Opinião

A ampla defesa no processo administrativo disciplinar da Lei N° 10.460/88

Redação DM

Publicado em 16 de junho de 2016 às 02:58 | Atualizado há 9 anos

Na opinião de quem escreve este artigo, o cumprimento literal do rito processual previsto na Lei n° 10.460/88, não significa necessariamente respeito ao princípio da ampla defesa, que também deve ser observado no âmbito do processo administrativo disciplinar.

Para quem não conhece, a Lei mencionada é o Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado de Goiás e, dentre outros dispositivos, traz o regime disciplinar aplicável: infrações, suas penalidades e, a forma pela qual deve se desenvolver o processo administrativo disciplinar, que é o rito processual, dentre outros assuntos. Conforme consta na Lei, nos termos do seu art. 331, seja de rito ordinário ou sumário, o processo se inicia com a portaria inaugural do PAD, com a menção dos fatos imputados ao servidor e, é finalizado com o relatório final da comissão processante. Entre um ato e outro, estão a citação, o interrogatório, defesa prévia e, a instrução processual propriamente dita, com as oitivas de testemunhas, realização de diligências e produção de outras provas necessárias ao esclarecimento dos fatos. Ao fim, tudo é apreciado em alegações finais dos representantes da acusação e da defesa, e, é produzido o relatório final para julgamento.

O inciso III do § 1° e, o inciso III do § 2°, ambos do art. 331 da mesma Lei, já trazem em sua redação o primeiro ponto de possível desrespeito ao princípio da ampla defesa, pois estabelecem que “apresentada ou não a defesa prévia”, proceder-se-á à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, bem como à realização de diligências requeridas e ordenadas.

Ora, se não for apresentada a defesa prévia, como haverá a indicação de outras testemunhas e diligências que não as da própria acusação? E a defesa do servidor acusado, como fica? Se assim fosse, haveria desrespeito à ampla defesa no âmbito do processo administrativo disciplinar, pois, se permitiria a produção de provas requeridas apenas pela acusação.

Neste caso, corretamente, sob pena de invalidação dos processos e com fundamento no § 22, do art. 331 da mesma Lei, a Corregedoria Fiscal da Secretaria de Estado da Fazenda de Goiás, adota o posicionamento pacífico, de indicação de um dativo para apresentação da defesa prévia, de forma a suprir a ausência do defensor constituído e, isso, quando o próprio dativo não é nomeado para atuar desde o início do processo, caso o servidor não tenha condições de nomear um advogado. O parágrafo mencionado determina a aplicação subsidiária e supletiva, ao processo administrativo disciplinar, dos princípios gerais de direito e das normas de direito processual penal.

Na opinião de quem escreve, outra parte da Lei que pode acarretar possível descumprimento ao princípio, refere-se aos termos do inciso II do § 1°, e também aos termos do inciso II do § 2°, ambos do art. 331 da mesma Lei, segundo os quais a defesa prévia é o momento adequado para que as partes façam o requerimento das provas que julgarem pertinentes ao caso. Apresentada a defesa prévia, dar-se-á início à instrução processual em sentido estrito, que é a fase da produção das provas requeridas. Para alguns operadores do regime disciplinar da Lei n° 10.460/88, uma vez apresentada a defesa prévia, não cabe mais ao defensor constituído ou dativo requerer outras provas, em virtude da preclusão, por já ter sido a faculdade processual validamente exercitada.

Porém, oito anos de experiência em comissão processante demonstraram que no curso de uma instrução processual, pode ser levantado algum aspecto ou fato, cuja prova seja necessária e da qual decorra conclusão sobre o mérito do processo. Ou seja, mesmo apresentada a defesa prévia, pode ser necessária alguma investigação complementar para se afastar, ou mesmo confirmar, a infração supostamente praticada. A Segunda Comissão Permanente de Processos Administrativos Disciplinares, da Corregedoria Fiscal da Sefaz, que atuou entre os anos de 2007 e 2015, atendendo requerimentos extemporâneos, devidamente fundamentados, aprofundou algumas apurações de forma a se evitar possíveis punições injustas a servidores processados, devendo ser observado que requerimentos meramente protelatórios deverão ser recusados por meio de despacho fundamentado, conforme prescreve o § 18 do art. 331 da mesma Lei. Aliás, nos termos do inciso V do § 1°, do art. 331, se entender como necessárias, a comissão processante poderá realizar “diligências para dirimir dúvidas sobre ponto relevante ou suprir falta que prejudique o esclarecimento dos fatos”.

Estes são apenas dois exemplos de que a obediência cega ao rito processual previsto na Lei n° 10.460/88, pelos seus aplicadores, pode resultar em prejuízo à defesa de servidores processados, visto que esta Lei contém falhas e omissões, se mostrando ou revelando-se até inconstitucional em alguns pontos, uma vez que é anterior à própria Constituição Federal. Não à toa, foi constituído um grupo de trabalho, com servidores da Procuradoria-Geral do Estado, da Controladoria-Geral da Sefaz e, sendo possível a participação de membros de outras Pastas, com o objetivo de propor, via minuta de lei, uma alteração do regime disciplinar da Lei n° 10.460/88. Mas esta já é uma outra história.

(Rafael Bosco Ferreira Melo, chefe da Corregedoria Fiscal. Secretaria de Estado da Fazenda de Goiás)

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