Brasil

A sociedade atual de idiotas úteis e o mito de Platão

Redação DM

Publicado em 4 de agosto de 2015 às 21:50 | Atualizado há 10 anos

Em meu último artigo publicado neste democrático DM, discorri sobre a sociedade atual e como a pilantragem reina absoluta, compondo a própria estrutura social, cultural, financeira e política. Todavia, a pilantragem, como sendo uma corrupção ética e moral, de abjeta inversão de valores, onde predominam os cínicos e inescrupulosos, não sobreviveria sem aqueles que a sustentam: os idiotas. E se no Brasil a pilantragem reina soberana, é porque a legião de súditos resignados, os idiotas, é ampla. Definitivamente, o terreno é fértil e, inegavelmente, eles proliferam-se como bactérias. O Brasil é um dos países no mundo onde menos se lê e a adesão às redes sociais vem agravar e acelerar o já crônico processo de emburrecimento da sociedade brasileira, formada, na grande maioria, por idiotas úteis, indivíduos sem consciência social que se caracterizam pelo mero ajuntamento físico, sem contribuição alguma na construção da cidadania e na formação da identidade cultural como sociedade.

O termo “idiota útil” é utilizado para se referir a uma pessoa que se engaja praticamente sem utilizar critérios analíticos, seguindo cegamente uma crença ou ideologia para uma satisfação. É alguém que se considera muito inteligente, porém, é facilmente manipulado, constantemente enganado. Os idiotas úteis infestam a sociedade atual, tomam conta das redes sociais, como Facebook, onde se limitam a reproduzir frases feitas, não raramente, produzidas exatamente para enganá-los, em forma de entretenimento. Os idiotas se encantam com uma frase de efeito e, sem se arvorar em analisá-la ou compreendê-la, imediatamente a replicam, muitas vezes com uma legenda utilizada como um epitáfio identificador do “defunto intelectual” que o é, como “assim”, “fato”, “sem comentários”, “simples assim”, etc. Os idiotas são muito facilmente identificáveis, tanto em público quanto nas redes sociais. Eles costumam “compartilhar” piadas sem graça, quase sempre com os gráficos kkkkkkkkkk, com uma forma de informar que está “dando gargalhadas” daquele fato postado. Um idiota é capaz de passar dias seguidos quase morrendo de rir de uma piada absolutamente sem sentido, sem criatividade e essencialmente estúpida.

A dificuldade em ter um posicionamento crítico, analítico, sobre questões comuns do nosso cotidiano decorre da escandalosa apatia pela leitura, principalmente dentre os jovens. De acordo com pesquisas recentes, 70% dos brasileiros não leram um único livro durante todo o ano de 2014. Esse percentual de pessoas possivelmente tem como fonte de “informação” as redes sociais, talvez o mais eficaz meio de revelação da estupidez coletiva, considerando que, ao menos no Facebook, os idiotas perdem a modéstia e escancaram-se, sem constrangimentos. Esse celeiro, naturalmente, não passa despercebido pelos representantes da pilantragem moderna. Com o elevado exército de idiotas úteis, nunca foi tão fácil manter-se no poder político, corroer instituições públicas e, no setor privado, ganhar-se muito dinheiro. A idiotice é, portanto, altamente lucrativa. Não por acaso ela é preservada, conservada, estimulada, proliferada. Com o fim das utopias e o aniquilamento da capacidade analítica, os políticos inescrupulosos perpetuam-se no poder. Navegam pelo mar da tranquilidade! Juízes, polícias, ministérios públicos, e tantas outras instituições públicas, estão distantes e incólumes de quaisquer críticas ou gritos de protestos por parte de algum contestador; espertalhões ganham rios de dinheiro, pois, nunca foi tão fácil vender tolices, ilusões, mentiras. Afinal, a demanda é grande e cresce, ininterruptamente. Em uma sociedade de indivíduos sem cultura, sem inteligência, onde predominam retardados mentais, não é por acaso que se torna um filão altamente lucrativo a atuação de líderes religiosos, que faturam muito mais que o setor produtivo. A doutrina calvinista do “crescei e prosperai” tem-se convertido em nosso principal produto de exportação. Entretanto, “crescer e prosperar” só para os “ungidos”, os “enviados” dos Céus.

