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OPINIÃO

Comunicação de massa: o dado e o problema – II

“O sino foi o primeiro veículo de comunicação de massa da humanidade”

(Alex Periscinoto)

Meios que envolvem o sujeito, o rádio, o telefone e a TV integram-no a um campo de vivências paradoxal ao remetê-lo ao mesmo campo onde interage o homem primitivo, também o analfabeto. Sobre a comunicação de massa do lado ocidental do mundo civilizado e informado: “O homem moderno, desde os descobrimentos eletromagnéticos, de há mais de um século, está-se cercando de todas as dimensões do homem arcaico positivo” (McLuhan). A partir da Renascença, tudo que define a ótica linear instaurada o autor define como “galáxia-Gutenberg”, ou seja, antiquado e empobrecedor. As câmeras focam não os locutores, mas as pessoas relacionadas na fala. A audiência ouve o acusador, mas vê o acusado. Apesar das distâncias, está-se vivendo numa só “Global Village”.

A mecanização e a atomização são peculiares ao Homo Typographicus. O contrário significa ruptura e retomada da convivência orgânica, tribal, até porque cada nova tecnologia é uma extensão de nós mesmos. “Para os homens da tribo, as palavras são como a água que deve passar de mão em mão com o maior cuidado para que nem uma gota se perca” (Riesman, comentando McLuhan). As línguas foram superadas por uma consciência cósmica geral, o Globo foi eletronicamente contraído e a consciência humana terá aumentado sua responsabilidade e compromisso coletivo. A empatia entre os homens e aspiração pela totalidade, passam a serem os corolários da tecnologia onde a escola planeta determina aulas sem paredes ministradas pelos meios de comunicação de massa, modernizados, transformados em comunicação social, segundo Welliton Carlos, jornalista, advogado e doutor em Sociologia: “Na comunicação, pesquisa em Comunicação, mídia e tal, não se usa mais a expressão ‘comunicação de massa’. Usa-se comunicação social. O conceito de massa evoluiu com o avançar da sociologia dos emissores e receptores.” Mas a perda da vida comunitária deve-se a um conjunto histórico de causas muito mais complexas do que a mera difusão da imprensa.

Uma elite segue sem fazer o trabalho manual e passa a organizá-lo, dando fôlego à hegemonia da ordem burguesa, a partir das Cruzadas, desde os séculos XIII e XIV, passando pela invenção de Gutenberg; a crise do feudalismo e da cavalaria; a formação da economia mercantil e bancária, base do capitalismo moderno; a ascensão da burguesia; as crises da Igreja; a marcha da laicização na esfera do pensamento e da práxis cotidiana; a secularização; o crescimento das cidades; o surgimento das carreiras liberais e burocráticas no interior dos Estados modernos. A televisão, hoje, teria agrupado leitores solitários do livro, assim como, na Idade Média, a audiência de manuscritos aproximava monges e leigos. Há que reforçar que os meios tradicionais de comunicação sobreviveram a Gutenberg. “Na Europa, rituais, festas profanas e litúrgicas, cantos, hinos, danças, representações, orações, contos infantis, advinhas, relatos fantásticos, esconjuros, termos de calão, trovas, provérbios, anedotas, conselhos, enfim, o corpus de expressão oral que sobreviveu à margem da cultura impressa” (BOSI, p. 58-59, 2009). Os verdadeiros agentes da mentalidade atomizadora foram o mercantilismo, industrialização não planejada, aburguesamento, excessiva divisão do trabalho, além da burocratização, suportes da “Global Village”, que atrofiou o córtex humano em função de um só desempenho.

A chave dos significados não está na comunicação e sim na estrutura da sociedade. Do cristianismo ao marxismo, os antigos sistemas – mais atuais que antes–foram uma crítica da realidade e imagem de outra realidade. Os vários setores da comunicação operam interligados, compõem a estrutura de um sistema esboçado na indústria cultural, de visão totalizante, que depois da colonização política e geográfica do mundo, passou a colonizar a alma humana, a grande reserva da humanidade. Os sentimentos e a imaginação influenciados pelo cinema, o rádio e a televisão, enfim, um mundo de imagens, gestos e sons entregues à cultura de massa ou do mundo pela indústria mercantil, a indústria ultraleve, por fabricar e entregar o consumo psíquico no mercado regulado por norte-americanos capitalistas, e, russos estatais que decidem e dão a última palavra quanto à produção de bens maciçamente consumidos em um sistema de organização e estrutura burocrática com inovação reduzida à força da organização industrial burocrática. De acordo com Morin: “Toda cultura está constituída por padrões-modelos, que ordenam os sonhos e as atitudes [...] Também o coração pode ser posto em conserva.” O objetivo é o lucro, o alto consumo, o sincretismo e a homogeneização.

As notícias são selecionadas e entram em cena o bizarro e o romanesco, a “verdade tendencial” segundo Horkheimer. A idade, o sexo e a condição socioeconômica determinam a faixa dominante e as fronteiras a serem alargadas. A indústria cultural se torna expressão com maior representatividade que a cultura de massa – ou social. “A disfunção narcotizante, como querem os funcionalistas” (Merton e Lazarsfeld). Hannah Arendt, apoiada em Hegel, na fenomenologia e culturalismo alemães, autora de A crise da cultura, em reflexões históricas afirma sobre a incorporação à “sociedade” dos países ocidentais, “a revolução brindou grupos privilegiados fora dos quais só havia o povo, que não participava da cultura das classes dominantes, mas criava uma cultura expressiva”, no sentido antropológico do termo.

A incorporação das pessoas em um sistema não exige a criatividade, ali ela não produz nada, apenas consome e compete. Na obra As origens do totalitarismo (1951), Arendt nomina esse fenômeno de falta das relações sociais normais. As classes podem, às vezes, ser cimentadas com o nacionalismo que se torna mais violento à medida que eles se distanciam economicamente. O imperativo categórico da indústria cultural é: “Deves submeter-te porque todos os submetem.” Afinal, as criaturas se reconhecem em suas mercadorias, o que traz vínculo à doutrina do fetiche da mercadoria, exposta por Arendt, com base em Marx: “Uma relação social definida, estabelecida entre os homens, assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas” (O Capital, vol. I. p. 81)

É a autonomia das coisas mortas que se movem como coisas vivas.

E o pulso, ainda pulsa!

(Antônio Lopes, escritor, filósofo, mestre em Serviço Social, pesquisador em Ciências da Religião/PUC-Goiás; aluno-ouvinte em Direitos Humanos/UFG)

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