A origem de certas expressões
Diário da Manhã
Publicado em 30 de agosto de 2018 às 21:12 | Atualizado há 7 anos
Muitas vezes empregamos expressões, sem nos atentarmos para sua origem. Assim, pesquisei como surgiram várias delas, de uso corriqueiro, e vou satisfazer à curiosidade dos meus leitores, enquanto saio um pouco dos artigos jurídicos, religiosos e de opinião. E aqui vão as origens de certas expressões.
AMIGO DA ONÇA – Segundo estudiosos da língua portuguesa, este termo surgiu a partir de uma história curiosa. Conta-se que um caçador mentiroso, ao ser surpreendido, sem armas, por uma onça, deu um grito tão forte que o animal fugiu apavorado. Como quem o ouvia não acreditou, saiu dizendo que, se ele não foi devorado, certamente era amigo da. Outra explicação é que um amigo perguntou ao outro o que faria se encontrasse uma onça; O outro disse que daria um tiro nela. “E se você não tivesse uma arma?” “Eu dava uma facada nela”. “E se você não tivesse faca?” O outro impacientou-se e respondeu: “Afinal, você é meu amigo ou amigo da onça?” Atualmente, o ditado significa amigo falso, hipócrita.
ANDAR À TOA – Toa é a corda com que uma embarcação reboca a outra. Um navio que está “à toa” é o que não tem leme nem rumo, indo para onde o navio que o reboca determinar. E a embarcação rebocada não se governa. Hoje, o ditado significa andar sem destino, despreocupado, passando o tempo.
APRESSADO COME CRU – Quando não existia o forno microondas, era preciso muito tempo para a comida ficar pronta, ou então comê-la crua. Nessa época, a culinária japonesa ainda não estava na moda e comida crua era vista com maus olhos. Assim, a expressão passou a ser usada para significar afobamento, precipitação.
AQUELA QUE MATOU O GUARDA – Tratava-se de uma mulher que trabalhava para D. João VI e se chamava “Canjebrina”, que, como informam os dicionários, significa “pinga”, “cachaça”. Ela teria matado um dos principais guardas da Corte do Rei. O fato não foi provado. Mas está no livro “Inconfidências da Real Família no Brasil”, de Alberto Campos de Moraes.
A TOQUE DE CAIXA – A caixa é o corpo oco do tambor que foi levado para a Europa pelos árabes. Como os exercícios militares eram acompanhados pelo som de tambores, dizia-se que os soldados marchavam a toque de caixa. Atualmente, refere-se a uma tarefa que se tem de fazer rapidamente, eventualmente a mando de alguém ou mesmo à força.
AVE DE MAU AGOURO – Diz-se de pessoa portadora de más notícias ou que, com a sua presença, anuncia desgraças. O conhecimento do futuro é uma das preocupações inerentes ao ser humano. Quase tudo servia para, de maneiras diversas, se tentar obter esse conhecimento. As aves eram um dos recursos que se utilizava. Na antiga Roma, a predição dos bons ou maus acontecimentos era feita através da leitura do voo ou canto das aves. Os pássaros mais usados para isso eram a águia, a coruja, o corvo e a gralha. Ainda hoje perdura, popularmente, a conotação funesta com qualquer destas aves.
CASA DE MÃE JOANA – Quando um lugar é descontrolado, onde os entra-e-sai é constante, dizemos que parece “casa de mãe joana”. A Joana era a rainha de Nápoles, na Itália, tendo se mudado para Avignon, na França,onde era muito estimada por todos, que a chamavam de mãe. Era ela que mandava e desmandava e regulamentou os bordeis da cidade. Cada bordel de Avignon ficou conhecido como a “casa da mãe Joana”. Mas depois perdeu o sentido de bordel e ganhou o de lugar onde as pessoas entram e saem a hora que bem entendem, já que um bordel funciona 24 horas.
CHORAR AS PITANGAS – Pitangas são deliciosas frutinhas cultivadas e apreciadas em todo o país, especialmente nas regiões norte e nordeste do país. A palavra deriva de “pyrang”, que, em tupi-guarani, significa vermelho. Sendo assim, a provável relação da fruta com lágrimas, vem do fato de os olhos ficarem vermelhos, parecendo duas pitangas, quando se chora muito.
