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OPINIÃO

Uma análise psiquiátrica do comportamento de Lula durante depoimento a Moro

Uma das primeiras coisas que chama a atenção  no comportamento de Lula face ao magistrado e promotores é a desenvoltura altaneira,  cabeça erguida, falta de cerimônia, falta de medo, falta de intimidação, que o ex-presidente demonstrou. Não só isso...  em várias ocasiões  encantoou juiz e procuradores, sem medo, intimidador, ameaçando-os, recriminando-os, admoestando-os.

Acusou o processo de ser uma farsa, acusou os promotores de serem ineficazes, irresponsáveis, incompetentes. Disse que ele, enquanto presidente ( futuro ?) , mandaria prender que o acusasse assim sem provas. Elevou a voz com o Ministério Público : “cadê suas provas ? – cadê as provas da “palhaçada” do PowerPoint ?”.

Para a juiz Moro, também sobraram profundas estocadas : “um dia terá de se haver com as ruas”, “terá de se haver com a mesma imprensa que o incensa”, “não deveria ter grampeado o ex-presidente, sua casa, família, netos”, “deveria devolver o IPad dos netos”, “era , junto com os promotores, responsável pelo bullying que os netos dele sofrem na escola”, “repudia a humilhação da desnecessária  condução coercitiva imposta por Moro”, “ o Sr. Juiz terá de se haver , uma outra hora, com aquele que já foi absolvido não pela Justiça, mas pelos Votos”.

Na verdade, Lula oscilou sua posição entre três posturas : ora a de um político vencedor sobre um palanque promissor; ora a de um promotor, acusando seus acusadores, e , finalmente, a posição de juiz que julga seus algozes. Não respeitou, em momento algum, as admoestações do juiz para que não fizesse palanque ou para que abaixasse o tom das acusações e bravatas.  Ele e sua defesa , desde o início, encantoaram os pretensos algozes nos mínimos detalhes : “de início, não aceito ser chamado, simplesmente, prosaicamente,  de “Sr. Luis Inácio”, e exijo que se  aplique o epíteto supra-respeitoso de “Senhor ex-Presidente Luis Inácio Lula da Silva”.   No que foi seguido caninamente por Moro e a Procuradoria.

Pode-se pensar que tais atitudes, altamente temerárias, “corajosas”, destemidas, se devam a uma pura “frieza psicopática”. Como se sabe, os psicopatas são indivíduos que mantêm a emoção fria mesmo quando a maioria das pessoas iria ruir sobre o peso dela. Sim, Lula dá mostras de ter uma “frieza temperamental”, ou melhor, uma “hipertimia”, que é a característica de temperamento daquela pessoa que está sempre “prá cima”, sempre otimista, alegre, esperançosa, despreocupada, desencanada, “de boa”, mesmo nas piores situações. Lula já deu várias mostras de que tem esse temperamento : no enterro da esposa aproveitou para fazer discursos políticos e contatos estratégicos; mesmo no auge da Lava-Jato, quando estava sendo grampeado e corria risco de ser preso por obstruir a justiça, conversava calmamente – e muito alegremente -  com seus interlocutores sobre o desempenho do time do Araraquara e de seu incrível técnico de futebol. Finalmente,  derradeira prova de frieza, agora no depoimento mesmo, utiliza-se  calmamente, “des-emocionalmente”, da morte da própria esposa : “ eu não sabia de nada ( mais uma vez ), esse problema do triplex do Guarujá não tem a menor participação minha, era tudo coisa da Marisa, ela escolhia,  comprava e investia,  isso  tudo foi enterrado com ela, e o Sr. Dr. Juiz Sérgio Moro, me ofende profundamente, ao ficar “pronunciando em vão” o nome de minha saudosa esposa”...

Além dessa pressuposta frieza, é pessoa com uma dose conspícua  de hipertimia ( temperamento anormalmente alegre , despreocupado, “bola-prá-frente”, “não-tô-nem-aí”, “não-me-preocupo-muito-tempo-com-isso”, “se for preso eu vou” , etc ) , disso não parece sobrar muita dúvida. A hipertimia/frieza diminui seu “medo de ir preso”, fortalece seu enfrentamento daqueles que podem mandá-lo para a cadeia. Coisa, aliás, que temem 9 em cada 10 brasileiros, aqueles que não estão sob o guarda-chuva do Estado e , sendo pequenos, micros, empresários, estão sempre “cometendo contravenções” contra a Selva de Leis que o Governo criou para nós... Lula impressiona por isso : por não ter medo de estar frente a um juiz, coisa que faria tremer 9 entre 10 empresários no Brasil, todos obrigados a viver na clandestinidade/sonegação/irregularidades-frente-as-enormes-taxas-encargos-normas... Quando o Governo cria as dificuldades para vender facilidades, um dos objetivos é o de transformar-nos todos em “criminosos”, para vivermos tremendo de medo da polícia, dos auditores, dos fiscais, promotores, juízes, etc. Cidadãos medrosos do Estado, cidadãos-eternos-contraventores, e, por isso, não deixa de impressionar a coragem e galhardia de Lula ao “enfrentar o Estado” de modo tão acintoso. Talvez porque saiba que o Estado terá muito medo de prendê-lo, pois , afinal, Lula pode voltar a ser Estado de novo, o “povo pode voltar a ser Estado de novo”, Lula pode ser o patrão deles de novo. Além , é claro, do medo da “revolta-do-povão-amigo-de-Lula-contra-o-Estado-burocrático”.  Lula desafia acintosamente promotores e juízes porque sabe, corretamente, que jamais o prenderão. Seria um “ataque do Estado contra seus próprios mecanismos”, pois o Estado, em última instância, precisa da engambelação do voto, precisa da engambelação da ilusão de que “trabalha para o povo”, precisa da engambelação de que seus burocratas estão à serviço do povo.

