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OPINIÃO

Os “políticos doidões” que assumiram nas últimas legislaturas municipais

A impressão que dá é que vários prefeitos e vereadores que assumiram os postos nas últimas legislaturas  têm sido mais “doidões” do que os anteriores.  Alguns têm ido varrer ruas, outros pintar paredes, outros denunciar tudo e todos, outros  atacar médicos nos postos de saúde ( vide p.ex.,  o vereador no Paraná que  critica médicos por darem plantões seguidos, por estarem dormindo ou comento, etc : https://www.youtube.com/watch?v=wqxZhkKOaSU ) .Por que está acontecendo isso ? Nas legislaturas estaduais e federais  é preciso muito dinheiro, então os políticos são  ricos/empresários ou são bancados por empresários/empresas.   Os empresários/ricos não podem ser “doidões” porque senão detonam com seus negócios. Muitos estão lá justamente para proteger seus negócios e segmentos profissionais/empresariais/corporativos.  Não podem ser “doidões” de jeito nenhum. Mas, nas legislaturas municipais, muitos pobres,  não-empresários, não-ricos, são eleitos  só na base do corpo-a-corpo, sem dinheiro para campanha. Muitos não conseguem ser empresários justamente porque são hiperativos, impulsivos, bipolares, inquietos demais, agitados demais, pensamentos acelerados demais,   descompromissados e livres demais, daqueles que “não levam desaforo para casa”,  daqueles que “não aceitam nada de errado”, daqueles que “não aceitam patrão vagabundo ou explorador”. Ou seja, praticamente não tem como trabalhar em empresa nenhuma...  Entram na política e começam a “fazer justiça”, o que é ótimo para o “país do  tudo-escondido-debaixo-do-tapete”, como no Brasil.  Estão fazendo um enorme sucesso, merecidamente, o país precisa colocar mesmo suas estruturas podres às claras. Eles também têm, hoje, o apoio das mídias sociais, redes sociais,  ou seja, isto os estimula a , cada vez mais, “jogar para a galera”,  “fazer o que o povo quer”,  “serem vingadores e justiceiros”,  “lavar a alma do povo”.  Antes das mídias sociais,  só havia as mídias das grandes empresas, quase todas cooptadas pelo Poder Político/Econômico. Agora podem ser livres. Muitos deles foram impedidos de se candidatar ou eleger, pois o Poder Político/Econômico os tentou impedir, morrendo de medo dos “franco-atiradores”. Alguns chegaram a assumir mas estão em vias ou na mira de cassação. Alguns foram até assassinados durante o processo eleitoral.

Apesar de eu ser francamente favorável à colocar-se “tudo às claras”, por outro lado,  numa análise mais profunda, à qual não podemos nos furtar, há um certo “efeito colateral” nas ações destes “kamikazes”.  Vejamos duas delas. 1/  Eles tendem a ser iconoclastas, tendem a demolir todo o sistema fétido atual. Mas  e o que irão colocar no lugar ?  Mais Estado ?  Comunismo ?  Um país “à la Cuba”, ou seja, onde são, de fato, todos iguais, mas todos pobres ? Um país “socialista”, isto é, um país onde a base da pirâmide é igual e pobre e onde  o topo da pirâmide ( tipo Lula e assemelhados )  é rico e tem o poder de “manipular as massas anticapitalistas ?”.  Acabar-se com a “mentalidade empresarial” de um país é algo bom ? É algo viável ?  Ou dará início , como na Era PT, aos “campeões nacionais do BNDES”, ou seja, mega-empresas que corrompem e são corrompidas pelo Estado ?

