Opinião

A desvinculação e a proibição de retrocesso

Diário da Manhã

Publicado em 1 de novembro de 2016 às 00:26 | Atualizado há 9 anos

A Operação Lava Jato representou um divisor de águas no sistema de justiça criminal, com o alcance de uma camada social que, até então, a ele permaneceu imune. Entretanto, em razão dela, o Poder Judiciário e o Ministério Público (MP) entraram na “pauta de discussão” do Legislativo e do Executivo, que, de forma explícita, embora inconfessada, num violento atentado à democracia, buscam, por meio de alterações legislativas, enfraquecer as referidas instituições.

Dentre tantas outras propostas em discussão, encontra-se, em tramitação no Congresso Nacional, a PEC 62/2016 que, com o discurso aparentemente republicano de “garantir a autonomia dos entes federativos” e “reequilibrar as contas públicas”, objetiva alterar o modelo remuneratório de membros do Poder Judiciário e do MP, baseado na vinculação de subsídios, instituída pela PEC 19/1998.

O discurso oficial, entretanto, esconde o real objetivo da proposta: subjugar as referidas instituições e submetê-las ao balcão das negociações políticas, num evidente atentado à democracia e à efetividade dos direitos fundamentais.

O Poder Judiciário e o MP são as instituições a quem, por excelência, foi conferida, pela CF/88, a defesa da democracia, da ordem jurídica e dos direitos fundamentais. E por essa similitude de objetivos e convergência de atuação, deu o Constituinte Originário um tratamento isonômico a referidas instituições.

A vinculação de subsídios objetivou afastar, no âmbito do Poder Judiciário e do MP, distorções remuneratórias, produzidas pelo modelo federativo, que comprometiam a unidade que, por determinação constitucional, marca essas Instituições e representou um necessário aperfeiçoamento do sistema constitucional de garantias do Estado Democrático de Direito, porquanto retirou o Poder Judiciário e o MP, especialmente nos Estados, do balcão das negociações tão comuns em um país em que o sistema de freios e contrapesos põe-se a serviço dos interesses pessoais dos detentores do poder e potencializa a hegemonia do Executivo.

Nesses quase vinte anos de vinculação de subsídios, sensível foi o fortalecimento do Poder Judiciário e do MP, perceptível especialmente na atuação voltada ao combate à corrupção institucionalizada. Há vinte anos atrás, não se cogitava que altas autoridades da República pudessem ser atingidas, como foram, pelo Mensalão, Operação Monte Carlo, Operação Poltergeist e tantas outras que ocorreram país afora e, agora, pela Operação Lavajato. E, certamente, assim ainda seria, não fossem os avanços institucionais indispensáveis ao fortalecimento da independência e da autonomia do Poder Judiciário e do MP, alcançados, dentre outras relevantes medidas, com a vinculação de subsídios.

Num momento de contenção de despesas e reequilíbrio de contas públicas, impostos a todos os entes da Federação, o argumento de impacto nos orçamentos estaduais como justificativa para a desvinculação não encontra amparo constitucional diante do retrocesso que a desvinculação proporcionará para a unidade e a independência do Poder Judiciário e do MP, essencial à efetividade do sistema de garantias fundamentais.

Não foi a vinculação de subsídios a razão do desequilíbrio das contas públicas, mas, dentre outras, as abusivas e antirrepublicanas desonerações fiscais, os excessivos gastos em áreas não prioritárias, como publicidade, e a corrupção institucionalizada.

No atual estágio de aperfeiçoamento das instituições de defesa dos direitos fundamentais, a desvinculação de subsídios representará um significativo retrocesso (de quase vinte anos!!!!) vedado pelo princípio constitucional da proibição de retrocesso social e ferirá de morte o princípio em que se sustentam o Poder Judiciário e o MP, como garantes dos direitos fundamentais: a independência.

A PEC 62/2016 representa, em conjunto com outras medidas que se orquestram no Congresso Nacional, a consolidação de um projeto de poder autoritário, baseado, principalmente, no enfraquecimento social e das instituições democráticas, especialmente do Poder Judiciário e do MP, por terem, na defesa da democracia, conseguido que aqueles que permaneceram às margens das leis, ao longo da história deste país, finalmente, fossem por elas alcançados.

 

Fabiana Lemes Zamalloa do Prado, promotora de Justiça em Goiânia/GO e mestre em Ciências Penais pela
Universidade Federal de Goiás


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