A guerra dos tempos
Redação DM
Publicado em 13 de janeiro de 2016 às 23:51 | Atualizado há 9 anosO movimento por convencer as massas é condição essencial para as investidas do grande capital, sobretudo, nos interiores do Brasil. Como assim? Só nos interiores? Não, na verdade… Existem especificidades bastante importantes dos investimentos que ingressam em grandes centros urbanos e nos interiores brasileiros.
As grandes cidades, por suas formas de organização; pelas dinâmicas sociais e econômicas em que já estão enredadas; pelas articulações institucionais que são partes submetidas, disponibilizam por sua vez, condições essenciais à realização do investimento e seja ele qual for; destaque para o fundamental senso comum que é potencializado pela mídia, pelos discursos oficiais e pelo porvir de “abundâncias e prazeres” prometido pelo desenvolvimento capitalista.
No interior, lá mais “pra dentro” do estado onde o arcaico se combina com o moderno; a tradição e sua consequente ruptura andam de “mãos dadas”; onde o estabelecimento do “novo” não implica necessariamente no desaparecimento do “velho”; lá onde o tempo é a principal instituição social a mediar a vida comum e onde suas respectivas manifestações se expressam nas coisas da vida cotidiana. Na “velha” árvore do meio da praça e que já é uma instituição social; na “velha” benzedeira; no “velho” professor; na mãe “velha”; no “velho” comerciante e; nos “velhos” amigos que da mesma forma, são institutos éticos, morais e afetivos a conformar a própria subjetividade individual.
Lá no interior onde a consciência social e coletiva é cerzida por instituições sociais afeitas e identificadas com o tempo, a inovação avassaladora do capitalismo que desenraiza, que visa se aprofundar ao nível do essencial, que quer, de outro modo, refundar o próprio tempo; neste cenário, os desafios de implementação da lógica fragmentadora do capital encontra obstáculos evidentes.
A querela teórica que envolve dualidades ao estilo velho/novo, arcaico/moderno, ultrapassado/atual dentre outras não faz o menor sentido ante ao tempo e seu universo de mistérios; aliás, tempo é o mistério que nos trespassa sentidos, sensações, sensibilidades e formas de existência.
O tempo precisa ser superado, vencido, deslocado de suas funções essenciais ou a modernidade do capital não se espraia nos veios da vida social e comum; não adentra nos interstícios e intimidades das ações corriqueiras e não casualmente, feitas no tempo.
As tecnologias modernas e toda a magia que produz no conjunto das pessoas é o principal instrumento utilizado para a superação ou mesmo para a apropriação do tempo e sua consequente conversão em tempo da máquina, da automação, do procedimento instantâneo e global, em sua transformação enfim, em tempo veloz.
Tempo que marca evidentemente, o estilo de vida nas grandes cidades e que torna o indivíduo mero enfileirado anônimo subsumido na ampla teia informacional e que nos enquadra nessa nova e perigosa forma convival que rompeu tempos, espaços e expectativas humanas.
Finalmente, o grande investimento é um investimento informacional na medida em que a informação, e seja ela qual for, é a principal estratégia para a conformação social e produtiva em sentido e favor de mais reprodução ampliada do capital e sua respectiva concentração mesmo que penalize a bucólica e integrada vida interiorana, que ameace a paisagem que envolve e revolve esta mesma vida e que promova toda sorte de deterioração às sobras de esperança de uma vida simples, contida e possível.
(Ângelo Cavalcante – economista, cientista político, doutorando em Geografia Humana (USP) e professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), campus Itumbiara)