A FEBRE DAS SENSAÇÕES
Redação DM
Publicado em 3 de abril de 2016 às 01:35 | Atualizado há 8 meses
“… Fernando Pessoa afirmou: ‘Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir: o que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto. Faço férias das sensações.’ E assim, escrevendo, Augusta diminui sua febre das sensações. Apresenta-nos paisagens de pura arte na busca do auto-equilíbrio e do bem estar com as emoções. Filosofa poeticamente com os melindres da existência humana, utilizando os recursos de polissemia da linguagem, através de seus enigmas, matizes e mistérios,…”
Fragmento do artigo “O universo poético de Augusta Faro” escrito por mim, publicado no Diário da Manhã do dia 04/12/2008.
Elizabeth Caldeira Brito
Poemas da escritora Augusta Faro Fleury de Melo (Goiânia – Goiás). Telas dos artistas plásticos: Célio Braga, Alexandre Liah, Siron Franco, M. Cavalcanti, Ana Maria Pacheco e Frei Nazareno Confaloni, constantes do acervo do Palácio das Esmeraldas, expostas na Sala Dona Gercina Borges, fotografadas por Nelson Santos. Publicação e Fotografias autorizadas por Edvaldo Fagundes dos Santos, Superintendente Administrativo do Palácio das Esmeraldas.
FACE
Nada me contenta,
em nada me encontro,
quando me virem escutando o canto
das sereias ao meio-dia.
São horas de espanto
de assustada lenda,
que me refletem em ramagens,
brancos os meus cabelos
e dedos barrocos
como rocas e retratos.
Quando me virem de boca selada,
um relógio de sol estático
é meu espanto,
nada me contenta,
em nada me encontro.
TRAÇADOS
Cada um tem seu tempo
talhado nas veias
carimbado na testa
e nas sombras.
Sua história passageira
resvala como vento brando
descerra as cortinas
colhe o peito
(chega ao fim-de-linha a que horas?)
COMPROMISSO
Nada a ver com a voz
mas a palavra
Nada a ver com o pulso
mas o sangue
Nada a ver com as chaves
mas a terra
Nada a ver com as sombras
mas os gestos
Nada a ver com a oferta
mas o pranto
Nada a ver com o fardo
mas o caminho
Nada a ver com a guitarra
mas a canção.
MESMO SOB O PESO DOS RELÓGIOS
Temos o ouvido tapado
e uma cicatriz de lado.
Na solidão do dia
escrevemos nas paredes
com tinta do carvão mais forte
o destino de nossas vinhas.
Vivemos ainda,
mesmo sob o peso dos relógios.
AMAVIO
Nunca sei quando chegas,
se vens doendo em solidão.
Às chagas que tenho nas mãos
chegas, e
toca-as
quando doendo estou.
Parto em duas as rosas das faces.
Se partes,
a tua partida me dói
e me chaga as mãos.
E quando chegas
me beijas
as mãos
e delas – as chagas –
que são rosas,
não as das faces,
mas rosas
doendo de vida e solidão.
RETRATO
Aparente momento
tatuado no tempo.
Pausa de paz desenhada
impressa transparência
– um sorriso.
Depois do instante
aderido às veias do papel
– quais as faces?
A página Oficina Poética, criada e organizada pela escritora e acadêmica Elizabeth Abreu Caldeira Brito, é publicada aos domingos no Diário da Manhã.Esta é a 215ª edição (desde 08/01/2012). [email protected]