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OPINIÃO

Penitenciárias Brasileiras I

O re­sul­ta­do do le­van­ta­men­to do sis­te­ma pri­si­o­nal (In­fo­pen – 2016) re­for­ça, mais uma vez, uma sé­rie de dis­fun­ções do Sis­te­ma Pri­si­o­nal Bra­si­lei­ro. A dis­tri­bui­ção das pes­so­as pri­va­das de li­ber­da­de,  de acor­do com a na­tu­re­za da pri­são e ti­po de re­gi­me é a se­guin­te: a) 40% ou 290.685 de­ten­tos sem con­de­na­ção (com mais de 90 di­as de apri­si­o­na­men­to); b) 38% ou 276.150 de­ten­tos sen­ten­ci­a­dos em re­gi­me fe­cha­do; c) 15% ou 109.901 de­ten­tos sen-ten­ci­a­dos em re­gi­me se­mi­a­ber­to; d) 6% ou 43.603 de­ten­tos sen­ten­ci­a­dos em re­gi­me aber­to; e) 0% in­ter­na­ção por me­di­da de se­gu­ran­ça; f) 0% in­ter­na­ção e me­di­da de se­gu­ran­ça em tra­ta­men­to am­bu­la­to­ri­al. Os dois úl­ti­mos ti­pos “e” e “f” so­mam 6.373 de­ten­tos. Por­tan­to, 290.685 ou 40% das pes­so­as pre­sas no Bra­sil, em Ju­nho de 2016, ain­da não ha­vi­am si­do jul­ga­das e con­de­na­das. Es­ses da­dos va­ri­am sen­si­vel­men­te nas di­ver­sas uni­da­des fe­de­ra­ti­vas, va­ri­an­do tam­bém a dis­tri­bui­ção da po­pu­la­ção pri­si­o­nal de acor­do com a na­tu­re­za da pri­são e ti­po de re­gi­me.

Em 2016, to­dos os es­ta­dos da fe­de­ra­ção apre­sen­ta­vam dé­fi­cit de va­gas pa­ra pre­sos sem con­de­na­ção. Em re­la­ção ao re­gi­me fe­cha­do, os es­ta­dos de Ro­rai­ma, Ama­zo­nas, Per­nam­bu­co e To­can­tins re­gis­tram os mai­o­res dé­fi­cits per­cen­tu­ais. O es­ta­do com mais pre­sos sem con­de­na­ção é o Ce­a­rá, com 66% dos de­ten­tos sem ne­nhu­ma con­de­na­ção, se­guin­do-se os es­ta­dos de Ser­gi­pe com 65% e Ama­zo­nas com 64%. Es­ses da­dos con­fir­mam uma sé­rie de dis­fun­ções do Sis­te­ma Pri­si­o­nal Bra­si­lei­ro, des­ta­can­do-se que um em ca­da três pre­sos no Bra­sil ain­da não fo­ram con­de­na­dos pe­lo Sis­te­ma Ju­di­ci­á­rio. Es­ses de­ten­tos pro­vi­só­rios fi­cam en­car­ce­ra­dos por tem­po que va­ria de 172 a 974 di­as, de­pen­den­do da uni­da­de fe­de­ra­ti­va em que se en­con­tram. Em no­ve es­ta­dos ha­via mais pre­sos sem con­de­na­ção do que pre­sos efe­ti­va­men­te jul­ga­dos e con­de­na­dos. Es­se nú­me­ro ele­va­do de pre­sos sem con­de­na­ção se de­ve a vá­rios fa­to­res, co­mo, fre­quên­cia das au­diên­cias de cus­tó­dia, mo­ni­to­ra­men­to ele­trô­ni­co, apli­ca­ção de pe­nas al­ter­na­ti­vas (MU­NIZ; FAL­CÃO, 2017)

Há três pos­si­bi­li­da­des de uma pes­soa ser pre­sa no Bra­sil sem uma con­de­na­ção da Jus­ti­ça: a) pri­são tem­po­rá­ria - de­cre­ta­da por um ju­iz que con­si­de­ra es­sa pri­são im­pres­cin­dí­vel pa­ra as in­ves­ti­ga­ções e quan­do há pro­vas de que a pes­soa par­ti­ci­pou de cri­mes gra­ves: es­sa con­de­na­ção po­de du­rar até cin­co di­as e ser pror­ro­ga­da; b) pri­são pre­ven­ti­va - tam­bém de­cre­ta­da por um ju­iz, não tem pra­zo má­xi­mo de du­ra­ção; pa­ra is­so, o ju­iz de­ve ver in­dí­ci­os de que a pes­soa co­me­teu o cri­me e que po­de­rá atra­pa­lhar a in­ves­ti­ga­ção ou con­ti­nu­a­rá co­me­ten­do cri­mes se per­ma­ne­cer em li­ber­da­de; a lei tam­bém au­to­ri­za es­se ti­po de pri­são em no­me da “ga­ran­tia da or­dem pú­bli­ca”, uma de­fi­ni­ção ge­né­ri­ca que po­de abrir es­pa­ço pa­ra abu­sos, nes­se ca­so, o pra­zo da pri­são é in­de­ter­mi­na­do; c) pri­são em fla­gran­te - ocor­re quan­do uma pes­soa é fla­gra­da co­me­ten­do um cri­me, por exem­plo, se­gun­do os po­li­ci­ais res­pon­sá­veis pe­las pri­sões e pe­lo bo­le­tim de ocor­rên­cia; es­ta é a prin­ci­pal for­ma pe­la qual pes­so­as sem con­de­na­ção são man­ti­das en­car­ce­ra­das. Há, no Bra­sil, uma es­pé­cie de sis­te­ma qua­se me­ca­ni­za­do em que 90% das pri­sões são fei­tas em fla­gran­te. As pes­so­as per­ma­ne­cem pre­sas até o jul­ga­men­to, mes­mo que a pe­na pre­vis­ta pa­ra aque­le cri­me se­ja uma pe­na al­ter­na­ti­va a ser cum­pri­da fo­ra das gra­des (FÁ­BIO, 2017).

