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OPINIÃO

18 de Maio, Dia Nacional da Luta Antimanicomial

Por Rosângela Labre de Oliveira (Mestra em Educação) e Eduardo Sugizaki (Doutor em Filosofia)

Comemoramos na próxima terça-feira, 18, o Dia Nacional da Luta Antimanicomial. Esse movimento foi iniciado por profissionais da saúde, associações de usuários e familiares, instituições acadêmicas e representações políticas. A Luta Antimanicomial quer levar informações à sociedade não somente para denunciar os maus tratos aos pacientes com transtorno mental nos hospícios, mas problematizar o recente desejo de seu retorno no Brasil. É urgente questionarmos a legitimidade da patologização dos comportamentos. Como nossa civilização lida com quem é e pensa diferentemente e incomoda? Qual é a lógica do cárcere, da invalidação das pessoas e da supressão de seus direitos, no Brasil e no mundo?

Se, no Brasil, a criação dos hospícios aconteceu no século XIX, na Europa esse processo iniciou-se no século XVIII. Com suas casas de pobres, internavam indigentes, velhos, prisioneiros políticos e loucos. Foi Philippe Pinel quem criou uma nova forma de tratamento das pessoas, por ele consideradas, doentes da razão. Nasce o hospício, a instituição que instaura o poder da observação, classificação, isolamento, controle e tratamento com duchas frias, camisas de força, choques elétricos e todo tipo de violência que servisse para disciplinar e controlar os enclausurados. Porém, acima de qualquer mal tratamento, a imposição da perda da liberdade é, em si mesma, uma violência.

Aqui no Brasil a primeira instituição formalizada para a internação e o tratamento das pessoas que vagavam pelas ruas, becos e vielas, com doença mental ou física foi o Hospício Pedro II, construído na cidade do Rio de Janeiro. O hospício foi chamado popularmente de “Palácio dos Loucos” e foi o estímulo para aberturas de várias outras instituições semelhantes pelo Brasil afora.

Durante a implantação dessa violência que são os hospícios, manicômios e presídios, as lutas dos movimentos sociais se levantaram e fortaleceram. No séc. XIX, nos Estados Unidos a jornalista Nellie Bly interna-se em um hospital psiquiátrico, fazendo-se passar por louca, com o intuito de relatar o que se passa lá dentro, longe dos olhos da sociedade. Assim como ela, pacientes pobres e mulheres abandonadas, eram internados e sofriam violência de vários tipos. A coragem de Nellie Bly (1864-1922) e, no caso brasileiro, de Nise da Silveira (1905-1999) de denunciar o lado cruel e desumano dos hospitais psiquiátricos. A Luta Antimanicomial certamente tem horizontes mais vastos do que essas figuras históricas lograram ter, mas a data recuada e o contexto de seus engajamentos as tornam referências e figuras simbólicas de uma luta social contra algo que tem as mulheres e as mulheres negras como principais alvos, no Continente Americano.

No Brasil, foram décadas de violência onde as pessoas ficaram aprisionadas, violentadas e mortas em todas as regiões brasileiras. Só no Hospital Colônia de Barbacena – MG foram mais de 60 mil mortos, como denunciou a jornalista Daniela Arbex. Essa situação começou a mudar no final de 1980, com as lutas sociais, inclusive do Movimento Antimanicomial que se firma no ano de 1987 e ganha importantes definições na Constituição de 1988, mas a Reforma Psiquiatra brasileira, a Lei Federal de Saúde Mental, nº 10.216, de autoria do deputado Paulo Delgado, só foi promulgada em 2001, o que é uma data muito retardatária às reformas psiquiátricas da França e Itália, que remontam à década de 1960 e 1970.

Atualmente o governo demostrou o desejo de trazer de volta os hospícios ao Brasil, através de um pacote de desmanches e ataques. A Nota Técnica nº11 publicada pelo Ministério da Saúde em janeiro de 2019 que aponta para o tratamento da saúde mental em hospitais psiquiátricos, investimentos e parcerias com as chamadas comunidades terapêuticas e incentivos à prescrição e realização de ECT (eletroconvulsoterapia). Já em 2020 o mesmo governo propõe a revogação de portarias que sugerem mudanças no modelo assistencial em saúde mental, com base no documento “Diretrizes para um Modelo de Atenção Integral em Saúde Mental no Brasil”, reforçando políticas de tratamentos institucionalizados em hospitais psiquiátricos, um retrocesso em relação aos equipamentos e modelos de cuidado em Saúde Mental.

Como já escrevia Amarante, em 1995, no seu livro sobre a reforma psiquiátrica no Brasil: a desinstitucionalização é um processo ético, de reconhecimento de direito das pessoas de terem um cuidado verdadeiro, e nunca um cativeiro. É urgente compreender as decisões governamentais e o seu projeto econômico, político e ideológico. Devemos combater os retrocessos em todos os planos, inclusive no plano da saúde e da moral de comportamentos. A busca pela “normalidade” é um conceito autoritário que sempre foi determinado por quem está no poder para resolver problemas políticos. A bipartição dos sujeitos entre normais e anormais, do ponto de vista comportamental, não tem fundamento médico, mas moral.

Essa luta é antiga e diz respeito à escolha da sociedade que queremos, da forma como vamos lidar com os diferentes, as minorias e os sujeitos em desvantagem social. Nesse momento a humanidade sofre com a crise econômica e biológica em decorrência da pandemia da Covid-19. As pessoas estão fragilizadas e isso agrava os dramas humanos, aumentando as necessidades de cuidados e atenção com todos. Cabe refletirmos se o normal é excluir, punir, formatar e violentar o próximo que é diferente, ou acolher de forma humana e digna os que necessitam de ajuda.

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