e às vezes ao seu psicoterapeuta (eu, no caso), fiquei algumas vezes confuso sobre a quem o relator estava se referindo.

“Minha vida caminhava tranquilamente, embora como Ele sabe entre altos e baixos, mas de certa forma caminhava e minhas esperanças graças a Eles jamais foram perdidas. De repente parece que tudo começou a desmoronar, minhas esperanças se foram, mergulhei num mundo de pessimismo, de medo, de solidão, de ausência de mim mesmo. Caminhava pelas ruas como quem não sabe para onde ir e na verdade não sabia mesmo. Tinha lucidez de meu comportamento, mas não podia controlá-lo, alguma coisa controlava meus passos e minha mente – obsessão. Já não mais tinha consciência de quem eram os pensamentos que passavam em minha cabeça. Abandonei tudo, claro primeiro a mim mesmo, depois o trabalho, a família, os amigos. Foi como se tivesse passado para um outro mundo. As noites eram longas e milhões de pensamentos passavam como uma enxurrada de lamas, de passado, de tragédias, de culpas, arrependimentos. Ao mesmo tempo quando acordava pela manhã meu corpo não queria sair da cama, estava preso, amarrado e pesado – os médicos materialista chama isso de depressão; já Ele que é espiritualista chama isso de obsessão que leva a depressão. Queria ir ao trabalho, mas não tinha força. Arrumava uma nova desculpa para mim mesmo e mais uma fez não ia ao trabalho, pensando em depois arrumar um atestado ou sei lá o que. Na verdade pensei em nunca mais voltar à vida e ao trabalho. Tudo encerraria ali naquele período. Não tinha mais forças para lutar. Muito menos para rezar, de um Pai Nosso passava para outras preces desconexas e sem finais. Uma confusão de ideias. Mesmo as noites sendo longas ficava mais apavorado ainda quando o dia nascia, pois mais uma luta contra a cama e ir ao trabalho. Mas quando via que não havia saída corria para algum lugar onde minha vida pudesse ter algum sentido e depois de alguns tragos tudo parecia voltar ao ‘normal’. Quando estava lá não tinha esse mesmo raciocínio que estou tendo agora para relatar tais acontecimentos a Ele, pois mesmo sem esperança algo me dizia que eu estaria logo com Ele. Como lhe disse algumas vezes: ‘Eu não era eu ou eu não sou eu’, aquela pessoa que refletia no espelho não era exatamente eu, mesmo não sabendo quem poderia ser ela. Tinha os meus aspectos mas, não tinha os meus olhos e muito menos o meu olhar, pois conheço pelo menos o meu olhar. Parecia uns vinte anos mais velho e às vezes vinte anos mais novo, porém desfigurado, sem vida. Vultos estavam o tempo todo ao meu redor, pelas calçadas, pelos bares, pelos parques e dentro de minha casa, principalmente no meu quarto. Não posso afirmar ou precisar se eram sempre companhias ruins, pois muitas vezes sentia a presença de amigos invisíveis tentando me ajudar, tentando me resgatar das trevas que me encontrava. Travamos uma guerra entre os dois mundos. Porém, apesar dessa guerra, muito do que havia aprendido com Ele me dava força e não me perdia completamente. Tinha esperança de voltar. Pensei muitas vezes em entrar em contato com Ele, mas sentia vergonha, estava decepcionando a todos aqueles que acreditavam em mim. Era um fracasso em pessoa. Minha casa foi se transformando num verdadeiro lixo. A energia era densa e o cheiro não era bom.

Começou então os sonhos e os pesadelos que me torturavam noite após noite, porém três deles me mostrou o caminho de ida e também o de volta, assim penso. E agora com Dele estou tendo mais clareza e nitidez sobre eles e realmente eu não estava errado, eles me guiaram até as trevas e depois me guiaram até a luz.

Vejamos os sonhos numa sequência em duas noites seguidas e que me pareceram mais nítidos e que tive muita clareza após acordar: ‘um lugar sombrio e cheio de tábuas formando passarelas, mas elas não estavam pregadas umas as outras, eram soltas e mudava de lugar e de cenário o tempo todo. Eu estava ali perdido e a procura de um lugar para lavar uma vasilha para poder comer alguma coisa, mas embora lá tivesse água eu não conseguia lavar a vasilha. Entrei num beco e duas mulheres ‘lindas’ me elogiaram e quando virei eram duas criaturas horrendas. De repente olhei para o meu braço e tinha um pequeno orifício e vi lá um grande verme e me assustei, mas ao mesmo tempo três entidades de luz (assim me refiro ao que vi) pegaram cada uma um espeto e começaram a retirar esses germes e me perguntaram em que águas eu estava ‘mergulhando’, não houve resposta. O trabalho continuava cada vez mais vermes saiam pelo meu corpo, mas logo vi que meu braço estava enorme (gordo mas não de carne) e meu pavor foi acalentado na fala de uma dessas entidades dizendo que se tratava de ataduras para que os vermes pudessem penetrar nelas e não ir para dentro de meu corpo. Vi um enorme que saía de meu pé esquerdo próximo aos dedos.”

Um dia antes desse sonho, meu quarto ficou repleto de entidades que entravam e saiam, todas pelo que pude perceber tentavam me ajudar, me davam conselhos, me davam passes magnéticos, fazia com que meu quarto fosse isolado de meus ‘amigos’ obsessores, que por muitas vezes, diziam que dessa vez eles me levariam, mas não para o outro lado da vida, já que sabia que não tenho medo da morte; mas me levariam a perder o contato com a realidade e que minha profissão na área do Direito iria por água abaixo e que meus sonhos seriam interrompidos. Nesses últimos dias de ‘viagem’ fui a muitos lugares e me lembro de ter ido a um lugar muito escuro, mas uma escuridão visível – como estar submerso na lama, mas ainda assim poder ver através dela. Gelatina escura talvez seja a melhor descrição: transparente, turva, embaçada, claustrofóbica e sufocante. Ouvia vozes e sons assustadores, mas não podia distinguir nem entender nada. Tudo era amedrontador e dava pavor.

Eu não tinha um corpo – nenhum de que me lembrasse de alguma maneira. Eu apenas estava... lá, naquele lugar de escuridão massacrante e pulsante. Na ocasião, eu podia ser chamado de ‘ser primordial’. Mas na hora em que tudo estava acontecendo, não conhecia essa expressão. Na verdade, eu não conhecia palavra alguma. As palavras usadas aqui foram registradas muito mais tarde, quando, ao voltar para este mundo, escrevi algumas coisas para poder conversar com Ele depois e tentar esclarecer. Para muitas pode parecer que fiquei louco; mas tenho hoje consciência que estava bem longe da loucura; mas fora de uma realidade que damos o nome de mundo consciente ou ‘mundo real’, embora não posso deixar de dizer que lá onde estava era também muito real talvez, mais real ainda do que essa realidade aqui quando estamos despertos.

Linguagem, emoção, razão: tudo havia desaparecido, como se eu tivesse regredido a algum estado primitivo nos primórdios da vida, talvez como o álcool que se apoderou de meu cérebro ao longo de minha vida – dos 14 aos 43 anos.

(Dr. José Geraldo Rabelo, psicólogo holístico, psicoterapeuta espiritualista, parapsicólogo, filósofo clínico. Especialista em família, depressão, dependência química e alcoolismo. Escritor e palestrante. Emails.: [email protected] e/ou [email protected])

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