A democracia e o palanque nas redes sociais
Diário da Manhã
Publicado em 7 de março de 2017 às 02:21 | Atualizado há 8 anos
Inglória a tarefa de alcançar informação reconfortante ou minimamente confiável nas redes sociais. Os posicionamentos agressivos, extremistas e antidemocráticos disputam visibilidade com imagens de animais, vídeos nem tão engraçados assim, em um barroquismo informacional contemporâneo. De modo assustador, vemos pessoas que se dizem democráticas se desfazerem da maioria e se posicionarem autoritariamente como detentoras da verdade, da opção correta, dos desígnios do mundo. E ainda afirmam que a maioria está acabando com a democracia. Talvez estejamos gerando um paradoxo social: se a maioria se posiciona de um modo desacreditado por uma minoria, seria democrático essa minoria definir um caminho para a sociedade? Ou seria mais sensato levantar discussões, com base em argumentos?
Paradoxos à parte, é preocupante o número de replicações de notícias falsas, posicionamentos questionáveis e uma expressão desregrada, impensada e inconsequente. As redes sociais são de acesso público e, mesmo quando estamos em contextos fechados, como em grupos de amigos, a lógica da ressonância cibernética (buzz na rede) faz com que os posts prosperem e alcancem públicos diversos em tempos diversos. Isso equivale dizer que todas as nossas postagens são públicas e atemporais, passíveis de serem enviadas para toda e qualquer pessoa, hoje, amanhã ou daqui a dez anos. Esse ambiente exige, por si, responsabilidade. Eticamente deveríamos pensar se cada postagem que fazemos reflete de fato o que pensamos, e se este pensamento é passível de exposição pública, para todo o sempre. Ainda que não saibamos o que virá, responsabilidade e ética são a dose necessária para que não soframos amanhã as consequências de nossas ações hoje.
A responsabilidade e a democracia correm risco nas redes sociais, nos comentários e replicações de má fé que perambulam pela Internet. A ferocidade nas respostas e comentários, maldosos e falseados em sua maior parte, ignorantes e ingênuos em outra parcela, desvia discussões. Em boa parte das vezes, o argumento se perde, quanto ele existe, e a regra passa a ser a agressão verbal, a imposição autoritária baseada na crença de que a expressão, garantida em nossa constituição, se sobrepõe à lei, à ordem e à sociabilidade.
O sociólogo francês François Dubet construiu uma perspectiva de análise da experiência social baseada em três dimensões lógicas: a estratégica, que remete ao útil; a de integração, que remete ao social; e a subjetiva, que remete à realização subjetiva. Nesse escopo, seria lícito analisar o comportamento tido nas redes sociais, como ambiente de interações. Na dimensão da lógica estratégica, os falseamentos e a má fé tem endereçamento certo, a saber, provocar instabilidade, dúvida. Essa ação contraria a construção do discernimento social. Nesse sentido, o pretendido é a ignorância, na mais acintosa afronta social possível. Na dimensão da lógica da integração, a dissociação é o pretendido. Terrorismo sociocomunicacional. Resta saber qual a lógica advinda da dimensão da realização subjetiva alcançada por esses detratores sociais. Mas, todos sabemos, na verdade.
Será preciso lembrar que as redes deveriam ser sociais, e não antissociais, como por vezes somos levados a acreditar. Que a conectividade proporcionada pelas tecnologias da informação e da comunicação pretendeu, em seu nascedouro, elevar o nível das discussões, ampliando repertórios, argumentos e inteligências. Contudo, a contribuição de muitos vai de encontro a esta perspectiva, criando rotas de colisão por todos os lados, em desrespeito ao outro e à sociabilidade, ao bem comum.
No palanque das redes sociais, não podemos permitir que o discurso mais ouvido seja antidemocrático, pautado pela maledicência, intolerância e falseamento. Sejamos críticos e inteligentes, capazes desse enfrentamento que é, antes de tudo, responsável e ético.
As redes sociais, como palanques contemporâneos dos discursos descomprometidos, ainda que engajados, não devem se converter em octógonos, até porque não o são.
Por redes sociais baseadas em fatos e argumentos, pela livre expressão responsável e ética. Que os maledicentes não encontrem ressonância em nossas redes ou em nossa sociedade. O Brasil merece discursos e posições mais inteligentes e sensatas. Parafraseando Bandeira, eles (e também nós) passarão, mas o Brasil, passarinho.
(Cleomar Rocha, sec. mun. Ciência, Tecnologia e Inovação de Aparecida de Goiânia, coordenador do Media Lab / BR)