COLOCAR PANOS QUENTES – Significa favorecer ou acobertar coisa errada feita por outro. Em termos terapêuticos, colocar panos quentes é uma receita, embora paliativa, prescrita pela medicina popular desde tempos remotos. Recomenda-se sobretudo nos estados febris, pois a temperatura muito elevada pode levar a convulsões e a problemas daí decorrentes. Nesses casos, compressas de panos encharcados com água quente são um santo remédio. A sudorese resultante faz baixar a febre.
COM A CORDA TODA – Antigamente, os brinquedos que possuíam movimento eram acionados torcendo um mecanismo em forma de mola ou um elástico, que ao ser distendido, fazia o brinquedo se mexer. Ambos os mecanismos eram chamados de “corda”. Logo, quando se dava “corda” totalmente num brinquedo, ele movia-se de forma mais agitada e frenética. Daí a origem da expressão.
COMER COM OS OLHOS – Soberanos da África Ocidental não consentiam testemunhas às suas refeições. Comiam sozinhos. Na Roma Antiga, uma cerimônia religiosa fúnebre consistia num banquete oferecido aos deuses em que ninguém tocava na comida. Apenas olhavam, “comendo com os olhos”. A propósito, o pesquisador Câmara Cascudo diz que certos olhares absorvem a substância vital dos alimentos. Hoje o ditado significa apreciar de longe, sem tocar.
COM O REI NA BARRIGA – A expressão provém do tempo da monarquia em que as rainhas, quando grávidas do soberano, passavam a ser tratadas com deferência especial, pois iriam aumentar a prole real e, por vezes, dar herdeiros ao trono, mesmo quando bastardos. Em nossos dias refere-se a uma pessoa que dá muita importância a si mesma.
COMO SARDINHA EM LATA – A palavra sardinha vem do latim “sardina”. Designa o peixe abundante na Sardenha, conhecida região da Itália. As sardinhas, quando enlatadas em óleo ou em outro molho, vêm coladas umas às outras. Por analogia, usa-se a expressão popular sardinha em lata para designar a superlotação de veículos de transporte público.
COR DE BURRO QUANDO FOGE – A frase original era “Corra do burro quando ele foge”. Tem sentido porque, o burro enraivecido, é muito perigoso. A tradição oral foi modificando a frase e “corra” acabou virando “cor”.
CUSPIDO E ESCARRADO – quando alguém quer dizer que é muito parecido com outra pessoa. O correto é: “Esculpido em Carrara” (Carrara é a cidade italiana do mármore). Há também a explicação de que viria de “esculpido e encarnado”.
DA PÁ VIRADA – Um sujeito da pá virada pode tanto ser um aventureiro corajoso como um vadio. A origem da palavra é em relação ao instrumento, a pá. Quando ela está virada para baixo, é inútil não serve para nada. Hoje em dia, “pá virada” tem outro sentido. Refere-se a uma pessoa de maus instintos e criadora de casos ou a um aventureiro.
DE PEQUENINO É QUE SE TORCE O PEPINO – Os agricultores que cultivam os pepinos precisam de dar a melhor forma a estas plantas. Retiram uns “olhinhos” para que os pepinos se desenvolvam. Se não for feita esta pequena poda, os pepinos não crescem da melhor maneira porque criam uma rama sem valor e adquirem um gosto desagradável. Assim como é necessário dar a melhor forma aos pepinos, também é preciso moldar o caráter das crianças o mais cedo possível.
ERRO CRASSO – Na Roma antiga havia o Triunvirato: o poder dos generais era dividido por três pessoas. No primeiro destes Triunviratos, tínhamos: Júlio César, Pompeu e Crasso. Este último foi incumbido de atacar um pequeno povo chamado Partos. Confiante na vitória, resolveu abandonar todas as formações e técnicas romanas e simplesmente atacar. Ainda por cima, escolheu um caminho estreito e de pouca visibilidade. Os Partos, mesmo em menor número, conseguiram vencer os romanos, sendo o general que liderava as tropas um dos primeiros a cair. Desde então, sempre que alguém tem tudo para acertar, mas comete um erro estúpido, dizemos tratar-se de um “erro crasso“.