Como funciona um Estado onde um Robespierre, um Danton, um Savonarola,  um Platão, detém um “poder honesto, e reto”  mas toda sua base é corrupta ? Como governar num sistema completamente corrupto, que é o Estado/Governo sendo-se completamente honesto ?  Evidentemente não irá funcionar, daí estarem sendo ou já foram  cassados, assassinados, anulados, assim como estes “moralistas da história”.  O Governo, o Estado, por essência, só pode ser algo “corrupto”, pois o poder engendra isso. Um “Estado honesto” é uma contradição  de linguagem, todo Estado, até hoje, nunca foi honesto. Mesmo que tenha sido criado, no inicio feudal, apenas para garantir a segurança nacional,  ele vai ficando cada vez mais monstruoso, cada vez mais poderoso, e assim , cada vez mais corrupto, cada vez mais obstaculizador  do desenvolvimento do indivíduo e da sociedade civil. Portanto, o único tipo de indivíduo realmente salutar para o Estado é aquele que está lá dentro e é contra o Estado, está lá para desmontá-lo. Mas este tipo de indivíduo não entra no Estado, tanto é que a sociedade brasileira , as empresas, a mídia, enfim, todos , tem feito o possível para anular o único partido nacional que tem a intenção de ser um “anti-partiido”,  lutar por um “anti-Estado”.

O que o vereador do Paraná fez,  atacando médicos em um posto de saúde , ilustra bem o que estou dizendo. O Estado brasileiro têm destruído ou feito tudo para destruir a Medicina não-estatal, os hospitais não-estatais. O objetivo é transfomar todo médico, todo hospital, em um “membro do SUS” ( aliás, o próprio nome já indica este interesse : “sistema ÚNICO de saúde” ). Pois bem, quando vão para o SUS, quando os hospitais ficam nas mãos do SUS, os médicos, por exemplo, além de não poderem exercer toda sua criatividade, inventividade, capacidade laboral, ficam nas mãos de determinados “chefes e fiscais” que adoram criticar  o seu trabalho. Ou por inveja ( não conseguiu ser médico ), ou por ódio ( “vou acabar com estes coxinhas , metidos, prepotentes” ), ou por simples espírito iconoclastas ( “vou acabar com o poder desta máfia de branco”). Os médicos, as unidades de saúde, estatais, acabam ficando nas mãos , ora da ineficiência gerencial, ora da truculência patronal, do tipo desta que vimos no vídeo ( um  vereador quase acabando com a vida de uma médica, partindo para cima dela, achacando-a, impedindo-a de andar e trabalhar no hospital , gritando com ela, humilhando-a, questionando-a publicamente,  em claro assédio moral, tudo porque não acreditava na escala de trabalho que ela tinha passado para a chefia : “médico nenhum dá 3 plantões seguidos”, “médico nenhum fica sem dormir, sem comer”, etc ).  Nessa hora, por exemplo, como é que uma médica, ou outro funcionário, debaixo de xingamentos, empurrões, apupos, gritaria, cerceamento físico,  do vereador, poderia explicar para  o político “surtado” que, mesmo num plantão médico, por lei, há horários estipulados para repouso e alimentação...? Evidentemente, é quase certo que esta médica,  sob enorme assédio moral, sem o apoio de Entidades de Classe ( que costuma ser a regra no Brasil ) irá deixar seu trabalho público por estresse pós-traumático ou incapacidade psiquiátrica  qualquer de lá continuar  Esta tem sido a condição de grande parte dos médicos públicos no Brasil. Muitos profissionais, alegando que ganham mal, também trabalham mal, mas isto começa a ser cobrado  histericamente ( e ficará pior ) nas unidades governamentais e nas redes sociais. Haverá debandada, irão ficar apenas os novatos, os que aceitam trabalhar por muito pouco , ou os detentores de um frio sangue meio “psicopático”.

Ou seja, mais um elemento de queda da qualidade dos serviços, engendrando assim um círculo vicioso, pois quanto mais a qualidade cai, mais  cobranças virão... Então, para finalizar, tudo isso acima mostra que, mesmo sendo algo “altamente salutar” no cenário político brasileiro, a ação dos tais “doidões da política” irá  apenas protelar, sob um cenário frenético e midiático de “fogo  no circo”, a derrocada final das estruturas do Estado. E , como eles, fazem parte da “Estrutura do Estado”, tenderão a se carbonizar junto com ele...

(Marcelo Caixeta, médico psiquiatra)

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