A quem pertence o poder de polícia
Redação DM
Publicado em 28 de outubro de 2015 às 00:36 | Atualizado há 10 anosSegundo o renomado jurista Hely Lopes Meirelles (1996, p. 115), que gastou muito verbo e tinta para explicar as vicissitudes do poder de polícia, este é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em beneficio da coletividade ou do próprio Estado. A melhor definição, contudo, está taxativamente inscrita no artigo 78 do código tributário nacional que diz: “Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de 1966).”
Diante do exposto, não seria exagero dizer que um semáforo, ao determinar que você pare no sinal vermelho está, de certa forma, em nome da autoridade municipal, exercendo o poder de polícia. Isso é corroborado pelo parágrafo único deste artigo que determina: considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder. Então, poder de polícia está relacionado com atos da administração pública desempenhado por órgão competente.
O poder é uma palavra que deriva do grego Dynamus e se refere à força institucional para impor uma vontade. Difere um pouco de autoridade, do grego Exsousia, que traz embutido a capacidade de convencimento. Esta diferença é importante, pois o poder pode ser delegado e atribuído, mas autoridade precisa ser conquistada. Um chefe exerce poder, mas só o líder tem autoridade. Por essa premissa, qualquer pessoa pode ser investida de poder para impor a vontade do Estado, representado por uma instituição. Este é o poder de polícia, distribuído entre os entes públicos, aí inclusos todas as polícias que conhecemos e as que ignoramos, tais como guarda de trânsito, fiscal da Fazenda, Ibama, bombeiros, guarda municipal, etc. Todos que restringem, disciplinam ou limitam direitos em nome do Estado estão exercendo poder de polícia.
Numa visão restritiva nenhuma pessoa estaria verdadeiramente investida de autoridade, mas de um cargo público, onde exerce certo grau de poder. Para driblar isto, criam-se leis que dão “autoridade” a quem de fato não a tem. Acontece que uma lei que exista somente para criar a imagem de autoridade está fadada ao fracasso quando tenta impor a autoridade a quem não a possui legitimamente. Autoridade nasce do convencimento mediante grande conhecimento, capacidade técnica, supremacia intelectiva, atitude nobre ou liderança natural. O poder pode ser imposto por lei. É isto que o Estado faz ao investir um funcionário de competência legal e dar-lhe posse no cargo correspondente. Tudo por via legal.
O semáforo (voltamos a ele) exerce cabalmente o poder de polícia, mas, de certa forma, há alguma autoridade nele quando, desprovido de equipamento fiscalizador, convence o motorista que, infringindo sua ordem, poderá envolver-se num grave acidente. Fica evidente aqui que, às vezes, um semáforo tem mais autoridade que muitos funcionários públicos, detentores só de poder.
Fincando nossa atenção no Poder de Policia, fica claro pelo texto da lei que ele pertence ao Estado; ora, sendo o Estado um ente abstrato, que não existe sem o povo que o constitui então o Poder de Polícia pertence de fato ao povo que o coloca onde bem quer, ainda que por meio de seus representantes. As polícias, sendo militar ou não, não tem exclusividade na sua aplicação, mas são apenas o órgão mais visível do Estado com tal poder. Ainda assim, de forma limitada, pois muitos outros órgãos o exercem legitimamente, como sobredito.
Não é preciso ser autoridade, do ponto de vista filosófico, para exercer o poder do Estado, mas é preciso ser seu representante. O funcionário público, investido de poder e empossado nas funções tem, em qualquer atividade, certo grau deste poder. No entanto, o funcionário que avoca para si a exclusividade do exercício deste poder fere frontalmente a soberania do Estado, e do povo a quem deve servir. Resumindo, o poder de polícia serve para reger a vida em sociedade, sendo o Estado o verdadeiro regente e o servidor meramente a batuta utilizada para dar harmonia ao conjunto social. Confundir o papel de batuta com o de regente tem sido o ponto fraco dos instrumentos do poder.
(Coronel Avelar Lopes de Viveiros, comandante do policiamento ambiental de Goiás)