ESTAR COM A CORDA NO PESCOÇO – O enforcamento foi, e ainda é em alguns países, um meio de aplicação da pena de morte. A metáfora nasceu de anistias ou comutações de pena chegadas à última hora, quando o condenado já estava prestes a ser executado e o carrasco já lhe tinha posto a corda no pescoço, situação que, de fato, é um sufoco. Hoje, o ditado significa estar ameaçado, sob pressão ou com problemas financeiros.
FARINHA DO MESMO SACO – Como a farinha boa é posta em saco diferente da farinha ruim, faz-se essa comparação para insinuar que os bons andam com os bons enquanto os maus preferem os maus.
FAVAS CONTADAS – De acordo com Câmara Cascudo, antigamente, votavam-se com as favas brancas e pretas, significando sim ou não. Cada votante colocava o voto, ou seja, a fava, na urna. Depois vinha a apuração pela contagem dos grãos, sendo que quem tivesse o maior número de favas brancas estaria eleito. Atualmente, significa coisa certa, negócio seguro.
FAZER OUVIDOS DE MERCADOR – A palavra “mercador” é uma corruptela de “marcador”, nome que se dava ao carrasco que marcava os ladrões com ferro em brasa, indiferente aos seus gritos de dor. No caso, fazer ouvidos de mercador é uma alusão a atitude desse algoz, sempre surdo às súplicas de suas vítimas.
FILA INDIANA – Tem origem na forma de caminhar dos índios americanos, que, desse modo, encobriam as pegadas dos que iam na frente.
HOJE É DOMINGO, PÉ DE CACHIMBO – Na verdade, por ser o domingo um dia de ócio, a expressão correta seria “Hoje é domingo, pede cachimbo”
JURAR DE PÉS JUNTOS – A expressão surgiu das torturas executadas pela Santa Inquisição, nas quais o acusado de heresias tinha as mãos e os pés amarrados (juntos) e era torturado para confessar seus crimes.
LÁGRIMAS DE CROCODILO – O crocodilo, quando ingere um alimento, faz forte pressão contra o céu da boca, comprimindo as glândulas lacrimais. Assim, ele chora enquanto devora a vítima. Daí a expressão significar choro fingido.
MAIS VALE UM PÁSSARO NA MÃO QUE DOIS VOANDO – Significa que é melhor ter pouco que ambicionar muito e perder tudo. É tradição de antigos caçadores. Eles achavam melhor apanhar logo a ave que tinham atingido de raspão, antes que ela fugisse, do que tentar atirar nas que estavam voando e errar o alvo.
MARIA VAI COM AS OUTRAS – Dona Maria I, a Louca, enlouqueceu de um dia para o outro. Declarada incapaz de governar, foi afastada do trono. Passou a viver recolhida e só era vista quando saía para caminhar a pé, escoltada por numerosas damas de companhia. Quando o povo via a rainha levada pelas damas nesse cortejo, costumava comentar: “Lá vai D. Maria com as outras”. Atualmente aplica-se a expressão a uma pessoa que não tem opinião e se deixa convencer com a maior facilidade.
NÃO ENTENDER PATAVINA – Não saber nada sobre determinado assunto. Nada mesmo. Tito Lívio, natural de Patavium (hoje Pádua, na Itália), usava um latim horroroso, originário de sua região. Nem todos entendiam. Daí surgiu o “patavinismo”, que originariamente significava não entender Tito Lívio, não entender patavina.
ONDE JUDAS PERDEU AS BOTAS – Como todos sabem, depois de trair Jesus e receber 30 dinheiros, Judas caiu em depressão e culpa, vindo a se suicidar enforcando-se numa árvore. Acontece que ele se matou sem as botas. E os 30 dinheiros não foram encontrados com ele. Logo os soldados partiram em busca as botas de Judas, onde, provavelmente, estaria o dinheiro. Atualmente, o ditado significa lugar distante, inacessível.
O PIOR CEGO É O QUE NÃO QUER VER – Em 1647, em Nimes, na França, na universidade local, o doutor Vincent de Paul D’Argent fez o primeiro transplante de córnea em um aldeão de nome Angel. Foi um sucesso da medicina da época, menos para Angel, que assim que passou a enxergar ficou horrorizado com o mundo que via. Disse que o mundo que ele imagina era muito melhor. Pediu ao cirurgião que arrancasse seus olhos. O caso foi acabar no tribunal de Paris e no Vaticano. Angel ganhou a causa e entrou para a história como o cego que não quis ver. Atualmente, o ditado se refere a alguém que se nega a admitir um fato verdadeiro.
