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OPINIÃO

Os militares arrogantes e meu pai

Não me lem­bro o ano. Qua­se cer­te­za te­nho que foi no go­ver­no do Jus­ce­li­no(31.1.1956-31.1.1961). Jo­a­quim Bor­ges de Oli­vei­ra, meu pai, era um dos prin­ci­pa­is co­mer­cian­tes de Ja­taí. Na­que­le tem­po, as lo­jas “ven­di­am de tu­do”. A fan­ta­sia da nos­sa era Lo­ja Tupy. Ne­la se mer­ca­de­ja­vam sal, açú­car, que­ro­se­ne, so­da cáus­ti­ca, fer­ra­men­tas, be­bi­das al­co­ó­li­cas( não  ser­vi­das ou aber­tas no es­ta­be­le­ci­men­to), cha­péus, ma­las pa­ra vi­a­gem, te­ci­dos, con­fec­ções, avi­a­men­tos, bi­ju­te­rias, brin­que­dos, ar­ti­gos pa­ra mon­ta­ria e es­co­lar, ar­ma­ri­nhos, ba­las ca­li­bre 22, 32, 38. Mu­ni­ções se co­mer­cia­li­za­vam tam­bém na Ca­sa Re­zen­de, do  Ze­qui­nha Pa­ni­a­go, que fo­ra em­pre­ga­dor do meu ge­ni­tor.  Ven­di­am-se, na lo­ja do Jo­ão Ja­jah, além de mu­ni­ções, ar­mas.  Ne­nhum de­les ope­ra­va de for­ma ilí­ci­ta.

Abria-se o co­mér­cio da “Ci­da­de Abe­lha” às 8 ho­ras e se fe­cha­va às 18, de se­gun­da a sá­ba­do. Cer­ta ma­nhã em que fui com ele pa­ra a lo­ja, che­gou-nos a in­for­ma­ção de que ha­via gen­te do Exér­ci­to na pra­ça pa­ra fis­ca­li­zar a co­mer­cia­li­za­ção des­ses pro­du­tos. Lá pe­las 9 ho­ras, aden­tra­ram à Tupy três ofi­ci­ais far­da­dos. Fo­ram di­re­to ao meu pai, ho­mem hon­ra­do que,  com os im­pos­tos pa­ri­dos no seu la­bor, man­ti­nha a ca­ser­na pa­ra “de­fen­der a pá­tria”. O mais gra­du­a­do se  lhe apre­sen­tou es­ten­den­do-lhe a des­tra:

- Sou fu­la­no. O se­nhor ven­de mu­ni­ções e que­re­mos vê-las.

- Pois não, te­nen­te!

- Te­nen­te não se­nhor, co­ro­nel! E se o se­nhor fi­car bra­vo eu lhe pren­do.

E pren­dia mes­mo, con­si­de­ra­va-se deus. Até ho­je o Bra­sil es­tá as­sim, na ba­se do “eu que­ro, eu pos­so, eu man­do, sou au­to­ri­da­de, não pre­ci­so de pro­vas, bas­ta-me con­vic­ção”.

- Não vou fi­car bra­vo, não pre­ci­sa, res­pon­deu-lhe, hu­mil­de­men­te, o jo­vem co­mer­cian­te.

A Tupy ven­dia mui­to. Gran­de o seu mo­vi­men­to, mas na­que­la ma­nhã en­tra­ram cu­ri­o­sos que ten­ta­vam es­con­der su­as cu­ri­o­si­da­des com­pran­do al­gu­ma coi­sa. Um ad­qui­ria es­pe­lho pa­ra bol­so de cal­ça mas­cu­li­na, ou­tro com­pra­va bri­lhan­ti­na, ou­tro per­gun­ta­va o pre­ço de en­xa­da “Du­as Ca­ras”(pre­fe­ri­da do pú­bli­co). En­fim, de­se­ja­vam as­sis­tir ao tra­ba­lho da­que­les mal-edu­ca­dos, da­que­les ig­no­ran­tes que usa­vam seus car­gos pa­ra in­sul­tar pes­so­as hu­mil­des. Uma se­nho­ra que com­pra­ra uma la­ta de so­da cáus­ti­ca de­mo­ra­va-se pa­ra se re­ti­rar. Um de­les, rus­ti­ca­men­te, cha­mou-lhe a aten­ção, cri­an­do-lhe cons­tran­gi­men­to.

