A mente vive em situação de ilusão
Redação DM
Publicado em 15 de fevereiro de 2018 às 22:23 | Atualizado há 7 anosO estado identificado da mente é aquele em que estamos perdidos nas emoções. E ao nos perder nas trombadas e trovoadas de tempestades emocionais, em vez de ter emoções, elas é que nos têm. Se não exercemos controle sobre aquilo que de nós se apossou, somos possuídos por aquilo que decidimos possuir. E que se apossou de nós.
Para P.D. Oupensky, uma das qualidades negativas do apego é o estar perdidos nas coisas. Uma vez identificados com turbilhões de emoções negativas, que são o padrão vivencial de nosso desastrado e desastroso cotidiano, não temos mais controle sobre a imaginação, os desejos, nossas palavras e gestos.
Deixamos de ser senhores de nossas ações e reações. Como o estado de identificação com as emoções negativas é o mais freqüente, na maioria das pessoas, isto explica o inferno dos conflitos, o veneno das incompreensões, a permear as relações entre as pessoas, em todos estratos da sociedade, dentro e fora do ambiente familiar.
Não podemos compreender as pessoas porque sequer compreendemos a nós mesmos. Não podemos entender os motivos que as levam a pensar o que pensam, e a fazer o que fazem, dentro de um padrão gerador de atritos, sofrimento e infelicidade constantes. Assim como não trazemos à consciência os motivos que nos levam a ser como somos, e a viver como vivemos.
Tornamos permanente nossa impotência em mudar nosso padrão vivencial, mesmo sendo ele errôneo e catalisador de todos os tipos de conflitos e desastres existenciais. Não conhecendo quem somos, não podemos conhecer as pessoas com quem convivemos. Isto explica uma cena do filme Perdas e Danos.
A certa altura de uma cena carregada de forte impacto emocional, vendo-se possuído pelo estranho jeito de ser de sua amante, Martin, poderoso político de um país europeu, indaga, emocionalmente alterado: “Quem é você? Quem é você?”. Pergunta inútil, uma vez que ela, sendo uma Outsider, estrangeira para si mesma, não sabia quem era.
Nossos desejos mudam a cada instante, pois somos criaturas de vontade volúvel e inconstante. Não alcançamos nossas metas porque elas mudam a cada instante, segundo o influxo deste ou daquele eu dentre milhões que dentro de nós habitam, desconhecidos ou hostis uns para os outros. Sendo seres mecânicos, tudo fazemos por automatismo, e nunca estamos presentes onde nos encontramos.
Não podemos realizar nosso potencial de Ser porque, no sono em que vivemos, sequer sabemos se algo mais que o Ter existe. Máquinas não podem conhecer coisa alguma – e sequer têm auto-consciência para saber algo sobre si mesmas. Para tomar consciência de sua mecanicidade, teriam que deixar de ser máquinas. E tal prodígio só se consegue mediante árduo, permanente e consciente trabalho sobre si mesmo.
Só a Consciência pode compreender e acessar a Consciência. Diferentes níveis de Ser e de Consciência separam, em mundos diferentes, pessoas e coisas. Buscando trazer à consciência a totalidade de quem somos, podemos trabalhar para mudar a nós mesmos, e ao mundo em que vivemos.
Segundo o psicanalista C.G. Jung, um dos caminhos lúcidos para o Encontro é sem dúvida a alquimia existencial da individuação: “A reflexão sobre si mesmo, ou o impulso para a individuação, recolhe o múltiplo e o disperso, erguendo-os até a forma primígena do Uno, do Homem Primordial. Com isto se elimina a existência isolada, isto é, o fechamento do indivíduo em torno de seu eu, amplia-se o círculo da consciência e, com a conscientização dos paradoxos, esgotam-se as fontes de conflitos”.
Isto porque a loucura permanente em que vive a maioria das pessoas atua como um buraco negro, a sugar toda a lucidez que passe à sua volta. Uns buscam realizar-se como seres humanos trilhando os fascinantes caminhos da errância, ou deixam-se embair pelas magníficas visões (e a maré de sensações prazerozas) do balé das ilusões. Assim, tornam-se prisioneiros de sua errância, viciados em irrealidades.
O gravame a pesar sobre seus destinos sombrios é o de serem enganosos e enganados em todos os seus pensamentos, palavras e atos. Nenhuma lucidez as alcança, pois que estão mergulhadas nas brumas abissais do auto engano. Vivendo como insetos, ou bestas insanas que procriam, nascem, vivem e morrem em estado de sono profundo.
Ao contrário destes, as pessoas que trabalham para manter-se acordados, cuidam do aprimoramento dos quatro andares do edifício (quatro estados de consciência) que constituem a totalidade do Ser. Tal como somos, utilizados só dois, um quando estamos dormindo, e outro quando estamos acordados.
No estado em que estamos não temos consciência de nós mesmos, podemos apenas saber “Eu estou aqui”, e nada mais. Assinala P.D. Oupensky, em O quarto caminho: “E este é o fato que toda a psicologia ocidental, sem uma única exceção, não percebeu. Embora muitas pessoas tenham chegado muito perto disso, não reconheceram a importância desse fato, e não se deram conta de que o estado do homem, tal como é, pode ser mudado”.
(Brasigóis Felício, escritror e jornalista. Membro da Academia Goiana de Letras)