Essa estória passou-se na cidade do Recife, Estado de Pernambuco, faz muito tempo, me foi lembrada, hoje, por um amigo de adolescência. O ocorrido não foi apenas engraçado, mas profundamente filosófico, que mostra as graves conseqüências que podem advir, e refletir-se em gerações sucessivas, do erro de um instante, do descuido de um momento, da negligência, o qual tentarei interpretar em forma de conto e de prosa. Vamos aos fatos: Duas senhoras, mãe e filha, foram internadas em uma maternidade, e aconteceu que deram à luz um filho, exatamente na mesma hora. As enfermeiras, de cada uma, tomaram os recém-nascidos à sua responsabilidade, e os levaram para o berçário. Ao retornarem, porém, nenhuma delas reconheceu o bebê que lhe fora confiado. Os dois pimpolhos eram muito parecidos, e surgiu a confusão. A parturiente, mais jovem, desabou a chorar, apavorada com a idéia de que ia amamentar o seu irmão, ao mesmo tempo em que a parturiente mais velha se indignava, suspeitando de que passaria a ser, para o resto da vida, a mãe do seu neto. Entre os familiares, as preocupações não eram menores. Um senhor idoso, as mãos nos bolsos da calça, passeava de um lado para outro da recepção da maternidade: – Sim, senhor! Será possível que meu neto fique, na vida, como filho do seu avô? Maior, porém, era a revolta de um cavalheiro mais novo, genro do primeiro, o qual ao ouvir essas exclamações do sogro retrucou: – E eu? E eu? Que vou ser, talvez, agora, o pai do meu cunhado?...
Segundo alguns velhos filósofos de boa vontade, as crianças, enquanto não falam, têm noção clara e absoluta de tudo que em torno delas acontece. Se assim é, se os pequeninos, até a idade em que se lhes descerra a língua, têm consciência de todas as ocorrências de que são personagens ou testemunhas, é de imaginar o prazer com que os dois pequerruchos estavam se divertindo àquela altura, à custa das aflições da família. – Meu tio? Disse um ao outro enquanto os pais supunham que eles estavam choramingando. O pessoal está convencido que eu sou tu, e que tu és eu! – Cala a boca. Vamos ver em que isso vai dar, aconselhou o outro. Não houve nenhuma troca. Tua mãe é essa mesma que está te amamentando... E se nós pudéssemos falar, hein? Ponderou o outro. Eu estou com pena de minha mãe, que supõe estar dando o peito o meu tio. Ainda ontem, à noite, quando ela acordou para me dar de mamar, examinou-me longamente, olhou-me muito,a cabeça, o nariz, os olhos. Depois deu-me o seio, e começou a chorar. – A minha, também, fez a mesma coisa ontem... E o velho, meu pai, não dormiu, passeando de um lado para outro do quarto. De vez em quando levava as mãos à cabeça e exclamava, num rugido surdo: “Ninguém me diz que não houve troca!. Houve, sim!”. Chegando junto do meu berço, e dizia, com o dedo junto ao meu rosto: “Veja se este nariz não é do Fernando! É ou não é?. Mas, o diálogo entre os dois pirralhos continuava. – Nós, tiraremos a nossa família dessa dúvida, não é verdade tio? Nós lhes explicaremos, logo que possamos falar, que está tudo direito, que não houve troca nenhuma. As primeiras palavras que eu puder pronunciar na língua deles, serão para lhes dizer isso.
Dias depois, entram na maternidade três homens de cara fechada, vestidos de branco. Cumprimentam as pessoas presentes e aproximam-se dos dois berços em que se encontram os bebês. – Tio, que homens são esses? Choraminga um. – Não sei, parece que são doutores. Cala a boca, vamos escutar o que eles dizem. Momentos depois, um dos pirralhos choraminga, na língua que só os recém-nascidos entendem: – Nino? – Tio!. – São os doutores mesmo, Nino, eles vão acabar que a dúvida que atormenta a nossa família. Vão fazer uma experiência e explicar à minha mãe e à tua, que nós somos mesmo filhos delas. – Ai, que bom!. – Eles vão tirar o meu sangue e o teu, para comparar com os dos nossos pais. Por isso, não chores quando te beliscarem. Estás ouvindo, Nino? – Estou, tio. Pode ficar tranqüilo. Os especialistas extraíram sangue dos pimpolhos. Fazem o mesmo com as duas senhoras, e vão embora. Dias depois voltam. Estão risonhos, contestes. Um deles adianta-se, e diz às duas damas: – Minhas senhoras, a ciência não falha. O novo processo de identificação pelo exame de sangue acaba de conseguir mais uma vitória no caso destas duas crianças. E num gesto largo exibindo uma folha de papel com o resultado das pesquisas. – Os garotos estão, mesmo, trocados. Num alvoroço, as duas damas correm para os dois berços, tomando, cada uma, o pequenito que a outra vinha, até então, amamentando: - Meu filhinho de minh”alma! Eu bem desconfiava, meu amor! Exclamava uma, chorando e rindo de alegria. – Meu coração bem me dizia, meu filho da minha vida!... Vem, meu amor, vem com a tua mãezinha!... dizia a outra, o rosto inundado de lágrimas, e de felicidade. Os dois meninos, porém, esperneiam com a mudança de mãe. – Mentira!... Mentiiiira!. Berra cada um para seu lado. Mas, não adiantou nada. Têm de calar-se, conformando-se cada um com a sua nova mãe, até que, à noite, passam a comentar os acontecimentos do dia: - Então, Nino, viste? Ficaste sabendo o que é a ciência dos homens? – Isso é que se chama ciência? Indaga o outro. – É. A ciência é uma combinação existente entre os homens para entortar tudo que está direito. Nós, por exemplo, cada um estava com a sua mãe legítima, veio a ciência, e disse que estava errado. E, agora, tu tens que mamar na tua avo, e eu fico mamando na minha irmã. Besteira deles, não é meu tio? – Alto lá. Tio, não. Agora eu é que sou teu sobrinho. – Psiu! Cala a boca... Lá vem minha avó e tua irmã... Vamos mamar.
Só agora com o avanço técnico-científico, é que tive notícias de que o problema destes dois meninos está solucionado, pela ciência...
(Edmilson Melo, escritor)