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OPINIÃO

Análise psiquiátrica do suicida-homicida que matou 12 na chacina de Campinas-SP

Rejeitado pela mulher (que alegava ser ele ciumento, mau humor, agressivo, abusador sexual do próprio filho, etc) e pedindo a guarda do filho, homem os mata no réveillon, além de mais 10 pessoas. Depois se suicida. A mídia e a polícia repercutiram: "estava com problemas psicológicos....". Peraí: "problemas psicológicos" ou doença psiquiátrica? "Delírios de ciúmes", distimias, disforia, descontrole do impulso, explosividade intermitente, etc, isso é "problema psicológico"?  Ou doença psiquiátrica ?

Há toda uma indústria cultural-corporativa-governista montada contra a psiquiatria, e não a um fato isolado na imprensa.

Toda referência a doenças psiquiátricas na mídia de hoje tem esse viés antipsiquiátrico, não é um repórter isolado, um fato isolado. Portanto, não é "culpa" de uma pessoa, e sim um estado de espírito de uma nação.

É claro que os psiquiatras têm muita culpa nisso. Sou muito crítico a certa psiquiatria e a uma certa prática psiquiátrica. Isso é um fenômeno real. Mas isso não explica todo o movimento antipsiquiátrico que vem sendo urdido no país. Outras causas também ajudam a explicar esta manipulação cultural.

É um estado de espírito que envolve, além do antimachismo (psiquiatras são truculentos e normalizadores), esquerdismo (são donos de manicômios, empresários da saúde), corporativismo (vamos diminuir a psiquiatria para fazer crescer e prevalecer nossa função, empregos, instituições de saúde mental), uma grande dose de hipocrisia à brasileira (não tenho uma doença psiquiátrica, tenho um problema psicológico...) - tipo assim... só que, na calada da noite, quando a correia apertar, aí eu vou procurar a Geni, aí eu vou atrás do carrasco médico de loucos em seus infectos manicômios. ...É a tudo isso que eu chamo de "bundice" brasileira pois não enfrentam o problema à luz do dia. Se vocês tiverem um nome melhor para descrever isso eu aceito sugestões.

Alguns leitores me questionam: “você está tentando justificar “maldade” com “doença psiquiátrica”.

Eu respondo: em 35 anos de prática psiquiátrica, ao meu ver, o homicida tinha, sim, traços de uma disforia hiposerotoninergica. Traduzindo: depressão bipolar pode cursar com ciúmes obsessivos, compulsividade explosiva, irritabilidade, ideias de ruína, suicídio altruísta (“vou matar para não ver meu filho sofrer neste mundo), hipotimia com niilismo. Tudo isso pode desembocar na tragédia.

Uma leitora me questionou: Você diz “descontrole de impulsos”. Mas “descontrole de impulsos” deixa cartas?

Eu respondo: a doença mental pode cursar com "racionalidade". Já Esquirol (psiquiatra francês da segunda geração, aluno de Phillippe Pinel) havia cunhado o termo das "monomanias", que ao contrário das "manias" de Pinel, era loucuras onde havia uma "ideia fixa". Depois dele, muitos outros autores voltaram ao mesmo tema, p.ex., Jules Falret, que cunhou o conceito de "folies raisonnantes" (loucuras racionais , ou "loucuras lúcidas").

São doenças mentais onde a "energia afetiva-hórmica"(instintos básicos, o élan vital), é que está alterado, por causa, geralmente, da bipolaridade. Esta "hiper-energia", "hiper-bulia", incide sobre um racional normal ou quase normal, turbinando-o. Aí a pessoa faz coisas com aparente raciocínio lógico, mas a motivação tem uma "energia" desproporcional.

É o que vemos aqui: a motivação é proporcional, (ficar sem o filho, perder a família), o raciocínio pode ser compreendido, mas a "energia" colocada no ato é muito desproporcional.

O ódio, a enduração no ato, a contaminação retaliatória ("vou matar as mulheres da família"), o autoprejuízo, o raciocínio mítico ("me enterrem de cabeça para baixo", "vou lutar com ela no inferno"), o ódio por contiguidade ("este país de bosta", "os políticos", "Lava Jato", etc), tudo isso faz pressupor uma "energia alterada". E faz também ver que o que é aparentemente muito racional ("escrever uma carta"), de fato, não o é.

No próximo artigo, de domingo, voltaremos ao tema da “maldade versus loucura”.

(Marcelo Caixeta, médico psiquiatra)

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