O POMO DA DISCÓRDIA – A lendária Guerra de Troia começou numa festa dos deuses do Olimpo: Éris, a deusa da Discórdia, que naturalmente não tinha sido convidada, resolveu acabar com a alegria reinante e lançou por sobre o muro uma maçã, toda de ouro, com a inscrição “à mais bela”. Como as três deusas mais poderosas: Hera, Afrodite e Atena, disputavam o troféu, Zeus passou a espinhosa função de julgar para Páris, filho do rei de Troia O príncipe concedeu o título a Afrodite em troca do amor de Helena, casada com o rei de Esparta. A rainha fugiu com Páris para Tróia, os gregos marcharam contra os troianos e a famosa maçã passou a ser conhecida como “o pomo da discórdia” – que hoje indica qualquer coisa que leve as pessoas a brigar entre si.
PAGAR O PATO – A expressão deriva de um antigo jogo praticado em Portugal. Amarrava-se um pato a um poste e o jogador (em um cavalo) deveria passar rapidamente e arrancá-lo de uma só vez do poste. Quem perdia era que pagava pelo animal sacrificado. Sendo assim, passou-se a empregar a expressão para representar situações onde se paga por algo sem ter qualquer benefício em troca.
PASSAR A MÃO NA CABEÇA – Significa perdoar, e vem do costume judaico de abençoar cristãos-novos, passando a mão pela cabeça e descendo pela face, enquanto se pronunciavaa a bênção.
QUEIMAR AS PESTANAS – Antes do aparecimento da eletricidade, recorria-se a uma lamparina ou uma vela para iluminação. A luz era fraca e, por isso, era necessário colocá-las muito perto do texto quando se pretendia ler o que podia dar num momento de descuido queimar as pestanas. Por essa razão, aplica-se àqueles que estudam muito.
QUEM NÃO TEM CÃO CAÇA COM GATO – Se você não pode fazer algo de uma maneira, se vira e faz de outra. Na verdade, a expressão, com o passar dos anos, se adulterou. Inicialmente se dizia “quem não tem cão caça como gato”, ou seja, sozinho se esgueirando, astutamente, como fazem os gatos.
QUEM TEM BOCA VAI A ROMA – o correto seria “Quem tem boca VAIA Roma” (do verbo vaiar).
SANGRIA DESATADA – Diz-se de qualquer coisa que requer uma solução ou realização imediata. Esta expressão teve origem nas guerras, onde se verificava a necessidade de cuidados especiais com os soldados feridos. É que, se por qualquer motivo, se desprendesse a atadura posta sobre as feridas, o soldado morreria, por perder muito sangue.
SANTO DO PAU OCO – Expressão que se refere à pessoa que se faz de boazinha, mas não é. Nos século XVIII e XIX os contrabandistas de ouro em pó, moedas e pedras preciosas utilizavam estátuas de santos ocas por dentro. O santo era “recheado” com preciosidades roubadas e enviado para Portugal.
SEM PAPAS NA LÍNGUA – Significa ser franco, dizer o que sabe, sem rodeios. A expressão vem da frase castelhana “no tener papitas en la lengua”; Papitas, diminutivo de papas, são partículas que surgem na língua de algumas galinhas, é uma espécie de tumor que lhes obstrui o cacarejo. Quando não há papas, a língua fica livre.
TAPAR O SOL COM A PENEIRA – Qualquer tentativa de tapar o sol com a peneira é inglória, uma vez que o objeto é permeável à luz. A expressão teria nascido dessa constatação, significando atualmente um esforço mal sucedido para ocultar uma asneira ou negar uma evidência.
TESTA DE FERRO – O Duque Emanuele Filiberto di Savoia, conhecido como “Testa de Ferro”, foi rei de Chipre e Jerusalém. Mas tinha somente o título e nenhum poder verdadeiro. Daí a expressão ser atribuída a alguém que aparece como responsável por um negócio ou empresa sem que o seja efetivamente.
A beleza do nosso idioma muitas vezes repousa em suas curiosidades.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras escritor, jurista, historiador e advogado – liberatopo[email protected]) (publicado no “Diário da Manhã”, de Goiânia, em 25/11/2015)