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OPINIÃO

As cartas falsas e as eleições de 1922

A História contada nas escolas acerca da Primeira República (1889 – 1930) normalmente enfatiza a conhecida política do café-com-leite, em que os estados de São Paulo e Minas Gerais aliaram-se e, poderosos que eram, tudo definiam. 

No entanto, para além da simplificação escolar, havia realidade política bem mais complexa e, nela, outros atores também interferiam, como o Exército, o Poder Executivo e demais estados da federação. Entre estes, merecem destaque o Rio de Janeiro, a Bahia, o Rio Grande do Sul e Pernambuco, exatamente os estados que se uniram na chamada Reação Republicana, responsável pela candidatura de Nilo Peçanha, no ano de 1921, para disputar o pleito de 1º de março de 1922. Disputa difícil, pois os dois estados mais fortes — São Paulo e Minas Gerais — lançaram Arthur Bernardes à disputa presidencial.

Em meio ao ambiente de tensão na acirrada eleição, um episódio veio conturbar ainda mais o processo eleitoral e reverberou pelos anos seguintes. Trata-se de duas cartas divulgadas no Correio da Manhã em outubro de 1921. A primeira, das duas cartas, a que nos interessa por ora, foi publicada no dia 9 de outubro de 1921, domingo, na página 2 do jornal Correio da Manhã (a segunda foi publicada no dia seguinte). Atribuída ao candidato à presidência, Arthur Bernardes, e direcionada ao seu amigo e senador, Raul Soares, a carta, datada de 3 de junho de 1921, continha injúrias ao Exército e ao marechal Hermes da Fonseca, presidente do Clube Militar e ex-presidente do Brasil. Na segunda-feira seguinte, Bernardes enviou telegrama ao presidente da República, Epitácio Pessoa, que apoiava a sua candidatura, aos ministros da Guerra e da Marinha e ao marechal Hermes da Fonseca, explicando que a carta publicada era falsa.

De toda forma, o burburinho tomou conta da capital federal e dos meios militares e a grande imprensa expunha a crise entre Bernardes e militares aberta a partir da publicação da carta e alimentava-o, sem dúvida, ampliando o alcance do imbróglio. Embora o episódio tenha gerado desgastes à candidatura de Bernardes, ele venceu as eleições de março de 1922 e tomou posse em 15 de novembro daquele ano. Porém o estrago estava feito: as tensões entre Arthur Bernardes e determinados setores militares, antes mesmo de sua posse, extrapolaram o campo da política e emergiram para o confronto armado. As rebeliões militares atravessaram todo o seu conturbado governo e, de certa forma, criou a situação para que Bernardes governasse sobre estado de sítio, salvo em alguns poucos meses de seus 4 anos de mandato.

Dias depois das eleições, Oldemar Lacerda e Jacinto Guimarães confessaram que haviam falsificado as cartas por motivação política. As falsificações ocorreram quando ainda se discutia a possibilidade da candidatura de Hermes da Fonseca e, com as cartas, os falsários visavam impulsionar a candidatura do marechal, amigo de Lacerda, e comprometer a campanha de Arthur Bernardes. No dia 31 de maio de 1922, a imprensa publicou a história das falsificações, narrada por seu protagonista, Oldemar Lacerda.

Quando olhamos com a distância de 100 anos, parece-nos óbvio que as cartas não podiam ser atribuídas ao candidato mineiro Arthur Bernardes: as evidências da fraude eram muitas! Todavia, no calor da hora, muitos contemporâneos do episódio, agiram com a visão — e a razão — ofuscada pela emoção.

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