Novo verbo: tiriricar
Diário da Manhã
Publicado em 24 de janeiro de 2018 às 23:56 | Atualizado há 7 anos
Todo ano, desde 2004, o dicionário Oxford elege uma palavra como a daquele ano. Os critérios para a escolha são vários: destaque, importância, frequência e potencial. Em 2016, a palavra escolhida foi pós-verdade, no contexto de eleição americana e plebiscito inglês, e denota circunstâncias em que os fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais. Em 2017, foi youthquake – junção das palavras jovem e terremoto, definido como as mudanças sociais, políticas e culturais a partir dos jovens. Esta escolha foi criticada porque a consideraram desimportante. Poderia ser gratidão, com a chancela da infantil auto-ajuda!
Mas se o dicionário viesse ao Brasil, elegeria a palavra tiriricar. A definição desse novíssimo verbo seria uma maneira abrasileirada da célebre frase de Upton Sinclair: “é difícil fazer um homem entender algo quando seu salário depende que não o compreenda”. É o que depreendemos do deputado Tiririca, que passou sete anos no Congresso e admite no seu discurso de desligamento que aquele também é seu primeiro discurso, o que levaria alguns a pensar num parlamentar ineficiente, pouco combativo, e que sai com vergonha daquela Casa de Leis. Uma maneira sofisticada de dizer que, apesar dos sete anos de Brasília, não concorda e sai porque não concorda. Enfim, aquela indignação moralista.
Mas esse não é um texto moralista e nem o verbo, só mostra contradições. A ênfase é a mudança na narrativa de vida dada novas circunstâncias. Algo parecido com a ex-globeleza Valéria Valenssa, rainha seminua do carnaval durante 15 anos. Depois de engravidar e perder o estereótipo exigido para o cargo, 27 quilos a mais, foi demitida, converteu-se crente e se tornou pastora. Só mostra o ser humano que um dia injeta hidrogel em todas as partes do corpo e defende a estética como modo de vida assim como Andressa Urach e, depois da experiência da quase morte em decorrência desse comportamento, também se converteu à religiosidade. Ou, ainda, do congressista Tiririca, que entrou fazendo piada no horário político, com o slogan “pior que tá não fica” e teve todo o imbróglio sobre sua alfabetização para a posse, faz parecer que sete anos são sete dias. Na verdade o deputado demorou 2.555 dias para proclamar um discurso moralista. Por que não combateu, apontou ou denunciou o que lhe motivou sentir vergonha? Não o fez em um cargo que exigia essa proatividade. E a vergonha que sente não foi suficiente para renunciar, apenas não disputará a próxima eleição. Significa que o deputado vai passar mais 365 dias com vergonha. Até o fim de 2017, ele apresentou raros projetos de lei, a grande maioria voltada aos artistas circenses e teve um único aprovado.
Tiririca parece o personagem Chaves que, confrontado pelo Seu Madruga, sentia vergonha das suas atitudes e respondia prontamente: “sinto sim, mas eu aguento.” Coincidentemente, ambos trabalham com humor.
Talvez seja uma questão de oportunidade e conveniência. Talvez de psicanálise freudiana. Ou, ainda, só pensar na própria responsabilidade dentro do caos que critica. Quiçá um pouco de cada coisa. E a definição do verbo tiriricar seria: adaptação repentina de crença e comportamento para outra mais adequada à nova conjuntura, independente de consciência, que admita narrativa mais favorável, atraente e autônoma do modo de vida anterior, exteriorizada num discurso público que denota oportunismo. Fique de olho no verbo tiriricar, dicionário da Universidade de Itapipoca, nessa onda de palavras do ano!
(Bruno Theodoro, filósofo e jurista)