A mulher na dimensão espírita
Diário da Manhã
Publicado em 28 de junho de 2017 às 22:21 | Atualizado há 8 anos
“Sede perfeitos como vosso Pai Celestial é perfeito”, eis recomendação de Jesus, em Mateus, 5:48.
Deus cria simplesmente espíritos que, na sua evolução, pelo esforço próprio se purificam e aprendem, reencarnando como homem ou como mulher. O Mestre ensinou também que “a cada um é dado segundo suas obras”, em Mateus, 16:27, daí porque tudo que fazemos ao nosso semelhante, de bom ou de mau, recebemos de volta, sendo punidos naquilo em que pecarmos, pagando até o último ceitil.
Assim, os machões opressores de hoje, infalivelmente, pela lei do carma, de causa e efeito, de ação e reação, serão mulheres oprimidas amanhã.
Essas coisas e muito mais estão no livro A mulher na dimensão espírita, de Jaci Régis, Marlene Nobre e Nancy Girolamo, publicado em 1975, o Ano Internacional da Mulher, proclamado pelas Nações Unidas.
A Bíblia, sob alguns aspectos, é um tratado de machismo. No Velho Testamento, a mulher é obrigada a chamar o marido de patrão e senhor. Em muitas de suas passagens, é o próprio mal e por isso foi expulsa do paraíso com o companheiro que pervertera. Antes dela, Adão lá desfrutava de completa felicidade.
Em outra, ela enfraquece o homem que a amava e o entrega à sanha dos inimigos. É Dalila, cortando o cabelo de Sansão e o submetendo à humilhação e à morte nas mãos dos filisteus.
Salomão, o mais sábio dos homens tinha mil mulheres, e qualquer mulher apanhada com outro homem que não fosse o marido, era apedrejada no meio da rua, para servir de exemplo. Casado com a filha do faraó, Salomão possuía 300 concubinas e 700 princesas. No Evangelho, uma adúltera, por um único flagrante, só não morreu lapidada pelos fariseus porque Jesus não deixou.
O caos, as trevas e a mulher
Na Grécia antiga, Pitágoras, autor do admirável Versos de Ouro, escreveu: “Existe o princípio bom que criou a ordem, a luz e o homem, e um princípio mau que criou o caos, as trevas e a mulher.” Eurípedes considerava a mulher “o mais temível dos males”.
No Cristianismo, São Paulo classifica de indecente a mulher falar dentro da igreja. Santo Agostinho, doutor da Igreja Católica, define: “A mulher é uma besta insegura e instável.” São Cristóvão considera: “Entre todos os animais selvagens, não há nenhum mais daninho do que a mulher.”
Nas leis de Manu, encontramos: “A mulher não pode governar-se por si mesma.” Na Rússia, era norma de sabedoria popular que, para cada 10 mulheres, só uma tinha alma.
A discriminação contra a mulher é produto do sistema social, sedimentado através dos séculos e não guarda qualquer relação com a Natureza. O machismo decorreu da força física masculina e é totalmente injusto.
Se houve discriminação por parte do homem, tivemos também acomodação da mulher, o que explica porque a luta pela libertação demorou tanto, encontrando resistência não somente dos homens, como também de muitas mulheres.
O papel da mulher na sociedade raras vezes obteve consideração preponderante, mas esteve secundário no centro das decisões humanas. No amanhecer do Terceiro Milênio, no Ocidente, a mulher ainda necessita de um movimento de libertação, mostrando o quanto ela se sente lesada nos direitos e aspirações. É revoltante a opressão em que vive, no islamismo, na África e na Ásia.
A mulher tem alma?
Em 1866, Allan Kardec publicava na edição de janeiro da Revista Espírita um artigo intitulado A mulher tem alma?, que logo chamou a atenção de intelectuais e educadores. Seu nome, por si só (Denizard Hippolite León Rivail), era sinônimo de cultura e seriedade e seu pseudônimo (Allan Kardec) motivava interesse, curiosidade e respeito, numa Europa fascinada pelos grandes pensadores. Kardec estudou medicina, matemática, astronomia, ciências sociais e filosofia. Discípulo, tornou-se colaborador do grande Pestalozzi. Algumas de suas obras didáticas sobre pedagogia foram adotadas em universidades da França. Registram seus biógrafos que ele dominava seis idiomas e que ministrava aos jovens cursos gratuitos de química, física, anatomia comparada, cálculos e astronomia.
Em A mulher tem alma?, após considerações históricas sobre o título, o codificador denunciava a negativa da Faculdade de Direito em liberar o diploma de um dos formandos, por ser mulher. Era o quarto desses casos, baseados no fato da lei não estabelecer, explicitamente, o direito da mulher obter título universitário. Só após intensa polêmica e exaustiva análise dos textos legais, concluiu-se que, se não existia a previsão da mulher ter títulos universitários, também não havia proibição em contrário. Por omissão, afinal, permitiu-se à formanda se diplomar.
Kardec perguntava se a igualdade legal que então se procurava era decorrência de um direito natural ou apenas mera concessão do homem. E respondia que Deus não cria espírito-homem e espírito-mulher, mas simplesmente espíritos, que reencarnam na Terra em organismos feminino ou masculino. Quem hoje é homem pode ser mulher amanhã e vice-versa.
(Jávier Godinho, jornalista)