A crise na Venezuela: o posicionamento do Brasil
Diário da Manhã
Publicado em 21 de dezembro de 2017 às 22:12 | Atualizado há 7 anos
Desde a redemocratização do Brasil, na década de 1980, todos os governos brasileiros têm dado prioridade, na política externa, às relações do País com seus vizinhos e ao fortalecimento da integração regional na América do Sul. Pelo tamanho de seu território, sua população e o peso de sua economia, o Brasil tem grande influência na região, em virtude disso tem buscado exercer um papel de liderança na América do Sul, participando dos principais temas diplomáticos relacionados às nações sul-americanas, entre os quais, por exemplo, as crises na Venezuela.
No final do ano de 2002, as tensões entre os seguidores de Hugo Chávez e a oposição venezuelana intensificaram-se muito, o que ocasionou vários protestos no país e uma greve geral que paralisou a indústria do petróleo, base de sua economia. No Brasil, o então presidente Fernando Henrique Cardoso, já em final de mandato, preocupava-se com os efeitos que a crise traria à região e buscou se entender com Lula, o presidente eleito, para que algo fosse feito, sem violar o princípio da não intervenção.
Em 1º de janeiro de 2003, após tomar posse, Lula engajou-se na busca de uma solução para a crise venezuelana. Assim sendo, o Brasil propôs a criação de um “Grupo de Amigos da Venezuela”, os quais buscariam manter o diálogo entre o governo e a oposição venezuelana a fim de encontrarem uma saída para a crise. Participariam do referido grupo Brasil, Chile, Espanha, Estados Unidos e Portugal. A princípio, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, aquiesceu à ideia, mas tencionava que o grupo fosse formado somente por países que o apoiavam. Mas isso certamente não seria aceito pela oposição e os impasses iriam continuar, pois não se tratava de um grupo de amigos do presidente Hugo Chávez, e sim de um grupo de amigos dos dois lados envolvidos na crise: o governo da Venezuela e a oposição. Era preciso manter o diálogo com os dois lados. Após uma conversa com o presidente Lula sobre o assunto, Chávez entendeu a situação e concordou com a criação do grupo. À face disso, os países participantes ajudaram a intensificar as negociações entre o governo e a oposição e sugeriram a realização de um referendo que pedia a saída de Hugo Chávez da presidência em 2004. Chávez, no entanto, venceu o referendo e garantiu sua permanência no comando do governo, o que pôs fim à crise venezuelana na época.
Conversar com os dois lados — como deve ser feito para encontrar-se uma solução para as crises internacionais — era algo que a política externa do presidente Lula e de seu chanceler, Celso Amorim, preocupava-se em fazer. Além da crise na Venezuela, isso também aconteceu em outros casos, como na do Irã, em 2010, por exemplo. A política externa de Lula e Amorim ficou marcada por uma participação mais ativa e dinâmica do Brasil no cenário internacional, o que, portanto, levava o País a envolver-se com as crises internacionais que surgiam.
Porém o atual governo brasileiro não demonstra a mesma preocupação em ter uma política externa mais ativa, atuante nos problemas da região e que exerça seu papel de liderança na América do Sul. Com efeito, o atual governo não se interessa em realizar essa política, não tem aptidão para tal nem conta com prestígio internacional. E a Venezuela, novamente, pode ser usada como exemplo.
Quando assumiu o Ministério das Relações Exteriores, em maio de 2016, José Serra já dava sinais de que uma política externa como a dos anos petistas não aconteceria. Em seu discurso de posse no Itamaraty, criticou o multilateralismo e nem sequer mencionou alguns temas importantes para a diplomacia brasileira, como a busca de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Em entrevista ao programa Roda Viva, ao ser perguntado sobre qual seria a participação do Brasil na atual crise venezuelana, Serra disse que o Brasil iria pressionar o governo de Nicolás Maduro junto à opinião pública mundial, mas descartou a possibilidade de mediar a crise, alegando que mediar não é algo que se impõe e que o Brasil não pode invadir a Venezuela.
Realmente, o Brasil não pode promover uma invasão, já que isso violaria o princípio da não intervenção. Mas é possível ajudar as forças políticas na Venezuela sem promover invasões. Mediar não é algo que se impõe, mas por que o governo não poderia simplesmente dialogar/negociar com a Venezuela e, a partir daí, propor uma solução para a crise? Simplesmente porque o governo de Michel Temer não tem a mesma visão de política internacional e vontade de projeção maior do Brasil no mundo que tinham Lula e Amorim, o que leva o País a ter um papel menos ativo nas crises internacionais e no próprio cenário internacional. De fato, como disse Serra, o Brasil condenou veementemente os acontecimentos na Venezuela, todavia não buscou dialogar com o governo de Maduro para que a crise chegasse ao fim.
Recentemente, houve tentativas por parte de outros países, como Bolívia, Nicarágua, México e Chile, em mediar a crise venezuelana entre o governo e a oposição, entretanto o Brasil não participou dessas negociações. O atual ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, fez uma declaração que deixa mais evidente ainda o afastamento do Brasil do tema em questão. No dia 21 de setembro de 2017, o chanceler disse que “O Brasil não pode ser mediador, nós temos um lado muito definido”. Ou seja, o País não pode ser mediador porque, na atual crise venezuelana, optou por ficar apenas de um dos lados. Várias vezes, a política externa dos governos petistas foi acusada de ideológica. Ela era mesmo, porém mantinha o diálogo com todas as partes envolvidas. Já o atual governo, além de não ter a mesma visão de política internacional, diz-se não ideológico, mas só conversa com um dos lados: a oposição venezuelana.
O posicionamento do Brasil na crise na Venezuela explica não só o fato de, atualmente, não participar dos esforços de mediação como, também, de estar menos atuante no cenário internacional. Não é possível encontrar uma solução pacífica para as crises internacionais mantendo diálogo somente com um dos lados. E, no caso em questão, o não envolvimento do Brasil acaba esvaziando parte da liderança brasileira na região sul-americana. Tudo isso demonstra que, a longo prazo, o Brasil terá que rever a forma atual de posicionar-se em face dos principais temas internacionais e de dialogar com as partes envolvidas.
(João Batista de Oliveira Neto, graduado em Relações Internacionais pela Universidade Católica de Brasília, especialista em Relações Internacionais pela UnB)