Opinião

A Reforma Trabalhista e as consequências negativas para o empregador brasileiro

Diário da Manhã

Publicado em 4 de junho de 2017 às 01:38 | Atualizado há 8 anos

Em tempos de Reforma Trabalhista, muito se discute sobre os efeitos prejudiciais do projeto de lei PL nº 6787/16 sobre a proteção e a qualidade de vida dos trabalhadores. Contudo, pouco se fala sobre as consequências dessa proposta no desenvolvimento empresarial dos empregadores brasileiros, proposta que já esta em fase de tramitação avançada nas Comissões Temáticas do Senado e da qual tem havido pouco ou nenhum debate com os setores envolvidos. Esta situação, que a médio e longo prazo também é desfavorável  ao empresariado nacional, vem sendo sistematicamente omitida e até distorcida pelo Executivo e pela grande mídia na tentativa de “vender o peixe” a qualquer preço.  Esse artigo tem como objetivo colocar em evidência algumas dessas consequências nada agradáveis.

O modelo econômico ultraliberal de produção e organização do trabalho que se busca gradualmente implantar com a reforma é caracterizado pela adoção de vínculos de trabalho mais flexíveis (contratos de terceirização, temporários e intermitentes); pela valorização dos resultados sobre os efeitos da carga de trabalho sobre o trabalhador; pelo afastamento do Estado como moderador das relações de trabalho; redução dos custos de produção para a concentração do capital nas mãos de poucos e concessão de mais poder e liberdade ao capital internacional dentro de nossas fronteiras. O resultado disso é um claro afastamento do Estado de Bem Estar Social em desrespeito a um dos objetivos da ordem econômica brasileira (Art. 170 da Constituição).  Mas afinal, como isso prejudicaria os patrões?

É que se a reforma for aprovada pelo Legislativo do jeito que agora está, fatalmente cada vez um maior número de empresas internacionais ingressariam no Brasil, em especial na área de indústria e serviços, atraídas pela mão de obra oportunamente rotativa, barata e enfraquecida em seus direitos sociais aqui mapeada. Imagine então a igualdade de competição entre grandes grupos econômicos internacionais altamente especializados,  produzindo em larga escala e com maiores recursos para negociar com seus subordinados diante dos pequenos e médios empresários locais? Essa igualdade, bem como a possibilidade dessas empresas locais se manterem no mercado por um longo período são igualmente inexistentes. O risco real trazido pela reforma (im)posta é que o pequeno e médio empresário do presente se torne o empregado explorado do futuro, devido à força esmagadora das multinacionais.

Além disso, a perspectiva de aumento da empregabilidade e rotatividade das vagas de emprego  aliada a uma crescente produtividade no Brasil, sem dúvida a justificativa central da reforma, não é verdadeira.  Segundo relatório da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EESP)¹, publicado em maio de 2012, que mensurou o custo do trabalho no país, um contrato de trabalho de 12 meses é mais caro para o patrão que um de 60 meses, considerados os custos com encargos trabalhistas/tributários, treinamento/capacitação e despesas gerenciais. Nesse ponto, como as empresas acreditam diminuir os custos com os contratos terceirizados, temporários e intermitentes se a natureza desses contratos é precária e se a característica dos trabalhadores contratados sob estas formas de vínculo trabalhista são em sua maioria de pessoas com pouca qualificação? O fato é que a criação de mais postos de trabalho descartáveis, com jornadas de trabalho cada vez maiores, mais desgastantes e não especializadas não só o desemprego deverá aumentar como isso influenciará de forma negativa no grau de produtividade  e competitividade nacional. A propósito, são justamente as empresas mais ameaçadas de falirem com a reforma trabalhista (micro e pequenas) que mais geram empregos no país, 84% dos postos de trabalho, segundo dados recentes da SEMPE (Secretaria Especial da Micro e Pequena Empresa)².

O mesmo relatório da FGV ainda faz uma clara observação de que o aumento das trocas de postos de trabalho no mercado pode ainda causar maior incerteza quanto à renda futura do empregado. Trazendo para os artigos da reforma, é possível perceber, por exemplo, que os contratos intermitentes  (ou contratos zero-horas no resto do mundo) podem vir a sujeitar o empregado a receber rendas mensais menores que um salário mínimo na soma proporcional das horas efetivamente remuneradas. Esta situação é uma violação constitucional inegavelmente prejudicial não só socialmente como também para o fluxo econômico em razão da diminuição da capacidade de consumo desses trabalhadores. É a criação de um círculo vicioso em que um explora, todavia é a economia e toda a população que sai perdendo.

Uma última questão pouco debatida é a  responsabilidade pelos danos que seriam causados pelo agravamento da saúde do trabalhador caso o referido texto de lei for aprovado. Afinal, nesse aspecto, é preciso focalizar a lei do capitalismo dominante tão apreciada pelo explorador: quanto mais exploração e mais desenfreada ela for  (laissez-faire laboral), maior a produção e maior o lucro imediato. A médio e longo prazo a saúde do trabalhador sobrecarregado tende a ficar debilitada, aumentando a probabilidade da ocorrência de acidentes de  trabalho. Segundo estudo da OMS publicado em 2014³, no Brasil já ocorriam 390 mil acidentes de trabalho a cada ano, destes, 12 mil deixam as pessoas permanentemente incapacitadas para a vida laboral, havendo ainda 7 a 8 mortes diárias. A tendência pós-reforma é que esse número aumente. Inevitavelmente, a conta vai chegar. E quem vai pagar? O Estado? Lembremo-nos das limitações impostas pela famigerada reforma previdenciária, também em trâmite no Congresso e do ajuste fiscal no governo federal.

A conta pela saúde debilitada do trabalhador será paga pelo empresário já que a vida e a saúde são direitos fundamentais e a segurança do trabalhador continuará sendo matéria de ordem pública, ou seja, condição necessária para uma  convivência laboral ordenada pacífica e equilibrada para ambas as partes. Não tem jeito, mais uma vez quem “pagará o pato” desse fiasco legislativo será você empregador, que hoje já arca com inúmeras condenações por acidentes de trabalho decorrentes de doenças ocupacionais. Com o aumento progressivo da jornada de trabalho e a redução de outros direitos sociais esta conta só tende a aumentar e não pense que será  a reforma que lhe indicará uma “salvação” para este cenário.

Esta é a oportunidade do empresariado nacional colocar a reforma trabalhista na balança e verdadeiramente refletir sobre os retrocessos que ela traz consigo.

¹ Tabela 3 – Custo do Trabalho Ampliado (% sobre o salário mensal em carteira) – Relatório FGV/maio de 2012, p. 10. Link: .

² Notícia veiculada no site da EBC (Rádioagência Nacional) por Sayonara Moreno  no dia 02/02/2015. Link: < http://radioagencianacional.ebc.com.br/economia/audio/2015-02/micro-e-pequenas-empresas-geram-84-dos-empregos-do-pais>.

³ OMS (Organização Mundial de Saúde) – Relatório sobre saúde mental e trabalho. Link: .

 

(Murilo Oliveira Barbosa, advogado especializado em Direito Social, com ênfase em Direito do Trabalho e Previdenciário – email: [email protected])

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