Você sabe o que é responsar? O responso de Joaquim Azevedo era tiro e queda
Diário da Manhã
Publicado em 17 de dezembro de 2017 às 02:43 | Atualizado há 7 anosHá uns meses, botei a explicação do responso, e uns leitores, que perderam o jornal, vieram me pedir para repetir a publicação, a fim de guardar no arquivo.
E aqui vai.
Era costume no interior uma pessoa, quando perdia alguma coisa e já estava desenganada, apelava para mandar responsar. Faziam-se promessas para São Longuinho e Santo Antônio. Santo Antônio todo mundo conhece, e São Longuinho, diz a história da Igreja (e a Bíblia até menciona em Mateus 27,54, Lucas 23,47 e Marcos 15,39) foi um dos soldados destacados para a crucificação de Jesus, tendo sido o que lhe perfurou o lado com a lança na cruz. Ele tinha um grave problema na vista, e foi curado quando o sangue de Cristo respingou nos seus olhos. Seu nome era Longinus, que se converteu, sendo depois martirizado, quando lhe arrancaram os dentes e lhe cortaram a língua. Ficou sendo o santo a quem se recorre quando se perde qualquer coisa. Existe até uma oração neste sentido, como há outra para Santo Antônio, mas isto eu escrevo depois.
No interior, quando se perdia ou sumia alguma coisa, principalmente dinheiro ou coisa valiosa, e as orações para os santos não davam certo, valia-se de um responsador, que, através de orações específicas (que eles não ensinavam a ninguém), mas não era qualquer rezador que tinha o “magnetismo” e o poder de responsar.
Mas a respeito dessa faculdade de responsar, conheci várias pessoas que eram famosas nesse ofício, tendo o poder especial e inexplicável de fazer o “responso”. A palavra “responso” vem do latim e significa “resposta” ou “procura de respostas”. O responso é, pois, uma forma de oração popular muito antiga, em que as pessoas, em momentos de desespero, rezam para obter uma resposta do Céu que as ajude a resolver o que tanto as preocupa. O responso é uma oração dita para encontrar um objeto perdido ou roubado; deve ser dita em voz alta e com a firme convicção que vamos encontrar aquilo que tanto procuramos. Santo António e São Longuinho são reconhecidos pelos milagres que têm feito acontecer, ajudando muitas pessoas a reencontrarem aquilo que perderam ou que lhes foi tirado. Mas o povo tinha mais fé num bom responsador do que propriamente em São Longuinho e Santo Antônio.
O responsador era temido, a ponto de, ao sumir qualquer objeto e se tinha suspeita de ter sido furtada, bastava que se dissesse “Vou mandar Fulano responsar”, o objeto aparecia, pois o ladrão, para livrar-se da vergonha de ser desmascarado, dava um jeito de fazê-la chegar às mãos do dono.
Um dos mais afamados responsadores que conheci era de uma familia nobre e tradicional de Taipas do Tocantins, o que podemos chamar de faz-tudo; era Joaquim Azevedo (que era farmacêutico, ortopedista e médico prático, rezador pra quebranto, fechador de corpo e até desmanchador de feitiço), tio do amigo Sisenando, articulista deste jornal, que, inclusive, me contou alguns episódios em que seu tio mostrou o lugar onde estava um dinheiro sumido.
Mas Joaquim Azevedo não merece apenas uma crônica; seus poderes dariam para um livro inteiro.
Lá pelo ano de 1953, Sisenando morava em Taguatinga, onde também morava seu tio Biluca, competente farmacêutico prático e depois uma espécie de delegado perpétuo de Conceição, irmão de Joaquim Azevedo. Biluca era quem manipulava os remédios receitados pelo médico de lá, Dr. Antônio Fleury, cardiologista por especialização, mas atendia de um tudo, naquela terrinha escassa de recursos médicos, onde, em regra valia-se era das meizinhas caseiras e das benzeções.
Um dos tradicionais moradores da cidade, da nobre família Guedes, era Nezinho Guedes, irmão de Odorico, outra figura respeitável e proeminente da família. E Nezinho, naquela época, comprou, em sociedade com o irmão, um caminhão, que fazia transporte para comerciantes e outras pessoas de Anápolis para Taguatinga.
Numa de suas idas a Anápolis, encomendaram a Nezinho um bando de coisas, de forma que a soma das encomendas dava coisa de 30 mil cruzeiros, na moeda da época, um dinheirão. Na ida para Anápolis, Nezinho levou como passageiros uns caboclos do sertão, que iam aproveitar a ponga; os passageiros iam, como de costume, aboletados na carroceria, enquanto Nezinho ia na boleia com o chofer e outras pessoas; mas no correr da viagem a boleia ficou muito escassa, e ele resolveu ir no para-lamas, segurando-se na ferragem do retrovisor de seu cheba. E, sem malícia, deixou na carroceria sua mala, onde estavam os 30 mil cruzeiros.
E quando chegaram nos gerais, Nezinho se desequilibrou, caiu, e o caminhão passou por cima dele, e tiveram que retornar às vinte pra Taguatinga, onde o Dr. Fleury – com Biluquinha do lado – constatou o óbito.
Seus passageiros se dispersaram, mas a mulher de Nezinho, Dina, lembrou-se de que ele levava na mala aquela quantia, que era de outras pessoas, e quando foram verificar, a pequena fortuna tinha sumido. Dona Dina deu parte, e a polícia tratou de deter os passageiros da carroceria, para apurar o sumiço do dinheiro. Um dos passageiros, tão logo desembarcara, tratou de ganhar a estrada, e foi pra sua morada, lá no sertão de Conceição.
Aí, Biluca, muito sabedor das coisas, aconselhou que fossem atrás de seu irmão Joaquim, em Taipas, que iria descobrir o paradeiro do dinheiro sumido, pois era afamado responsador. E esquiparam um positivo com uma carta, dizendo sobre o sumiço do dinheiro e a prisão dos vários suspeitos. E Joaquim Azevedo, diante da pressa do mensageiro em voltar, disse que ele ficasse até o dia seguinte, pois à noite iria dar notícia do dinheiro, porque o responso implicava em orações e outros rituais.
E no dia seguinte Joaquim despachou o homem, com o recado na carta-resposta: que pudessem soltar os suspeitos presos, pois o dinheiro estava escondido em cima do portal de entrada da choupana do passageiro que voltara antes da detenção de seus companheiros de viagem. E mostrou direitinho onde o homem morava e até consinou como era a choupana.
Não demorou muito, a polícia, seguindo o roteiro traçado por Joaquim Azevedo, bateu na casa do homem, lá no oco do sertão: encontraram os 30 mil cruzeiros onde o responsador dissera, e levaram preso o larápio, recuperando o dinheiro. Além de Sisenando, que me contou o causo, Gercílio Godinho e outras pessoas confirmaram o fato.
São coisas que a ciência não explica, mas se fossem responsar o dinheiro que está sumindo no Brasil, iam deixar o responsador doidinho.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa – AGI – e da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas – ABRACRIM – escritor, jurista, historiador e advogado, liberatopo[email protected])