A correlação entre pilantra e idiota consiste em que um só existe em razão da existência do outro. O picareta e o idiota se nutrem mutuamente. O mercado da idiotice é altamente lucrativo e, por essa razão, propicia o surgimento de novas modalidades de atuação mercantil. As pessoas nunca gastaram tanto com palestras e livros que são escritos da noite para o dia, os denominados de “autoajuda”, nos quais meia dúzia de frases de efeitos faz uma multidão chorar; onde citações bíblicas, de preferência com metáforas que o leitor jamais compreenderá o seu sentido, é capaz de impressionar a pessoa inculta. Um espertalhão é capaz de lotar estádios e ginásios com uma multidão de aficionados que pagam fortunas para ouvir as tais palestras “motivacionais”. Essas palestras, quase sempre, são formatadas com base em doutrinas religiosas e pedagogia corporativa de alienação e adestramento da classe trabalhadora. A mais recente atividade que reflete bem essa época de pobreza mental, intelectual e que traduz a quase inutilidade do ser humano moderno, é o denominado “coach”. Trata-se de uma espécie de “auxílio ao idiota que gosta de ser enganado e quer pagar por isso”. Dizem que se trata de um processo de “desenvolvimento pessoal”. O “Coaching” seria, então, aquele que ajudaria a pessoa a “ser o que ela quer, a ajudá-la a ser melhor do que ela é”. Por incrível que pareça essas pessoas faturam alto, vendendo esse tipo de “produto”.

Os idiotas úteis são generosos em possibilitar o surgimento e a acolhida de novas atividades e lucratividade àqueles que se julgam espertos e que tentam tirar proveito desse vasto mercado consumidor de besteiras. Citemos, por exemplo, os autoproclamados “sexólogos”. Aliás, eu nunca entendi muito bem o que define uma mulher como sendo “especialista em sexo”. Quem a formou? Quem a diplomou? Com quem (ou com quantos) ela “estagiou”? Entretanto, essas “experts” vendem milhões de livros e lotam ginásios e teatros com mulheres que pagam caro para assistir palestras sobre como usar um vibrador, como fazer contrações com o cu, como fazer o esfíncter dar “bom dia para o pinto” ou como massagear um pênis com a vagina. Não faz muito tempo uma dessas palestrantes, diante de um ginásio lotado, postou-se nua e, com as pernas arreganhadas para a plateia, introduziu, solenemente, um charuto na vagina e começou a expelir fumaça. A xoxota, soberba e vaidosa da habilidade que demonstrava diante do atento público que a admirava boquiaberto, soltava bizarras baforadas inundando o ambiente com o cheiro forte da fumaça do tabaco que tragava e expelia. As habilidades demonstradas com as contrações da vagina e do ânus, segundo a “palestrante”, trata-se de uma técnica para dar uma “apimentada” na relação conjugal e “deixar o homem louco na cama”. Talvez o charuto fosse de maconha.

A ignorância da sociedade, formada basicamente por idiotas úteis, remete-nos, em reflexão, à metáfora platônica de O Mito da Caverna. A obra refere-se aos prisioneiros que vivem presos em correntes numa caverna, onde passam todo o tempo olhando para a parede do fundo, que é iluminada pela luz gerada por uma fogueira, que projeta sombras. Os prisioneiros ficam dando nomes às imagens (sombras), analisando e julgando situações. Um dos prisioneiros liberta-se das correntes e vai explorar o interior da caverna e o mundo exterior, entrando em contato com a realidade e conclui que passou a vida inteira sendo enganado. Sai da caverna e fica encantado com o mundo real, os seres de verdade, animais, natureza, etc. Ao retornar à caverna seus colegas presos não acreditam nele e passam a chamá-lo de louco, uma pessoa que fala absurdos, ameaçando-o de morte.

O engessamento em que vivem e que impõem os idiotas da atualidade, conhecidos como sendo os “politicamente corretos” remete-nos bem à metáfora dos prisioneiros da caverna. É preciso que haja uma reação social, libertando-nos do comodismo, da apatia e da indolência intelectual, que tanto paralisa o homem em sua extraordinária capacidade de pensar, de criar, de produzir, aguçando o senso crítico e, consequentemente, construir uma sociedade lúcida. O conhecimento é o melhor caminho para a libertação e afirmação do homem em sociedade. Chega de idiotas inúteis!

 

(Manoel L. Bezerra Rocha – advogado criminalista – [email protected])


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