A árvore da vida
Diário da Manhã
Publicado em 20 de dezembro de 2016 às 01:41 | Atualizado há 8 anosContinua… Insistentemente todos os praticantes da Teurgia do passado que a augusta filosofia que serve de base à teoria e técnica da magia, sendo tão importante quanto o trabalho prático e uma necessidade radical que deve preceder esse trabalho, constitui um pré-requisito para qualquer discussão adicional. Na verdade, dificilmente teremos um efetivo entendimento da base racional da magia e certamente nenhuma compreensão das complexidades que ocorrem no interior e no exterior da constituição do mago se o fundamento filosófico não estiver firmemente assentado em sua mente. Se há perigo na busca da magia, esse perigo só surge quando o operador não dispõe de conhecimento preciso do que está fazendo. É de uma compreensão inteligente do significado dos símbolos do oculto e das realidades que eles, em primeiro lugar, visam a comunicar que a eficácia dos ritos depende muito. Os símbolos e acessórios da magia nas mãos profanas de alguém não familiarizado com os fundamentos da arte indubitavelmente não produziriam os corretos efeitos taumatúrgico. Contudo, o mero conhecimento intelectual desses princípios arcanos é de pouca valia se não houver experiência espiritual. Em contrapartida, a investigação mágica do universo e sua consequente compreensão espiritual na consciência assumem maior dignidade, e implicação e profundidade mais férteis se apoiadas numa compreensão teórica.
Em sua recente obra, Os mistérios do Egito, “Lewis Spence” afirmou que o sistema filosófico da magia reuniu e tornou manifestos toda a sabedoria e conhecimento arcano do mundo antigo, que foram assim cristalizados e sistematizados de tal maneira que tivessem sido eles preservados de uma forma não adulterada, teriam certamente poupado épocas posteriores de muitas catástrofes religiosas. “Mas graças à indolência e negligência de seus preservadores e talvez através das influências que lhes eram impingidas de fora, sua primitiva beleza divina foi gradualmente perdida até, finalmente, restar apenas o esqueleto de seus rituais e cerimônias”.
Saibam que foi nas religiões esotéricas ortodoxas que alguns dos vários fragmentos esparsos do esqueleto mágico foram retidos, em sua maior parte ineficazes e incompreensíveis para a maioria devido à inescrupulosa adulteração. Mas a essência da magia, sua “primitiva beleza divina”, foi preservada por mãos altruístas e cuidada zelosamente em mentes sublimes, e se houver muita aplicação, pode até ser compilada em publicações. Nos trabalhos gnósticos, inclusive nos escritos neoplatônicos, nas propositais obscuridades dos alquimistas, em meio à literatura procedente dos “Rosa-cruzes” – em tudo isso temos a possibilidade de encontrar vestígios luminosos da filosofia e prática dessa magia da luz que, cuidadosamente reunidos sobre a base sintética suprida pela Árvore da Vida, formam um sistema sublime e funcional que concede a luz da compreensão a todos aqueles que queiram contemplá-la. Os principais ingredientes do sistema mágico são a Árvore da Vida Kabbalística, que é a fonte de referência, e a religião hierática da casta sacerdotal do Egito. Existe, devo mencionar – deixando a interpretação a critério do leitor – a lenda segundo a qual a Kabbalah foi recebida por Moisés como uma custódia sagrada no Sinai, que ele a entregou a Josué, o qual a entregou, por sua vez, aos juízes, e estes ao Sinédrio, até que finalmente os Tanaim e rabinos posteriores se apoderaram dela e a trabalharam. Outras pessoas sustentam com convicção que se essa pessoa chamada Moisés existiu historicamente e se a Kabbalah e seus corolários se originaram dele, ele a obteve dos sacerdotes egípcios, em companhia dos quais ele sem dúvida estudou nos templos do Nilo. Poucos países no mundo, exceto a Índia, talvez, podem se gabar de uma crônica de tradição mística e mágica tão eloquente quanto o Egito, que com justiça recebeu o título de matriz da magia. Se a Kabbalah é ou não realmente oriunda dos egípcios ou qualquer outro povo é um ponto discutível, não havendo, apesar da lenda e da especulação extravagante, nenhuma evidência histórica autêntica nesse sentido. Contudo, a Teurgia prática dos egípcios se harmoniza notavelmente bem com as teorias filosóficas da Kabbalah, e a experiência de uma multidão de magos tende a nos fazer crer que dificilmente poderia haver uma combinação mais adequada ou mais satisfatória.
Consequentemente, apresentarei aqui uma Consequentemente, uma exposição dos princípios subjacentes do universo tais como concebidos pelos magos e um estudo daquilo que forma necessariamente a base de todo o trabalho prático.
Essa concepção do universo será resumidamente enunciada nos termos filosóficos da Kabbalah, e entremeada em torno da estrutura central da Árvore da Vida. “Quem penetra no santuário da cabala é tomado de admiração à vista de um dogma tão lógico, tão simples e ao mesmo tempo tão absoluto. A união necessária das ideias e dos signos, a consagração das realidades mais fundamentais pelos caracteres primitivos, a trindade das palavras, letras e números; uma filosofia singela como o alfabeto, profunda e infinita como o Verbo; teoremas mais completos e luminosos que os de Pitágoras; uma teologia que se condensa contando pelos dedos; um infinito que pode caber na palma da mão de uma criança; dez algarismos e vinte e duas letras, um triângulo, um quadrado e um círculo: aqui está a totalidade dos elementos da Kabbalah. São os princípios básicos do Verbo escrito, reflexo desse Verbo que criou o mundo!” – Assim pensava Lévi, e na verdade é preciso concordar sinceramente com ele, pois o admirável fundamento da Kabbalah é uma simples estrutura matemática de símbolos, números e nomes, que emprega dez números e as letras do alfabeto dos anjos, como foi denominado o alfabeto hebraico. A matemática sempre foi considerada uma ciência divina pelos discípulos da filosofia esotérica, particularmente entre os Pitagóricos, prefigurando, como o faz por meio do número os processos criativos tanto do universo quanto do desenvolvimento do ser humano. Diversos magos sustentaram que foi pelas ideias expressas no número que a natureza foi concebida no seio do espaço infinito. Dessas ideias universais brotaram os elementos primordiais, os imensos ciclos do tempo, os corpos cósmicos e toda a gama de transformações celestes.
Como os números eram os meios ou os símbolos pelos quais o significado das ideias universais abstratas podia ser compreendido, ao longo do tempo acabaram sendo substituídos pelas próprias. Os filósofos do número eram ensinados no início de seus estudos a pensar em crescimento e desenvolvimento em termos do número, a considerar as realidades cósmicas em seus estados progressivos como a sequência da progressão numérica. Os números se tornaram identificados com esses vários estados. Consequentemente, na filosofia mágica aludir ao zero, por exemplo, significa sugerir em primeiro lugar a essência imanifesta do universo antes mesmo do nascimento das palavras, o ilimitado e a imutabilidade do espaço infinito no qual não há nem estrelas nem sóis, nem planetas nem homens. O círculo, um zero (0) na sua forma, era assim considerado como sendo uma representação adequada daquela realidade primordial que proporcionara existência a todas as coisas vivas e seres vivos em toda a vastidão do espaço. O ponto, metafísico e espiritual, que aparece num acordo estrito com a lei cíclica, era representado por um traço ou uma linha estendendo-se do alto à base do círculo, uma figura ereta do um. O próprio número passou então a indicar o processo de germinação dos mundos. Cada número, em virtude do processo evolutivo ao qual originalmente se aplicava, consequentemente significava o próprio processo. Por conseguinte temos a base racional das figuras geométricas, dos selos e dos símbolos empregados nas cerimônias mágicas. À medida que a filosofia da Kabbalah for revelada, o leitor perceberá quais são as implicações fundamentais na raiz dos signos e símbolos usados pela teurgia. E será percebido claramente que não se trata mais de signos arbitrários de conotação dúbia, mas sim de realidades rigorosas investidas de uma augusta verdade. Devo pedir insistentemente ao leitor, entretanto, que seja paciente comigo por enquanto neste e nos artigos subsequentes, visto que estou lidando com um assunto sumamente complexo e difícil. Não importa quão bem se apresenta uma simplificação para o estudo geral, ela sempre exigirá uma detida atenção e muita aplicação.
Acima de tudo a filosofia da Kabbalah é uma filosofia da evolução. O universo, com todos seus planetas, mundos e seres independentes, foi concebido como a emanação de um princípio-substância primordial que alguns chamaram de Deus, de Absoluto, de Infinito, de Todo e assim por diante. Na Kabbalah, esse princípio, que é a Realidade Única, é chamado de Ain Soph, o Infinito. O S epher haZohar, talvez o mais importante dos textos Kabbalísticos, o concebe imutável, incognoscível para a mente, ilimitado, imanifesto e absoluto. Além de toda compreensão intelectual em Si, visto que jamais poderia ser abarcado por uma mente que é apenas um segmento, afirma-se ser ele ainda. Visto que ultrapassa efetivamente toda compreensão finita, sendo suas vastidões imutáveis e ilimitadas para a mente humana, cuja especulação mais profunda seria incapaz de aproximar-se do mais vago esboço do que Ele é em Si, forçoso é que permaneça sempre um vazio misterioso – nada, nenhuma coisa. Nesse sentido, a concepção gráfica dos antigos egípcios mostra-se bastante expressiva, bem como pitoresca. O céu, ou espaço anterior a toda manifestação, era concebido como o corpo nu da Deusa Nuit, a rainha do espaço infinito, de seus seios brotando o leite das estrelas, as águas primordiais da substância.
Tudo o que pode ser dito de verdadeiro dessa Realidade Absoluta e Suprema é que ELA É. Isto tem que bastar. Onipresente, eterno e existente – essas são ideias que transcendem mesmo os mais sublimes voos da imaginação treinada, abstrações além da apreensão das mentes mortais. Um dos símbolos dessa potencialidade do Ain durante um período de repouso é um círculo, significando que tudo tendo sido recolhido à homogeneidade, o movimento retorna perpetuamente para si mesmo, como no grifo a cauda da serpente se recolhe e é tragada pela cabeça.” O Símbolo de Ouroboros.”
O círculo só é interrompido, por assim dizer, pela lei da periodicidade. Essa lei, que a tudo afeta e que é inerente à própria natureza das coisas, governa o constante fluxo e refluxo, aparecimento e desaparecimento dos mundos. A potencialidade do Ain Soph é apenas refletida mediante a emanação de si mesmo do alento de criatividade, com o começo de um ciclo quando a Vida Una é polarizada no espírito e matéria. A ruptura do círculo de movimento incessante é realizada por uma contração de sua Luz Infinita, por uma colocação de um ponto minúsculo de refulgência cintilante nos confins do espaço. Como foi efetivada essa concentração de luz num centro cósmico, qual sua obscura origem, somos incapazes de dizê-lo. Há explicações confusas quanto à Vontade do Ain Soph ou à lei dos ciclos, mas elas realmente não nos conduzem a uma satisfatória compreensão inteligente. Num caso, é inteiramente impossível conceber uma condição espiritual tão infinita e tão abstrata como o Ain Soph possuindo uma Vontade que possa ser posta em operação, tanto quanto possuindo uma mente ou um corpo. Segundo a tradição filosófica, Ain Soph não é nem Espírito nem Vontade, mas sim a causa subjacente de ambos; não é força ou matéria, mas aquilo que serve de base a elas, sua causa última. No segundo caso, o postulado da lei cíclica que pretende dar conta do aparecimento do centro de luz trata de algo independente do Ain Soph ou que impõe necessidade sobre ele. Se a lei cíclica é identificada com o Absoluto, o postulado se torna idêntico à Vontade de manifestação. Em qualquer dos casos, desde que concordemos no domínio da teurgia que a razão não pode ser o árbitro final no que diz respeito a isso e questões metafísicas similares, a tradição filosófica será simplesmente aceita como afirmação árida, sem a pretensão de esforçar-se para suprir explicações racionais para um centro cósmico de esplendor surgido no espaço.
(George Oliveira, jornalista. George Oliveira / Facebook. georgeoliveira777 / Instagram, @georgeoliver777 / Twitter)