A esta  pressuposta “falta-de-noção” demonstrada por Lula, este “desafiar o Leão na própria toca”, esta “falta-de-medo-do-perigo”, falta de preocupação com a grave situação em derredor, pode-se ajuntar, aqui no caso,  uma característica do envolvimento senil vascular  ( Lula é hipertenso,   com seqüelas tabágicas, provável etílicas,  já teve pelo menos um provável episódio de encefalopatia hipertensiva ) do cérebro : um comportamento irritado, impulsivo, sem muitas peias, sem muitas papas na língua, comportamento meio “não tô nem aí prá bagaça”, meio “se cair vou cair atirando”...

Mas, é claro, nem tudo é psiquiatria,  há também toda uma contextualidade política-sociológica que o ex-presidente e sua defesa manipulam muito bem. É toda uma superestrutura complexa, que não pode ser ignorada : 1/ ótima posição junto ao eleitorado, o que produz o efeito visto na audiência : “Dr. Juiz Moro, o voto absolve mais do que o Tribunal”.  2/ Conhecimento dos meandros do Estado, do qual já foi o maior controlador. Lula sabe que, queira-se ou não, Juizados, Ministérios Públicos, são elementos do Estado, e mais cedo ou mais tarde, podem estar, de novo, sob seus pés, sob os pés do PT... 3/ Algo do tipo : “para as políticas do Estado, o Povo é mais importante do que as Leis”. Aqui está jogando com o grande imaginário popular : o Estado é feito para o pobre, a Lei não pode punir um “pai dos pobres”. Lula não se sente constrangido, ora nenhuma, para a armadilha que ele e o PT criaram para si mesmos : como bons esquersitas estatizantes,  ao fortalecerem o Estado ( inclusive Judiciário, Ministério Público ), fortaleceram o próprio algoz. O que Lula tenta mostrar, muito sub-repticiamente, é o seguinte : “O Estado não pode ter existência burocrática própria, precisa sempre estar sob o poder do voto, o poder do povo”. Inclusive, repetiu para Moro, sua antiga argumentação de que “juízes e promotores não tem voto, ele tem”. Ele joga , na cara de Moro, esta ambigüidade : o Estado tem de estar a serviço do povo , do voto ( ou seja, dele, Lula ), e não a serviço de uma casta burocrática, legalista, auto-fecundante, auto-alimentadora. “O povo é maior que o Estado, o povo é maior que a Justiça”, é a mensagem que ele tenta passar em seu palanque improvisado no Tribunal.

A tudo isso acrescenta-se uma forte pitada de personalidade narcísica : 1/ ele sempre foi “narcisado” por várias instâncias, os peões de fábrica, os pobres, os sindicatos, as esquerdas-desprovidas-de-pai, as “mulheres-desprovidas-de-marido”, as minorias que lutam contra o Kapital, os coitadinhos que lutam contra os porcos-patrões. 2/ narcisado pela parafernália da liturgia do cargo “real” de Presidente incontestável . Sendo isso nada mais do que o sintoma da doença : “republicalização-de-bananas-que-precisa-de-um-rei”. 3/ auto-narcisação de uma personalidade que se sabe muito inteligente e fortemente carismática. 4/ narcisação de uma mãe que tinha de valorizar os filhos, que eram tudo para ela; ela que fôra abandonada por um marido retirante,  um “ignóbil-pai-irresponsável”, pai este , que, provavelmente, na mente de Lula, representa , de moto projetivo, os “poderosos-que-ele –precisa-desrespeitar-e-derrubar-pois-não-passam-de-velhacos-e-canalhas”.

Como se vê, então, há fatores psicológicos ( narcisação ) , sociológicos e biológicos para tentarmos explicarmos o comportamento do ex-presidente durante a audiência com o Juiz Moro.

(Marcelo Caixeta é médico, especialista em psiquiatria pela Universidade de Paris XI ( Le Kremlin-Bicêtre)

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