A arte de viver com sabedoria
Redação DM
Publicado em 21 de junho de 2016 às 02:18 | Atualizado há 9 anos
Normalmente, as pessoas passam grande parte das suas vidas trabalhando. Frequentemente, sonham com a aposentadoria. Todavia, quando chega o momento esperado, às vezes constatam que não estão preparadas para desfrutar do tempo livre descortinado diante delas.
Certos entes especiais dão exemplo de otimismo, de sabedoria e de amor à vida. Entre eles, encontra-se a musicista judia tcheca, Alice Herz-Sommer, a mais velha sobrevivente do holocausto. Ela surpreende e emociona aqueles que conheceram sua história por intermédio dos seus depoimentos gravados em vídeos, como o emocionante The Lady In Number 6: Music Saved my Life (“A dama do Número 6: A Música salvou minha vida”) ou pela leitura de suas memórias reunidas no livro Um Século de Sabedoria, de Caroline Stoessinger.
Alice nasceu em Praga em uma família de intelectuais judeus. Teve uma educação exemplar. Pianista talentosa, por volta dos anos trinta, iniciou brilhante carreira de concertista. Na sua casa, emanava uma atmosfera de música, literatura e cultura. Incluía-se no círculo de amizade dos seus pais figuras de destaque como Kafka e Mahler. Desde cedo, convivia com escritores e compositores de uma maneira natural. Em Viena, assistiu à primeira apresentação da 2ª Sinfonia de Mahler em companhia da mãe. Depois foram cumprimentá-lo nos bastidores do teatro.
Antes da Segunda Guerra Mundial, a vida dos judeus na Tchecoslováquia, hoje República Tcheca e Eslováquia, transcorria em um ambiente tranquilo e produtivo. Depois da invasão nazista, em 1939, tudo mudou. A princípio, tiveram os bens confiscados; mais tarde, foram presos e levados de forma brusca e agressiva a lugares completamente desconhecidos por eles.
Alice presenciava atrocidades acontecerem ao seu redor, porém, o amor à música e à arte de tocar piano transportava-a para outra dimensão. Nessa época, confiscaram seu piano de cauda. Ela escondeu o outro pequeno e silenciou sua música. Um dia, um oficial alemão disse que havia pensado que ela fora levada como costumava acontecer com a maioria dos judeus, pois não estava ouvindo os sons da divina música que o ajudava a passar momentos difíceis de guerra. Porquanto ela resolveu voltar a tocar e nunca mais parou.
Sua mãe foi morta em Praga, em 1942. Em 1943, Alice, o marido e o filho foram transferidos para o campo de concentração de Theresienstadt. Posteriormente, seu marido foi designado para Auschwits. Em Therezin, ela tocava constantemente. Nesse lugar, foram alojados intelectuais, pesquisadores e artistas. Os músicos tiveram um destino melhor do que os outros prisioneiros. Os alemães queriam mostrar aos inspetores da Cruz Vermelha como era boa a vida nos campos. Organizaram uma orquestra que tocava para um público faminto e doente.
O ódio não existia no vocabulário de Alice. A pianista via na música um consolo para o sofrimento daqueles pobres miseráveis. Ela contribuía para manter um sentido de esperança e humanidade no gueto, onde reinava desconsolo e tristeza. A música era a magia que os ajudava a superar momentos dolorosos.
Alice conseguiu permanecer no campo até o fim da guerra. O marido faleceu de tifo, devido às condições precárias em que vivia. Ela escapou com seu filho Raphael, o qual se tornou um grande violoncelista, vindo a falecer com sessenta e cinco anos de idade. Moraram em Israel, onde Alice lecionou piano no Conservatório de Jerusalém até 1986, quando se mudaram para a Inglaterra.
Alice viveu muitos anos após sua aposentadoria. Faleceu em 2014, em Londres, com cento e dez anos de idade. Lúcida até o fim, jamais perdeu a alegria de viver. Habitava um bairro tranquilo a oeste da cidade. A dama do número 6 estudava três horas por dia. Quando ela colocava os dedos no teclado, os vizinhos diziam: “São dez horas, ela começou a tocar”.
Os indivíduos deveriam descobrir as atividades que lhes dão prazer, preencher o tempo livre de que dispõem da melhor maneira possível e se permitirem ser felizes. Depois de ver o sofrimento que essas pessoas enfrentaram durante a guerra, sem falar das atrocidades que acontecem diariamente, chega-se à conclusão de que todos os problemas pouco significam perto dos horrores enfrentados por esses povos. Portanto, o segredo da felicidade seria amar a vida, ter o coração aberto, rir e transmitir alegria.
(Alba Dayrell, membro da Academia Feminina de Letras e Artes(AFLAG), da União Brasileira dos Escritores(UBE)e professora aposentada da UFG)