A confusa promoção de um desembargador no Tocantins
Diário da Manhã
Publicado em 30 de junho de 2017 às 00:38 | Atualizado há 8 anosEm novembro de 1998, Luiz Gadotti, era um juiz do interior (Comarca de Colinas), amigo de longa data do governador Siqueira Campos e que, segundo fontes não confirmadas, mantinha laços de parentesco com a então Primeira Dama, D. Aureny Siqueira Campos, e fora também advogado de Siqueira Campos quando deputado, seria um dos escolhidos para as quatro vagas, que levaram ao Tribunal Willamara Leila, Daniel Negry e Dalva Magalhães, de acordo com as costumeiras articulações nos bastidores. Hábil político, inteligentíssimo e sobretudo calculista, e tendo na mão o Tribunal sob a Presidência do desembargador João Alves, e como Gadotti não figurava entre os 20% dos mais antigos em exercício, achou uma solução: foi editada a Lei Complementar n. 16, de 13 de novembro de 1998, alterando a Lei Complementar nº 11/96.
O art. 75 da citada Lei Orgânica do Judiciário tocantinense (que não tinha parágrafo) dispunha que “A promoção, a remoção, a permuta e o acesso aos quadros da magistratura de carreira são regulados pelo que dispõem a Constituição da República, o Estatuto da Magistratura Nacional e esta Lei Orgânica.”
Com a articulação do Executivo, e a anuência do Judiciário, a lei teve acrescentado um parágrafo único: “Na promoção pelo critério de merecimento, para a fixação da primeira quinta parte da lista de antiguidade, considerar-se-á o número total de cargos da entrância.”
A nomeação do desembargador Luiz Aparecido Gadotti foi respaldada no parágrafo único do artigo 75 da Lei Orgânica da Magistratura Tocantinense (Lei Complementar n. 10/1.996), a qual permitia que o juiz de direito que figurasse dentro do quinto das vagas existentes na 3ª Entrância pudesse concorrer ao Tribunal. Antes, poderiam figurar na lista apenas os que estivessem no quinto das vagas ocupadas, e não as existentes.
Embora Luiz Aparecido Gadotti fosse juiz do interior (Colinas) e estivesse fora do quinto convencional (ou seja, estava fora dos 20% dos juízes de 3ª Entrância em atividade) foi contemplado neste chamado “quinto fictício”.
Tal situação levou a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) a ajuizar no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 1.970/99, questionando a constitucionalidade do Parágrafo Único do art. 75 da Lei Orgânica da Magistratura Tocantinense (Lei Complementar nº 10/96).
O Relator da ADI, Ministro Nelson Jobim, após ouvir a Assembleia Legislativa e o Governador do Estado do Tocantins, levou o assunto ao Plenário, e o STF, em 1º de julho de 1999, por unanimidade, deferiu o pedido de liminar, para suspender, até decisão final da ação direta, a eficácia do parágrafo único do art. 75 da Lei Complementar nº 11, de 11/1/1996, com redação dada pelo art. 1º da Lei Complementar nº 16, de 13/11/1998. Consta da Ata da Sessão do dia 1º/07/1999 do STF:“O Tribunal, por unanimidade, deferiu o pedido de medida liminar, para suspender, até a decisão final da Ação Direta, a eficácia do Parágrafo Único do Art. 75 da Lei Complementar nº 10, de 11/01/1996, com a redação dada pelo Art. 1º da Lei Complementar nº 16, de 13/11/1998, ambas do estado de Tocantins, tudo nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello”.
Com isto, a nomeação de Gadotti seria nula. No dia seguinte ao deferimento da medida liminar (02/07/1999), foi encaminhado o Ofício n. 100/P-MC, à Assembleia Legislativa, e o Ofício n. 101/P-MC, ao governador do Estado do Tocantins, ao mesmo tempo em que foram encaminhadas, via Telex, as Mensagens 678 ao governador do Estado, e a 679, à Assembleia Legislativa, comunicando o resultado do julgamento da liminar. Isto queria dizer que, uma vez publicada a decisão, o desembargador Luiz Aparecido Gadotti poderia ser afastado sumariamente. Todavia, até ser publicado o acórdão, iria transcorrer o recesso de julho, e o governador ganharia tempo para achar uma solução.
Como o Tribunal de Justiça era, na época, presidido pelo desembargador João Alves da Costa, amigo pessoal do Governador, com quem chegou a morar alguns meses no início do Estado, não foi difícil o Governador conseguir encaminhar às pressas à Assembleia Legislativa projeto de lei para revogar Lei Complementar nº 16/98 que acrescentara o parágrafo único ao art. 75 da Lei Complementar n. 10.
Mais fácil ainda foi a votação e evidente aprovação do projeto de lei, pois o Governador possuía maioria folgada na Casa de Leis, na época presidida pelo Deputado Luiz Tolentino, que, às pressas, comunicou o fato ao STF, requerendo que não fosse julgado o mérito da ADI, requerimento esse acatado pelo ministro relator, pois o pedido estava prejudicado por perda de objeto (a lei questionada não existia mais).
Assim, o desembargador Luiz Aparecido Gadotti ficou nomeado por uma lei que foi editada só para ele, posteriormente revogada pelo art. 3º da Lei Complementar Estadual n. 26, de 16/12/2000, publicada no Diário Oficial do Estado de 20/12/2000. E mais, ao ser nomeado, ocupou a décima-primeira vaga, que deveria ter sido provida pelo quinto constitucional por membro integrante da advocacia tocantinense, e não por integrante da magistratura. Houve, portanto, descumprimento de preceito fundamental, haja vista o desobediência ao processo e aos procedimentos atinentes à nomeação do desembargador Luiz Aparecido Gadotti.
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, inconformado com o fato, ingressou, em 21/07/2005, com a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 76/05, distribuída, no Supremo, para o Ministro Gilmar Mendes, que, no dia seguinte despachou, solicitando informações.
A ADPF nº 76, proposta há doze anos, ainda tramita no Supremo, e, logicamente, o cargo do desembargador Luiz Gadotti ainda hoje se, sub judice. Distribuída ao ministro Gilmar Mendes em 20/07/2005, está tramitando com marchas e contramarchas, tendo sido redistribuída à ministra Rosa Weber em 19/12/2011. Vamos aguardar o desenrolar do processo, já que o Conselho Federal da OAB está acompanhando de perto o caso.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa (AGI), escritor, jurista, historiador e advogado, liberatopo[email protected])