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OPINIÃO

Coração despedaçado e feliz

Para que as fofocas não se multipliquem, ainda mais envolvendo a minha filhinha, devo, acho, “explicações” aos misericordiosos leitores, ei-las: Havia prometido, em 2015, que escreveria apenas doze artigos por ano, ou seja, um por mês,  sobre a minha caçulinha, a Sophia Penellopy – 8 anos de idade física e, idade  mental, segundo a imensa maioria das pessoas: 12 anos e, alguns, esticam para 16 anos, portanto, o dobro, verdade mesmo, por tudo que me é sagrado, de tão grã-fina, diferenciada, humilde, comunicativa, alegre, meiga, linda, ou melhor, lindíssima, pele exuberante, cabelos encaracolados, uma princesinha que pronuncia o idioma, a língua portuguesa, colocando certinho os pronomes, vetbos, uma imensidão de adjetivos, todos pronunciados de modo correto, dicção impecável e voz límpida, tanto que as pessoas, nas filas, na escola, enfim, em todos os lugares que frequentávamos, ficavam impressionadas e começavam a conversar com ela, inclusive, crianças de pouquíssima idade – e sei muito bem, também, que é cafonice, meninice, corujice eu ficar aqui, babando em cima de filho, ainda mais que todas essas qualidades, especialmente a de se dar bem com todo o mundo, ela herdou da mãe, que é catedrática nisso e, fiquei sabendo, conversando com os seus familiares, que ela é assim desde pequenininha, como a Sophia, então, creio, piamente, que o misericordioso leitor percebe o meu dilema, entretanto, devido ao fato da Sophia ter se mudado, em dezembro, para a Espanha, depois de viver comigo, dia e noite, noite e dia, nestes últimos 8 anos, para morar com a mãe e o irmão, o Lucas, de 23 anos – a mãe mora lá e trabalha em Paris desde 2004 – e, pior, o fato dela, a Sophia, ter falado, para todos, que retornaria – assim como retornou, no ano retrasado, quando foi para lá, rever a mãe e o irmão, sozinha, com 6 aninhos, quer dizer, sozinha não, com uma aeromoça assistindo-a, coisa pela qual pagamos uma taxa absurda, abusiva, que as  companhias cobram alegando que é para cobrir despesas, ora, quais são essas despesas? A Sophia, que fez o percurso três vezes, afirmou que não viu nada de especial, apenas que, de vez em quando – que é o trabalho normal de uma aeromoça –  as “moças” iam lá perguntar se ela desejava alguma coisa, além disso, a taxa abusiva não se justifica porque a viagem é de apenas 8, 10 horas, no máximo, o voo é direto, bem, esse é outro assunto, não perco a mania não é mesmo Sophia? – bem, acho bom salientar que, inclusive, passei os últimos meses incentivando-a e até emagrecendo-a, porque conheço a sua mãe e o seu apetite pelos doces e similares, desde então, desde dezembro, dia 16, ano 16, quando me despedi dela, no Aeroporto de Cumbica – e, não me contenho, tenho que comentar, graças a Deus que os aeroportos estão sendo privatizados. Não é possível que o nosso Cristo, numa das cidades considerada a mais linda do planeta, o Rio de Janeiro, seja menos visitado do que a Torre Eiffel que, parece, terá que apagar as suas luzes, agora, constantemente devido à nova modalidade de guerra, aliás, eles faturam, os espertos franceses, com aquele seu pequenino território, do tamanho, talvez, de Minas Gerais, 10 vezes mais que nós, com o turismo. Como um país pode captar divisas se uma garrafinha de água, em seus aeroportos, pode custar aé 2 dólares, ou seja, mais de 6 reais? – então, voltando, sinto-me  entristecido, destroçado,  amargurado e, lógico, todas as vezes que resolvo enfrentar o notebook para partilhar, os fatos e fotos,  com o misericordioso leitor, narrar sobre como ela está, sobre a sua viagem a minha, aparentemente contraditória decisão de permitir que a criança fosse morar tão longe, ainda mais depois de 8 anos de convivência diuturna, só eu e ela, todo o tempo juntos, almoçando, jantando, passeando, brincando, então, quando tento narrar, digitar, sobre tudo que eu estou passando, uma tristeza maior apodera-se de mim e me amolece, não consigo prosseguir, mando tudo para a lixeira, porque sempre que releio, tudo me parece meloso, coisa de criança chorona, além disso, pior, os meus “selfs interiores”, o 1, 2, 3, 4, nem sei quantos, além da minha “consciência ”, “superego”, “id”,  acho que até o meu anjo da guarda, começam a gritar clamando, num coro portentoso, que eu pare,  imediatamente, de escrever, porque, segundo eles, fico incomodando, aproveitando-me da misericórdia, da paciência dos leitores com as minhas lamúrias, mazelas, os meus problemas, enfim, fico  “lavando roupa suja fora de casa”, mas, eu havia prometido, também, ao misericordioso leitor, que não omitiria nada que fosse informativo, significativo, proveitoso e, eu acho que, devido ao fato de ter escrito inúmeros artigos sobre a menina precoce, devo mesmo uma explicação sobre as razões que me levaram a concordar com esse, quase suicídio, que alguns chamam de “absurdo” e outros, com perguntas, tais como: “como o senhor deixou a menina ir embora?”, mostram, também, a sua indignação, incompreensão, bem, enfim, há pessoas que gostam muito dela e, certamente, espero, almejo mesmo, compreenderão a tal da minha “explicação”.

