Home / Opinião

OPINIÃO

Universo de Luzes

Neste exato momento, em algum lugar do universo, dois irmãos ór­fãos estão brindando com copos e barrigas vazias o tão esperado e fa­moso natal. O momento de união, de amor, de paz e blá, blá, blá… tra­taremos desta história. Mas antes, é necessário alguns avisos: a par­tir de agora, os seus sentidos irão se associar por completo, uma forma de sinestesia, em que você associa os seus sentidos vitais com a ima­gem mental dessas duas crianças em visões quase proféticas geradas pelo seu cérebro. Uma das crianças se chama Maria (leia com bastan­te atenção esse trecho: esses perso­nagens são reais e tudo isso ocorreu de fato. Não duvide dessa história) é uma menina de mais ou menos 08 anos. O seu irmão, Zezinho, ou Zé, ou ‘Z’, se você preferir, é dois anos mais velho e duas vezes menos inte­ligente do que sua irmã.

Maria estava encantada, des­lumbrada, com os olhinhos arre­galados e olhando para cima; via os milhares de pontinhos de luz. Ela não dava a mínima para o menino vestido de trapos que estava ao seu lado sussurrando:

-O que cê tá fazendo, Maria?

-São tantos pontinhos brilhantes… Zezinho, parece que estamos no uni­verso, não parece?

-E cê lá sabe o que é uni… uni… uni… derso?

-Não é “uniderso”, é U-NI-VER-SO!

-Tá, e como é que cê sabe disso? - Perguntou o irmão mais velho.

-Eu vi numa tevelisão, que fica na­quelas lojas perto da estátua, onde passa o onibusão.

O irmão ficou completamente atônito. Não fazia ideia do que a irmã estava falando. Decidiu fazer o que ele fazia de melhor. Quer dizer: deci­diu fazer o que ele fazia de pior; fingir que era inteligente.

-As tevelisão, né? Boa! Acho que já vi o uniderso lá também. Na tevelisão é muito mais melhor e bonito.

Maria olhou assustada para o irmão.

-Não é “uniderso”, é uvierso!

Ficaram os dois em silêncio.

-Ops, eu quis dizer U–NI–VER–SO. E, também cê tá errado. O universo é mui­to mais bunito aqui do que na tevelisão.

Ficaram por um momento contem­plando a imensidão das luzes sobre suas cabeças. Estavam em uma abóbada de luzes de natal; dinheiro público gasto sabiamente em decorações natalinas.

O estômago de Maria roncou alto. Era noite de natal, mas nenhum de­les sabiam o que isso realmente queria dizer.

-Será que se eu comer uma luizinha dessa eu viro uma estrela?

-Hãm? Como assim, Maria?

-Pensa em como seria massa! Nunca mais eu ia sentir fome. Todos que passassem por essa ruazona, que vive cheinha de carro, iam olhar para mim de queixo caído.

O irmão de Maria, pela primeira vez entendeu o raciocínio da irmã.

-Bem, faz sentido. Todo mundo gosta de olhar para as estrelas…

Após Zezinho dizer essas palavras, Maria colocou a mão no queixo e re­fletiu em voz alta:

-Será que é por elas estarem lá lon­jão?

-Talvez…

-Deve ser porque de perto dá pra ver tudo direitinho, né Zezinho? De longe é tudo mais bunito.

-Vamos dar uma andada para ver as outras coisas na praça?

- Vamo.

Você pode achar engraçado o fato de Maria e José nessa idade não sabe­rem o real significado do natal. Mas eles eram moradores de rua há dois anos. No natal passado eles estavam em um município vizinho da grande Goiânia, e o prefeito de lá, que havia perdido a reeleição, como retaliação, proibiu as decorações de natal.

Antes disso, quando a mãe deles ain­da era viva, não comemoravam o natal e não tinham permissão para sair de casa. Esse era, portanto, o primeiro na­tal que tinham em suas míseras vidas.

Andaram deslumbrados por toda a praça. Viram árvores gigantes, enfeita­das com bolinhas coloridas, bonecos com olhos de botões e um velhinho que abraçava criancinhas. Percebe­ram maravilhados que as crianças que abraçavam o velhinho ganhavam ba­linhas. Com os olhos brilhando de an­siedade, entraram na fila.

Seus corações batiam de forma rá­pida e descompassada. A respiração de ambos demonstravam a ansieda­de escondida. As pessoas os encara­vam com desdém. Algumas mães até afastavam os seus filhos para bem longe dos nossos protagonistas. Ape­sar dos pesares, a fila andou e os ir­mãos ficaram cara a cara com o ve­lhinho que abraçava criancinhas.

-O que é você? - Perguntou Maria quando abraçou o velhinho.

-Como assim, o que sou eu? Eu sou o Papai Noel, ora essa!

-O que cê faz de diferente do outros? - Insistiu Maria.

Zezinho estava morrendo de medo. Ficou absorto em silêncio.

-Ora essa, criança. O meu dever é levar a alegria do natal para todas as criancinhas.

Maria fechou a cara. Havia algo de errado.

-Mas, como alguém pode ser feliz só com balinhas? Elas nem se quer matam a fome.

Um nó gigante formou-se na gar­ganta do bom velhinho. O velho ho­mem não soube o que dizer e nem mesmo como se comportar. Ele en­carou a pequena Maria nos olhos e, em seguida, olhou o Zezinho tími­do que ali estava. Por fim, lágrimas escaparam de seus olhos e pela pri­meira vez naquela noite, ele abraçou alguém de verdade. De forma dire­ta, ou, indireta, os três aprenderam juntos uma das grandes caracterís­ticas do natal; a união.

(Jaíne Jehniffer e Rafael Moraes, escritores)

Leia também:

  

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias