A blindagem dos ministros do STF
Diário da Manhã
Publicado em 2 de agosto de 2018 às 23:30 | Atualizado há 7 anos
O leitor sabe, por acaso, a origem do ministro Dias Toffoli, ex-presidente do TSE, que presidiu a eleição de Dilma Rousseff em 2014, e será próximo presidente do STF?
Em artigo anterior, fiz uma panorâmica sobre como são nomeados os membros das Cortes Superiores, mas como o espaço era pouco, e os personagens, abundantes, ficaram alguns de fora. Mas, complementando a matéria (sem nem de longe esgotá-la), hoje abordo um que entrou no Judiciário exatamente onde todos deveriam terminar a carreira: o ministro José Antônio Dias Toffoli.
Sobre ele podemos dizer, sem risco de errar: nunca fez pós-graduação, mestrado ou doutorado; em 1994/1995, foi reprovado em dois concursos para juiz estadual em São Paulo; depois disso, abriu um escritório e começou a atuar em movimentos populares. Nessa militância, aproximou-se do deputado federal Arlindo Chinaglia e deu o grande salto na carreira ao unir-se ao PT. Em Brasília, aproximou-se de Lula e José Dirceu, que o escolheram para ser o advogado das campanhas 1998, 2002 e 2006. Com a vitória de Lula, foi nomeado Subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, então comandada por José Dirceu. Com a queda do chefe, pediu demissão e voltou à banca privada. Longe do governo, trabalhou na campanha para a reeleição de Lula, serviço que lhe rendeu um milhão de reais em honorários. No segundo mandato, voltou ao governo como Advogado-Geral da União, nomeado por Lula em 2009.
Mas sua vida não traz ficha limpa, como se exige de um ministro: ele foi condenado pela Justiça em dois processos que correm em primeira instância no estado do Amapá. Em termos solenemente pesados, a sentença mais recente manda Toffoli devolver aos cofres públicos a quantia de R$ 700.000,00 (setecentos mil reais) dinheiro recebido “indevida e imoralmente” por contratos “absolutamente ilegais”, celebrados entre seu escritório e o governo do Amapá. Um dos empecilhos mais incontornáveis para ele é sua visceral ligação com o PT, especialmente com o ex-ministro José Dirceu, o chefe da quadrilha do “mensalão”. De todos os ministros indicados por Lula para o Supremo, Toffoli é o que tem mais proximidade política e ideológica com o partido. Sua carreira confunde-se com a trajetória de militante petista; essa simbiose é a única justificativa para tê-lo encaminhado ao STF. Daí a estranheza com que foi encarada sua transferência para a 2ª Turma do Supremo, que julga os casos da “Lava Jato”, como foi estranhíssima sua conduta como presidente do TSE na reeleição de Dilma.
O último indicado e nomeado, Luiz Edson Fachin, tinha histórico de militante petista, entusiasta assumido do projeto de poder do PT, e chegou a fazer campanha para a Dilma. Em outubro de 2010 Fachin foi o porta-voz de um manifesto de juristas em favor da eleição de Dilma. Submeteu-se à mais longa sabatina do Senado, saindo-se airosamente, e depois mostrou que não está pagando a nomeação com favores ao partido que o encaminhou ao STF, pois tem-se mostrado imparcial e competente condutor da fase judicial da Operação Lava Jato no tangente aos então detentores de privilégio de foro.
Em setembro de 2013, segundo a “Coluna do Augusto Nunes” da revista Veja (01/09/2013), o ministro Dias Toffoli não se deu por suspeito para julgar processo em que é parte o Banco Mercantil do Brasil (que lhe concedera empréstimos “de mãe para filho”). E o jornal O Estado de S. Paulo, em matéria assinada pelos jornalistas Fábio Fabrini e Andreza Matais (30/08/2013), já estampava: “Ministro do STF é o relator de ações do banco em que obteve empréstimo milionário”, mesma manchete do blog “Espaço Vital” daquela data. E Toffoli, que foi advogado do PT, já vinha sendo acusado de privilegiar aquele partido em seus votos, mesmo antes do mensalão (e durante este). O blog “Alerta Total” de 17/06/2013, estampa: “Dias Toffoli terá de explicar por que segura, no TSE, processo que condena contas do PT de 2002. Mas quando se trata de juiz e desembargador, talvez não saia na imprensa, mas entra nos autos das rigorosas investigações do Conselho Nacional de Justiça, o temido CNJ.