A cul­tu­ra pu­ni­ti­vis­ta da mai­o­ria da so­ci­e­da­de bra­si­lei­ra ten­de a igua­lar a jus­ti­ça com apri-sio­na­men­to, ou se­ja, o cri­mi­no­so de qual­quer cri­me de­ve ser pre­so pa­ra pa­gar pe­lo mal co­me­ti­do. Acon­te­ce que a so­ci­e­da­de bra­si­lei­ra ten­de a igua­lar Jus­ti­ça à pri­são e is­so, por sua vez, pres­sio­na mem­bros do Ju­di­ci­á­rio e do Mi­nis­té­rio Pú­bli­co a res­pon­de­rem a es­sa ex­pec­ta­ti­va so­ci­al. As­sim, tor­na-se im­pos­sí­vel cons­tru­ir ca­dei­as com o nú­me­ro de va­gas su­fi­ci­en­tes e pro­ver os ser­vi­ços ne­ces­sá­rios em ca­da uni­da­de pri­si­o­nal no mes­mo rit­mo em que se en­car­ce­ra no Bra­sil.

De acor­do com o Le­van­ta­men­to Na­ci­o­nal de In­for­ma­ções Pe­ni­ten­ci­á­rias, exis­tem mais pre­sos sem con­de­na­ção do que de­ten­tos sen­ten­ci­a­dos ao re­gi­me fe­cha­do no sis­te­ma pri­si­o­nal bra­si­lei­ro, ou se­ja, 37,5% no fim de 2015 pa­ra 40,2% em ju­nho de 2016. Nos Tri­bu­nais de Jus­ti­ça há mais de 31 mil pro­ces­sos en­vol­ven­do réus pre­sos (13%) – em al­guns Es­ta­dos, co­mo Ser­gi­pe e Ala­go­as, o per­cen­tu­al de pre­sos pro­vi­só­rios ul­tra­pas­sa 80%. Uma pes­soa po­de fi­car pre­sa, sem con­de­na­ção, por um pe­rí­o­do mí­ni­mo de cin­co mes­es. Mas há es­ta­dos em que os pre­sos fi­cam mais tem­po ain­da. Em ter­mos de per­cen­tu­al de pre­sos sem con­de­na­ção com mais de 90 di­as de apri­si­o­na­men­to, a pi­or si­tu­a­ção é de Ser­gi­pe, em que 100% dos pre­sos aguar­dam seu jul­ga­men­to.

O Con­se­lho Na­ci­o­nal de Jus­ti­ça (CNJ), aten­den­do à so­li­ci­ta­ção da mi­nis­tra Car­men Lú­cia do Su­pre­mo Tri­bu­nal Fe­de­ral (STF), ten­do em vis­ta a ace­le­ra­ção no jul­ga­men­to dos pre­sos pro­vi­só­rios, apre­sen­tou os se­guin­tes da­dos:

To­tal de pre­sos no Bra­sil: 654.372;

To­tal de pro­vi­só­rios: 221.054;

To­tal de pro­ces­sos de com­pe­tên­cia do Tri­bu­nal do Jú­ri en­vol­ven­do réus pre­sos (cri­mes do­lo­sos con­tra a vi­da): 31.610.

Ou­tros da­dos:

o per­cen­tu­al de pre­sos pro­vi­só­rios por Uni­da­de da Fe­de­ra­ção os­ci­la en­tre 15% a 82%;

27% a 69% dos pre­sos pro­vi­só­rios es­tão cus­to­dia­dos há mais de 180 di­as;

o tem­po mé­dio da pri­são pro­vi­só­ria, no mo­men­to do le­van­ta­men­to, va­ri­a­va de 172 di­as a 974 di­as;

os cri­mes de trá­fi­co de dro­gas re­pre­sen­ta­ram 29% dos pro­ces­sos que en­vol­vem réus pre­sos; cri­me de rou­bo, 26%; ho­mi­cí­dio, 13%; cri­mes pre­vis­tos no Es­ta­tu­to do De­sar-ma­men­to, 8%; fur­to, 7%; e re­cep­ta­ção, 4% (BRA­SIL, 2017).

Re­fe­rên­cias:

FÁ­BIO, An­dré Ca­bet­te. Por que se pren­de tan­to sem con­de­na­ção no Bra­sil. Ne­xo Jor­nal.

MU­NIZ, Ma­ri­a­na; FAL­CÃO, Már­cio. 40% dos pre­sos bra­si­lei­ros ain­da não fo­ram jul­ga­dos. Jo­ta. 2017.

(Darcy Cor­dei­ro é fi­ló­so­fo, so­ci­ó­lo­go e te­ó­lo­go, mes­tre e dou­tor, pro­fes­sor apo­sen­ta­do da PUC-Go­i­ás e da Uni­ver­si­da­de Es­ta­du­al de Go­i­ás)

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