Brasil

A proporcionalidade da decisão judicial

Redação DM

Publicado em 17 de dezembro de 2015 às 21:48 | Atualizado há 10 anos

Muitos têm comentado que o bloqueio do WhatsApp por 13 horas ocorrido no dia 17 de dezembro devido uma decisão judicial que havia determinado a restrição por 48 horas nos dias 17 e 18 de dezembro de 2015 extrapolou os limites e que tal medida foi desproporcional. Alguns argumentando de forma conspiratória que fere a liberdade das comunicações, que tal procedimento esta censurando a liberdade da informação e que tal atitude exacerbada transparece um estado totalitário e ditatorial.

A decisão que havia requerido o bloqueio foi suspendida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, pelo desembargador Xavier de Souza, da 11ª Câmara Criminal. Este tomou a medida de suspender devido ao Mandado de Segurança apresentado ao tribunal pelo próprio aplicativo na manhã do dia 17. O TJ-SP também recebeu, na noite do dia 16, um Habeas Corpus preventivo impetrado visando determinar o restabelecimento do aplicativo de mensagens. Porém, muitos não entenderam o motivo real do bloqueio, bem como do restabelecimento do funcionamento do WhatsApp. Por conseguinte, torna-se relevante analisar juridicamente o fato.

Ocorre que, primeiramente, é importante analisar os motivos que levaram a Justiça restringir e bloquear temporariamente o aplicativo de mensagens instantâneas. O processo que bloqueou o WhatsApp por 48 horas trata-se de uma investigação criminal que tramita em segredo de justiça relativo a um acusado de latrocínio, tráfico de drogas e de associação ao Primeiro Comando da Capital (PCC). E no que tange a investigação desse processo, a Justiça requereu que o Facebook, que é dono do WhatsApp, fornecesse informações e dados de usuários do aplicativo. Porém a empresa não atendeu à decisão judicial, e, por isso, a 1ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo determinou que as operadoras de telecomunicações bloqueassem os serviços do aplicativo de mensagens WhatsApp em todo o Brasil por 48 horas.

Sob a perspectiva jurídica normativa, o WhatsApp deveria fornecer as informações sigilosas para a Justiça, de acordo com o artigo 5º da Constituição Federal de 1988, inciso XII, que diz “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. Portanto, diante da situação concreta que trata de instrução processual penal, a inviolabilidade do sigilo de dados se torna relativizada, legitimando ao Poder Judiciário ter acesso a determinadas informações.

Ademais, a Lei do Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil, no seu artigo 7º, inciso II e III, assegura ao usuário o direito de inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela Internet e de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial. Deixando claro que a Justiça pode tomar atitudes excepcionais para ter acesso as comunicações privadas. Por isso, ao analisar a relativização do sigilo dos dados, percebe-se claramente a grande relevância do dever que uma instituição tem de fornecer informações à Justiça para colaborar em situações de esclarecimento em processos criminais.

Porém, segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo, o WhatsApp não atendeu a uma determinação judicial de 23 de julho de 2015. E a empresa foi notificada mais uma vez em 7 de agosto, com uma multa fixada em caso de não cumprimento. Novamente não foi atendida a determinação. Logo, é perceptível um descaso com o Judiciário.

Neste ponto é importante ressaltar que as decisões judiciais devem ser cumpridas e as instituições privadas não podem passar por cima da lei e do Poder Judiciário. Por consequência, a justiça puniu o WhatsApp  determinando que as operadoras de telecomunicações bloqueiem  os serviços do aplicativo de mensagens WhatsApp em todo o Brasil por 48 horas.

Este fato revela que a Justiça deve ser respeitada. E mesmo através da aplicação de multas, eles não estavam respeitando. Portanto, a única forma de realmente tornar a medida judicial eficaz é através de uma atitude radical como esta de bloquear temporariamente o funcionamento do aplicativo por todo o Brasil. Pois ao levar em consideração o patrimônio do Facebook, dono do WhatsApp, bem como a punição de multas não estava adiantando. Logo, é totalmente proporcional esse bloqueio temporário, pois estas instituições precisam perceber que existe um Poder Judiciário que aplica as leis ao caso concreto. E todos estão subordinados às leis.

Vivemos em um Estado Democrático de Direito, no qual todos estão abaixo da lei. Nenhuma empresa, nenhuma pessoa, tampouco, o próprio Estado estão acima das leis. O Poder Judiciário esta mais que correto ao aplicar tal penalidade à uma grande instituição, onde apenas uma multa não seria o suficiente para realmente levar o Facebook a “sentir” o peso de descumprir uma determinação judicial.

Enfim, apesar do Tribunal de Justiça de São Paulo entender a medida desproporcional e suspender o bloqueio do WhatsApp é importante salientar que o que estava em “jogo” não era apenas o caso concreto e isolado na primeira instância criminal, mas sim o a própria segurança jurídica e a credibilidade do poder da Justiça que estavam sendo violados pelo fato do descumprimento da decisão judicial. O Poder Judiciário deve demonstrar que tudo tem limites, e que tais empresas, ainda que sejam bilionárias, não estão acima das leis.

 

(Agnaldo Felipe do Nascimento Bastos, advogado, palestrante e professor especialista em Direito Constitucional)

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