Em 2011, chegou à Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal uma “denúncia” por crime de responsabilidade contra o ministro, assinada pelo Procurador da Fazenda Nacional Matheus Faria Carneiro, que ressaltou ter tomado a iniciativa na condição de cidadão, não em função de seu cargo.
Carneiro argumentou que o ministro Toffoli teria incorrido em crime de responsabilidade ao participar de julgamentos em que deveria ter declarado suspeição. O procurador cita o caso específico do Banco Mercantil, onde o ministro contraiu empréstimo em 2011. Posteriormente, Toffoli participou de julgamentos que envolviam o banco. Ele fizera dois empréstimos no valor de R$ 1.400.000,00 no Mercantil, a serem quitados em 17 anos. Após decisões em processos do Banco, Toffoli conseguiu descontos nos juros dos dois empréstimos. A alteração assegurou-lhe economia de R$ 636.000,00 nas prestações a serem pagas. Após os dois empréstimos, Toffoli assumiu a relatoria de dois processos proferindo decisões em favor do Banco Mercantil. O Senado tinha a obrigação moral de levar o caso adiante, por ser parcialmente responsável pela nomeação de Toffoli – os ministros do STF devem passar por sabatina no Senado e ter seus nomes aprovados pelo Plenário antes de empossados.
O povo, através de movimentos pelas redes sociais, clama pelo “impeachment” de três dos cinco ministros da famigerada Segunda Turma do STF (Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski), useira e vezeira em tratar com mimos os corruptos, e recentissimamente Toffoli não só mandou soltar Zé Dirceu, condenado em segunda instância, como “passou um apagador” na vida pregressa, proibindo até que ele usasse tornozeleira eletrônica, só para citar o caso mais recente. Quanto a Gilmar Mendes, nem compensa citar seus atos, pois ele adota uma exegese própria na letra da Constituição, que deixa até o leigo de boca aberta.
Mas, convenientemente, o processo de “impeachment” de um ministro do STF é muito complexo e longo, embora possível. A Lei nº 1.079/50 (Lei do “Impeachment”), ainda em vigor, no seu artigo 2º, autoriza processar e condenar ministros do STF por crimes de responsabilidade, como “proferir julgamento quando o julgador for suspeito na causa, exercer atividades político-partidárias, ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo, proceder de forma incompatível com a honra, a dignidade e o decoro de suas funções”. Será que não se acha um enquadramento para os ministros da Segunda Turma, que o povo quer ver pelas costas?
Ao contrário do pedido de impedimento de um presidente da República, que se inicia na Câmara dos Deputados, a acusação contra membro do STF começa e se conclui no Senado. Aceita a denúncia pela Mesa, é instalada uma comissão especial de 21 senadores, que realiza diligências e decide se o pedido tem fundamento. Se a comissão opinar pela procedência, fazem-se investigações, ouvem-se testemunhas, e a comissão emite parecer, e se, por maioria simples, entender que a acusação procede, o acusado é suspenso de suas funções e o denunciante apresenta seu libelo; o acusado tem direito a se defender. Depois, o processo é encaminhado ao Supremo, que presidirá o julgamento no Senado. E a partir daí se assemelha a um júri, só que em vez de 7, terá 81 jurados (senadores). Diferentemente do júri popular, onde o voto é secreto, a votação é nominal e aberta. E o ministro só será considerado culpado se a votação atingir dois terços dos senadores presentes. Atingindo os dois terços, o ministro é afastado do cargo.
Mas o assunto não fica por aí: dentro de cinco anos, o presidente do STF deve fazer a mesma pergunta aos senadores, e aí, sim, se dois terços responderem afirmativamente, ele perde o cargo definitivamente.
Que eu saiba, foi o primeiro caso que surgiu. Que, previsivelmente, não deu em nada: a Mesa do Senado rejeitou a denúncia e mandou arquivá-la, por inépcia. Outros vieram, mas foram arquivados sumariamente pelo presidente do Senado, Casa cujos membros têm os rabos amarrados nos do Supremo.
Agora se ensaiam alguns pedidos de “impeachment” dos membros da Segunda Turma, que não vão também dar em nada, apesar dos absurdos por eles cometidos e que vêm de longe: os alvarás de soltura para Roger Abdelmassih, Eike Batista, os mafiosos do transporte urbano do Rio, sem se falar no “histórico” julgamento da chapa Dilma/Temer, para não citar outros.
Os “bandidos de toga” lá de cima continuarão aprontando nessa ditadura do Judiciário. E os magistrados aqui de baixo, continuarão a ser condenados pelos lá de cima.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa – AGI e da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas – Abracrim, escritor, jurista, historiador e advogado – liberatopo[email protected])