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OPINIÃO

“Não há fogo no inferno, e Adão e Eva não são reais”, afirma o papa Francisco

Decididamente, o papa Francisco está revolucionando a Igreja, com posições que, na Idade Média, levá-lo-iam a um trágico fim.

As posições da Igreja sempre foram respeitadas e nenhum papa teve a audácia de contrariar qualquer dos seus dogmas ou desviar-se de entendimentos preconizados pela Santa Sé. Assim, ninguém contesta, por exemplo, o dogma da virgindade de Maria, coisa que não cabe no médio entendimento do mortal comum, pois ninguém, em sã consciência, pode admitir que, tendo ela dado à luz a Jesus, permanecesse virgem.

Mas isto é um dogma, que, em outras palavras, é ponto fundamental de uma doutrina religiosa, apresentado como certo e indiscutível. Assim, existem dogmas sobre Deus (“Não existe mais que um único Deus.", "Deus não tem princípio nem fim”), sobre a Santíssima Trindade (“Em Deus há três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo; e cada uma delas possui a essência divina que é numericamente a mesma."), sobre Jesus Cristo ("Cristo é possuidor de uma íntegra natureza divina e de uma íntegra natureza humana: a prova está nos milagres e no padecimento"), sobre a criação do mundo ("A criação do mundo do nada, não apenas é uma verdade fundamental da revelação cristã, mas também que ao mesmo tempo chega a alcançá-la a razão com apenas suas forças naturais, baseando-se nos argumentos cosmológicos e, sobretudo, na argumento da contingência"), sobre o papa e a igreja (´”O papa é infalível sempre que se pronuncia ´ex cathedra”, “A Igreja é infalível quando faz definição em matéria de fé e costumes”).

Logo de início, ao assumir o pontificado, ele aboliu a majestade terrena da Santa Sé, preferindo morar em um simples apartamento, demonstrando que a Igreja deve primar-se pela humildade, e ao abrigar como hóspedes no Vaticano os membros de uma família de imigrantes, deu o exemplo da tolerância e da caridade.

Pois bem, contrariando muita coisa pregada pela Igreja, o papa Francisco abriu suas portas para tratar os homossexuais como pessoas comuns, sem qualquer indicação de serem excluídos da sociedade, abominando o preconceito contra eles.

Normalmente, o papa introduz modificações doutrinárias na Igreja apenas durante os concílios: o primeiro, primeiro Concílio de Niceia, em 325, condenou o arianismo e compôs o Credo; o Concílio de Éfeso, em 431, condenou o nestorianismo como heresia (posto que fazia a distinção entre as naturezas divina e humana de Cristo, o que, consequentemente, negava a maternidade divina de Maria), e afirmou a unidade pessoal de Cristo e a maternidade divina de Maria; o III Concílio de Constantinopla, em 681, dogmatizou as duas naturezas do Cristo e condenou o monotelismo (que defendia a ideia de que Jesus Cristo possuía somente uma a natureza divina); o segundo Concílio de Latrão, em 1139, tornou obrigatório o celibato para o clero na Igreja Ocidental; o Concílio de Trento, o mais longo de todos, que se iniciou em 1545 e durou quinze anos, decretou uma reforma geral na Igreja, sobretudo por causa do protestantismo e confirmou a doutrina acerca dos sete sacramentos e dos dogmas eucarísticos, reconhecendo como autêntica a versão da Vulgata (tradução para o latim da Bíblia, escrita entre fins do século IV e início do século V, por São Jerónimo, a pedido do bispo Dâmaso I, que foi usada pela Igreja Cristã) e, também destacável, o Concílio do Vaticano II, que, embora não tenha proclamado nenhum dogma, entre várias decisões conciliares, destacam-se as renovações na constituição e na pastoral da Igreja, que passou a ser mais alicerçada na igual dignidade de todos os fiéis e a ser mais virada e aberta para o mundo. Além disso, reformou-se também a liturgia, onde a missa de rito romano (em latim) foi simplificada e passou a ser celebrada no idioma do local em que era oficiada; nele foi clarificada a relação entre a Revelação divina e a Tradição e foi também impulsionada a liberdade religiosa, uma nova abordagem ao mundo moderno, o ecumenismo, uma relação de tolerância com os não cristãos e o apostolado dos leigos.

Como se vê, as grandes transformações da Igreja Católica só ocorreram através de concílios, e neste ponto o papa Francisco foi mais corajoso, chamando aos seus ombros o peso da responsabilidade de introduzir inovações para acompanhar a evolução dos costumes.

Proclama Francisco que a Igreja já não acredita num inferno literal, onde as pessoas sofrem, por entender ser essa doutrina incompatível com o amor infinito de Deus, pois, segundo ele, Deus não é um juiz, mas um pai, um amigo e um amante da humanidade e nos procura não para nos condenar, mas para nos abraçar. E diz também que, como a história de Adão e Eva, nós vemos o Inferno como um artifício literário, pois o Inferno é só uma metáfora da alma isolada.

Para Francisco todas as religiões são verdadeiras, pois são verdadeiras nos corações de todos aqueles que acreditam em Deus. A Igreja considerava como pecado muitas coisas que hoje já não são julgadas dessa maneira, pois amamos e adoramos o mesmo Deus, e a Igreja é grande o suficiente para acolher heterossexuais, homossexuais, conservadores e liberais, e até mesmo os comunistas são bem-vindos.

Nos últimos meses, cardeais, bispos e teólogos católicos vêm debatendo no Vaticano sobre o futuro da Igreja e sobre a redefinição das doutrinas e dogmas católicos, e o Catolicismo deve ser uma religião que passou por mudanças evolutivas, sendo o momento de deixar de lado a intolerância e reconhecer quea verdade religiosa evolui e muda, pois a verdade não é absoluta e imutável, porque mesmo quem se diz ateu reconhece o divino, e através de atos de amor e caridade o ateu reconhece Deus. Diz, ainda, o papa Francisco que a Bíblia é um livro sagrado bonito, mas, como todas as obras antigas, tem passagens desatualizadas, intolerantes.

E com base na nova compreensão, a Igreja de Francisco acena para a possibilidade de passar a ordenar mulheres para funcionar como sacerdotes, bispos e cardeais, concluindo: “No futuro, é minha esperança que, um dia, um papa feminino não permita que qualquer porta que está aberta para um homem seja fechada para uma mulher”.

Daí porque o mundo inteiro reconhece esse intrépido argentino, que, na sua viagem ao Brasil, numa demonstração de empatia com o nosso povo, cativou a todos, quando disse: “O papa é argentino, mas Deus é brasileiro”.

(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa (AGI), escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected])

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