Eu achava que era uma coisa particular, essa enormidade de sentimentos contraditórios penetrando a minha mente violentamente, principalmente nas madrugadas, quando os vizinhos, a cidade, dormem, mas eu, eu não, eu continuo perguntando para a lua e as estrelas, até para os anjos e demônios que vejo nas nuvens e sombras, a razão de tudo isso e aonde, afinal, angariarei forças para suportar o vazio preenchido pela imensa saudade dela, do seu sorriso, dos seus abraços e beijinhos, dos carinhos e cafunés, dos nossos desenhos, histórias, piadas, do seu “papai vou tomar banho”, “papai, estamos atrasados, vamos”, “papai eu te amo”.

Bem, o pior que eu poderia fazer é terminar estas linhas, que espero, serão lidas pela Sophia,  nesse baixo astral, como dizem os místicos e esotéricos, afinal a alegria é o primeiro, listado como “frutos do espírito”, então, vou contar o que conto, para todo mundo que me pergunta se ela vai voltar. Respondo que a mãe, a Deuzenir, me ligou, no começo de janeiro, implorando que eu deixasse a menina ficar 1 ano com ela. Depois de conversar com Deus e, pior, comigo mesmo, no outro dia consenti dizendo-lhe que seria melhor que a menina ficasse dois, ou três anos, para assimilar melhor os idiomas e culturas. Ela ficou radiante e só faltou mentir, novamente, dizendo que me ama. Fiquei feliz com a sua felicidade e pedi para dar a notícia à minha filha. Logo ouvi o seu “alô papai” e fui logo dizendo, com uma voz autoritária, que ela iria ficar dois, ou três anos, por lá. Ela disse um inseguro  “sim papai”. Com a mesma voz falei que eu não era o seu papai, era o “Henrique psicólogo” e perguntei se ela gostaria de falar com ele. Ela começou a rir porque brinco sempre, com ela, e criamos vários “selfs”, ou, segundo a psicanálise, os nossos “eus interiores”. Ela disse que sim, que queria falar com o “papai”. Eu pigarrei e, voltando com a minha voz, comecei logo dizendo:

“Oi filhinha. Olha, sobre esse negócio de você ficar por aí, que a sua mãe resolveu com o tal do idiota do “Henrique psicólogo”, você gostaria de saber qual é a ordem que o papai gostaria de te dar agora, de verdade?”. Ouvi um sim ansioso e encorajador e quase gritei:

“Sophia. Penellopy, querida filha, volte imediatamente, no primeiro voo!”. Rimos a valer. Sophia, eu te amo demais. Até.

(Henrique Dias, jornalista)

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