Onde está minha gata?
Diário da Manhã
Publicado em 5 de dezembro de 2017 às 22:27 | Atualizado há 7 anos
Habitam minha casa um casal de gatos Maine Coon. São enormes. Como eu jamais tive gatos, a descoberta é diária. Como eles nunca conviveram comigo, as surpresas são também constantes. Eles adoram água. Eles correm para mim quando chego e se jogam ao chão para longos afagos e carinhos. O macho até permite cócegas na barriga.
Ao abrir a porta eu gritei Acácia. E nada. Por um instante até achei que estava tudo certo, mas o Miles surgiu tão rápido que desconfiei de algo. Ele nunca vem assim tão fácil. Resolvi então procurá-la. Com gatos não precisa gritar. E apenas meu tom de voz mudou um pouco. Comecei a busca.
Lugares frios são os prediletos deles, pois Goiânia é quente e seco. Atrás da geladeira, nada. Como tem poeira ali! No banheiro do quarto da nossa filha (nossa, como faz tempo que não entro lá…) nem sinal de pelos. Ah, a Acácia solta plumas por toda a casa, sua pelagem é menos densa do que o Miles, ele é mais sedoso, porém tem menos volume. Ambos não apreciam longas escovações.
As duas varandas cobertas de bonsais é um dos sítios prediletos deles. Nem sinal da bichana. O chão quase sempre úmido, os troncos onde eles afiam as garras, nenhum rastro. Percorro melhor o espaço entre os vasos, felinos –mesmo gigantescos- têm a capacidade de se moldar em pequenos espaços.
Parto para debaixo das camas e sofás. O apartamento é grande e apresenta mil variações sobre o mesmo tema. No nosso quarto, minha esposa dorme o sono dos justos. Apesar da minha preocupação crescente, não a desperto. Minha coluna sofre um pouco ao abaixar-me seguidas vezes. Canetas, caixas de fios dentais, recibos e notas antigas, meias, um ou outro bolo de pelos, coisinhas pequenas e esquecidas. Mas gato, nada. Que gatonagem!
Perco a paciência e a chamo com mais veemência. Agora os lugares altos. Temos duas bibliotecas em casa. Uma escrivaninha do século XIX, três aquários e uma cozinha com armários suspensos. Nem cheiro. Por falar em cheiro, eles têm um odor agradável o tempo inteiro. Não sei como, mas estão sempre limpos. A lambeção é constante. A língua de lixa funciona legal. Já presenciei uma emissão de bola de pelos. É agonizante. Parece um bicho bêbado tentando eliminar suas entranhas.
Terminado o óbvio, passo para o improvável. Abro todos os armários. Vejo roupas de frio que só uso nas montanhas. Deparo-me com camisas que não uso. Gravatas que deixei de lado. Mas gato que é bom, nada. O desespero surge e acordo minha mulher. Ela com discreto mau humor fala que a gata deve estar dormindo. Eu já a acuso de ter deixado a porta da casa aberta e a felina fugiu. Homem tem a mania de culpar a mulher quando não consegue resolver algo por si só.
Acácia é faminta. Apesar de ser menor e mais leve do que o Miles, ela come mais. Ou pelo menos tem mais apetite. Pego sua vasilha de comida e coloco a ração fresquinha e saio balançando pela casa e chamando-a pelo nome. Agora estou nervoso e contamino minha parceira. Ela revisa todos os lugares anteriores.
No desespero, vamos até a garagem do prédio. Também reviramos todo o meu ninho – parte única da casa que sobrou para mim – e até telefonamos para nosso filho. Ele diz o mesmo que a mãe: ela deve estar dormindo. Mas dormindo aonde?
E então, minha amada esposa encontra um buraco no forro da cama do nosso filho. E lá dentro, bem no fundo, enrolada em si mesma no mais profundo sono e preguiça: Acácia. Ela abre a boca, se estica toda e vem em direção a comida, com a naturalidade sexy que só os gatos têm.
Come tranquilamente. E eu me lembro da minha esposa quando acorda e toma seu cafezinho. Mulheres e gatas são idênticas. Em determinada hora só querem estar sozinhas e não serem perturbadas e ninguém acha. Casei-me com uma tigresa e não sabia. Ela sim e Acácia também.
(JB Alencastro, médico)