A parábola do fariseu e do publicano
Diário da Manhã
Publicado em 9 de abril de 2017 às 02:00 | Atualizado há 8 anosPropôs também Jesus esta parábola a alguns que confiavam em si mesmos por se considerarem justos, e desprezam os outros:
“Dois homens subiram ao Templo para orar; um era fariseu e o outro publicano. O fariseu, de pé, orava assim, interiormente: ‘Ó Deus, graças te dou porque não sou como os outros homens, ladrões, injustos, adúlteros, nem mesmo como este publicano. Eu jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de tudo o que possuo’.
O publicano, pelo contrário, de pé, conservando-se à distância, nem ao menos ousava levantar os olhos para o céu, mas batia no peito dizendo: ‘Meu Deus, tem piedade de mim que sou um pecador!’
Eu vos digo que este último desceu para casa justificado, e o outro não. Porque todo o que se exalta será humilhado, e o que se humilha será exaltado”. (Evangelho de Lucas, cap. 18, vv. 9 a 14).
Nesta parábola somente narrada no Evangelho de Lucas, o divino Messias menciona dois homens: um fariseu e o outro era publicano, cobrador de impostos para Roma, uma classe desprezada pelos judeus. Os dois subiram ao Templo de Jerusalém para orar. O Templo de Jerusalém fora construído no cume do Monte Moriá, também denominado Monte do Templo, local mais alto de Jerusalém, na região leste.
O Mestre narra o teor das orações desses dois homens. Ele inicia com o fariseu que orava ao Pai, de pé, sozinho, separado dos demais, olhando para cima, como era hábito judaico durante as orações. Ele agradecia a Deus por não ser como os demais homens de má conduta, incluindo o publicano presente. O fariseu cumpria rigorosamente todos os preceitos do rito farisaico, inclusive o pagamento do dízimo e a prática do jejum.
O fariseu considerava que ia muito além de suas obrigações legais ao pagar o dízimo de tudo que possuía porquanto a lei de Moisés determinava que somente fosse pago o dízimo das colheitas e dos rebanhos, conforme os livros de Levítico (27:30-33) e Deuteronômio (14:22-29):
“Todos os dízimos da terra – seja dos cereais, seja das frutas – pertencem ao Senhor; são consagrados ao Senhor. (…) O dízimo dos seus rebanhos, um de cada dez animais que passem debaixo da vara do pastor, será consagrado ao Senhor”. (Levítico, 30 e 32)
Somente Abraão e Melquisedeque pagaram o dízimo de tudo que possuíam conforme relata o livro Gênese (14:20): “Bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou os teus inimigos nas tuas mãos. E Abrão deu-lhe o dízimo de tudo”.
Quanto à prática do jejum, não havia recomendação de jejuar duas vezes por semana, a determinação era de jejuar uma vez por ano, no dia 9 de Tishrei (Setembro, Outubro ou Novembro), no Yom Kippur, dia do perdão, para lembrar a invasão e destruição de Jerusalém por Nabuconosor. (2Reis, 25:8-9) e (2Crônicas, 36:17-21). O jejum no Dia do Perdão durava 24 horas, começava ao por do sol e terminava ao cair da noite do dia seguinte, quando nada poderia ser ingerido, nem mesmo água. O jejum não era autorizado para os seguintes casos: crianças menores de 9 anos, portadores de enfermidade grave, gestantes e mulheres que deram à luz em menos de trinta dias.
Em sua oração, o fariseu selecionou três tipos de homens de má conduta: os ladrões, os injustos e os adúlteros ao se considerar indivíduo honesto, justo e fiel aos sagrados deveres familiares. Em seu entendimento, o publicano poderia ser considerado injusto e ladrão porquanto considerava que este cobrava tributos exorbitantes dos judeus em favor do erário romano.
Enquanto o fariseu fazia suas orações com pensamentos de superioridade, o publicano também se encontrava de pé, mas conservando-se a distância do altar e dizia com profundo pesar e arrependimento: “Meus Deus, tem piedade de mim que sou um pecador”. Dizia isso com o olhar para baixo a bater as mãos no peito.
Em toda Bíblia, o único episódio em que se narra pessoas batendo no próprio peito é durante a crucificação de Jesus, conforme conta o Evangelho de Lucas (23:48): “Toda multidão que tinha assistido àquele espetáculo, vendo o que acontecera, voltava batendo no peito”. Também alguns devotos batiam no peito com uma pedra. Essas práticas demonstram que o coração simboliza todos os bons e maus sentimentos. Naquele tempo bater no peito simbolizava a súplica do perdão de Deus.
O divino Mestre nos informa que o publicano “desceu para casa justificado e o outro não. Porque todo o que se exalta será humilhado e o que se humilha será exaltado”. O que reforça as palavras do profeta Isaías (66:2): “É para este que olharei: para o humilde e contrito de espírito, e que treme da minha palavra”.
O fariseu representa o espírito estacionário na senda da evolução enquanto o publicano simboliza o espírito que ascende ao nível evolutivo seguinte.
Do mesmo modo que o fariseu, o irmão mais velho da parábola do filho pródigo que não aceitou que o pai festejasse a volta do irmão arrependido e o moço rico que desejava ser um discípulo próximo a Jesus, observava as escrituras, mas ainda estava apegado aos bens materiais. Nesses três casos se verifica vários obstáculos que impedem o adiantamento espiritual: o orgulho, a vaidade, a inveja, o ciúme e o apego às coisas materiais. Jesus critica os virtuosos que não se esforçam por evoluir.
Jesus narra esta parábola também para ensinar os valores da compaixão e do respeito ao próximo que, diante de Deus, recebe o mesmo incomensurável amor. É uma parábola para os que se consideram superiores em virtudes, mas, por não terem compaixão, desprezam os seus irmãos desprovidos das virtudes que possuem.
Somente a virtude da humildade possibilita ao espírito a ascensão de um nível intelecto-moral para outro mais adiantado. A humildade abre as portas do aprendizado enquanto o orgulho impede que o espírito avance por meio de lições preciosas, especialmente as de natureza moral vinculadas ao amor.
Nesse sentido, o Espírito François-Nicolas-Madeleine, no capítulo dezessete, item 8, de O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, FEB, assevera: “Mais vale pouca virtude com modéstia, do que muita com orgulho. Pelo orgulho é que as humanidades sucessivamente se hão perdido; pela humildade é que um dia elas se hão de redimir”.
Quem tem muitas virtudes sem humildade estaciona no grau evolutivo onde se encontra porquanto é fundamental a força da humildade para aprendermos a sair de certo nível evolutivo e adentrarmos ao grau de evolução seguinte até atingirmos níveis elevados de compaixão.
É possível que haja um fariseu e um publicano dentro de cada um de nós, que agem em ocasiões diversas. Quanto menos espaços ocuparem as nossas presunções, mais próximos de Deus estaremos. Saiamos do planeta Terra, o templo da evolução espiritual, justificados diante de Deus por meio do Seu infinito Amor.
(Emídio Silva Falcão Brasileiro é autor do livro O Livro dos Evangelhos)