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OPINIÃO

Fazendo as contas do mês

Não raro tenho feito comentários sobre como vive o consumidor em seus apertos, sendo atacado de frente, de lado e até pelas costas, com a ofensiva dos aumentos.

Em janeiro, as coisas já se danam de aperto, porque a entrada de um novo ano parece ser o sinal verde para novos reajustes; nem é necessário que haja motivos: quando não é a falta de chuvas, é o excesso, e o resultado é que primeiro vêm os aumentos; a justificação é de somenos. Mal passa fevereiro, com o nosso lombo descansando e calejando-se com os novos níveis do custo de vida, chega março, parece que fecha o trimestre reclamando novos aumentos. E, por incrível que pareça, encontram: antigamente era em março que vinha o reajuste do funcionalismo, uma classe que, inobstante já vir levando na cabeça as consequências de causas que ela não gerou, passou a ser onerada com nova carga, pois, se o reajuste dos barnabés não vem mais, o costume dos aumentos continua.

Era em março, mas em fevereiro já começa o ano letivo, com a gente se assustando com os preços das coisas, as intermináveis listas de material escolar sem se falar nas anuidades, que inauguram o período de preço novo, exigindo, invariavelmente, uniformes novos, porque o próprio crescimento dos meninos impõe roupa maior.

E o ano vai caminhando, e a gente tropeçando nos aumentos do leite, do pão, do arroz e do feijão, porque o da gasolina nem se fala mais; a desculpa é um clichê: desestimular o consumo; mas quem é rico está pouco ou nada ligando que a gasolina suba até o último degrau; ele repassa o aumento para nós, assalariados e aposentados, que, não tendo para quem repassar, acabamos levando a desvantagem de tudo, racionalizando os percursos, parando o carrinho de levar menino para a escola e de passear nos fins de semana.

Em maio, chegava o salário mínimo, que é a comporta maior da represa, desa-guando no leito largo do grande rio do consumo considerável massa para aumentar-lhe o volume. Agora, o governo aprendeu a moda ruim de nem esperar maio.

E a escalada de preços vai achando motivo para todas as ascensões.

Com este negócio de mandar menino para a escola ainda fedendo a mijo, cedo a criançada aprende a escrever, e lá vão lápis e papel, apertando ainda mais o cinto que já está no último furo. E como conseqüência natural da influência de escrever, dos incentivos da TV com seus malditos comerciais, os filhos danam a escrever bilhetinhos a Papai Noel, exigindo até o presente que querem ganhar, obrigando-nos não só a cavar dinheiro, mas também a entrar na conta de mentiroso, pois temos que inventar tudo quanto é espécie de desculpa quando os pedidos estão acima de nossas posses. Alguns danadinhos - não se sabe se instruídos por alguém - já sabem exatamente quem é o Papai Noel, e procuram, de esperteza, o momento adequado para mandar tais bilhetinhos.

Anos atrás, cuja lembrança está numa fundura medonha, fiz lá em casa uma estimativa dos gastos até o fim do ano, de modo a que ficássemos munidos do estritamente necessário e pudéssemos saber das possíveis sobras para os supérfluos natalinos.

Mas quando vi a lista do indispensável, antevi a impossibilidade do Natal pre-visto, pois na regra de assalariado fazer as contas por antecipação só traz é desespero, sem se incluírem aí os aumentos que virão daqui até lá. O dinheiro, a gente sabe que não vai dar mesmo.

E desprezei a lista, inutilizando-a (que remédio!), porque nesta época mesqui-nha estou com a filosofia do meu mestre de caipirice Carmo Bernardes, que vivia reclamando, em suas crônicas, das durezas da vida:

- Pra não trazer contrariedade, é melhor a gente ir caminhando sem saber quantos tropicões e estrada tem.

(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa (AGI), escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected])

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