No fim, le­va­ram al­gu­mas cai­xas de ba­las e se re­ti­ra­ram. Na ci­da­de não ha­via uni­da­de mi­li­tar. Mui­tos anos de­pois, Ja­taí aco­lheu um ba­ta­lhão que lá se en­con­tra a ocu­par par­te da len­dá­ria “Chá­ca­ra do Ola­vo”, de pro­pri­e­da­de do meu pa­ren­te(la­do da mi­nha mãe) Ola­vo Sér­vu­lo de Li­ma, e da sua es­po­sa, se­nho­ra So­fia, en­te­a­da  de Ali­ce Li­ma Pe­res. Ali­ce era o pri­mo­gê­ni­to(é as­sim mes­mo, no mas­cu­li­no) dos meus avós ma­ter­nos Phi­la­del­fo e Ana Isa­bel. Cha­ma­va-se Jo­sé Ma­xi­mi­a­no Pe­res, o po­pu­lar Ze­ca Ma­xi­mi­a­no, o ge­ni­tor de So­fia, fa­le­ci­do em fe­ve­rei­ro de 1953. Ele se ma­tri­mo­nia­ra com tia Ali­ce de­pois do fa­le­ci­men­to da do­na Ma­ria, sua pri­mei­ra con­sor­te e mãe de So­fia. Es­ta e seu es­po­so são no­mes de bair­ro no meu tor­rão na­tal. A chá­ca­ra em ques­tão era de­no­mi­na­da Fa­zen­da San­ta Ro­sa e ti­nha pres­tí­gio mui­to além dos li­mi­tes do nos­so mu­ni­cí­pio. Ola­vo foi ve­re­a­dor pe­lo PSD. Ny Pe­res, ad­vo­ga­do e em­pre­sá­rio, fa­le­ci­do há cer­ca de dois anos, era fi­lho des­se ca­sal.

Ci­tei o vo­vô Phi­la­del­fo Al­ves de Li­ma, vo­vó Ana Isa­bel da Con­cei­ção e a fa­zen­da Mo­ran­ga. Es­ta se lo­ca­li­za na di­vi­sa da  se­de do mu­ni­cí­pio de Ser­ra­nó­po­lis(ex-Ser­ra do Ca­fé), na­que­le tem­po ju­ris­di­cio­na­do a Ja­taí. Ser­ra­nó­po­lis se eman­ci­pou em 1958 e sua ins­ta­la­ção se deu no dia 1º de ja­nei­ro de 1959(da­ta do tri­un­fo da Re­vo­lu­ção Cu­ba­na que pôs pra cor­rer o Ba­tis­ta, la­caio nor­te-ame­ri­ca­no). Meu pai fo­ra cai­xei­ro da “Ca­sa Pe­res”( no­me da lo­ja do Ze­ca), ain­da nos tem­pos da pri­mei­ra con­sor­te des­te e de lá saiu quan­do Ze­ca era seu con­cu­nha­do. Foi o úl­ti­mo  em­pre­go do Jo­a­quim, ca­sa­do com Ma­ria Cla­ra, mi­nha mãe. Es­ta­be­le­ceu-se, com a fan­ta­sia Lo­ja Tupy, na di­ta es­tân­cia Mo­ran­ga, e em 1950 nos mu­da­mos pa­ra a ci­da­de de Ja­taí on­de pros­se­guiu com sua pro­fis­são de co­mer­cian­te. Por vol­ta de 1957, a Lo­ja Tupy pas­sou a cha­mar-se Co­mer­cial Ba­ra­tém, que en­cer­rou su­as ati­vi­da­des em abril de 1989, com o óbi­to do seu pro­pri­e­tá­rio. Não era mais um es­ta­be­le­ci­men­to ex­pres­si­vo. Ali­ás, ha­via so­men­te  res­tos do que fo­ra uma pres­ti­gi­a­da em­pre­sa mer­can­til.

(Fi­la­del­fo Bor­ges de Li­ma. fi­la­del­fo­bor­ges­de­li­[email protected])

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