A tradição dos clubes literários na cidade de Goiás
Redação DM
Publicado em 23 de março de 2018 às 21:16 | Atualizado há 7 anos
Clube, forma abrasileirada do inglês club, constitui aquela livre associação de indivíduos que comungam de idênticos gostos e opiniões, sejam elas artísticas, literárias, políticas, desportivas, recreativas, filantropicas. Mesmo gastronômicas. Ora, indivíduos não se associam, não, sem terem algo em comum.
O interessante cá nesta terra verde dos papagaios é que em se ouvindo a palavra clube, a primeira ideia a espernear festivamente em nossa caixola é a de equipe de futebol. 22 sujeitos disputando uma bola de couro. “Pra que clube você torce, amigo?” Não é assim que se diz vulgarmente? Haja vista o arraigado fanatismo do brasileiro pelo esporte bretão. Quanto a mim especificamente, autor destas linhas, torço modestamente pra o Clube de Regatas Vasco da Gama. E o leitor aí?
Senão vem à lembrança da gente aquelas gloriosas associações recreativas dotadas de piscinas, quadras desportivas, salões de bailes, campos de golf, restaurantes, bares etc. Etc.
O sentido da palavra clube ficou, em nosso país, mais identificado com as atividades desportivas e recreativas.
Poucos se lembrarão que, além futebol e recreação, alguns clubes se voltam ou se voltaram galhardamente ao estímulo de atividades culturais.
No sentido propriamente literário, edição de 27 de abril de 1888 do jornal Goyaz, cidade de Goiás, página 3, faz registro de Club Litterario, para cuja fundação muito concorrera o idealismo positivista do poeta Antônio Félix de Bulhões., que fora uma “…associação criada com o fim de desviar o espírito da mocidade de uma sociedade religiosa astutamente fundada pelo bispo de Goiás e que só podia fanatizar os moços inexperientes, que se entregavam aos terços e ladainhas de preferência aos livros e jornais”.
O fim visado pelo então Club Litterario reflete nitidamente o ideal positivista então em voga.
“Os Bulhões que mais se aproximaram de Comte, intitulavam-se livres pensadores, evolucionistas (Darwin) e materialistas (30)”. Escreve Maria Augusta Sant’anna Moraes em sua obra História de Uma Oligarquia: Os Bulhões. “Sempre se manifestaram opositores ao clero”.
Entidades de natureza algo parecida com a anterior vão se sucedendo. Edição de 25 de agosto de 1894 do mesmo jornal, Goyaz, página 2, trata, sob o título “Sessão Solemne”, da instalação do “club litterario Xavier de Almeida”. Leia:
“Domingo, 12 do corrente, teve lugar a primeira sessão solemne do “club litterario Xavier de Almeida” para a posse da diretoria eleita”.
Ao passo que a página imediatamente anterior, a primeira desse periódico vilaboense, registra que “o club litterario Xavier de Almeida, acaba de eleger, por unanimidade de votos, seu presidente honorario o nosso companheiro de trabalho, dr. Arthur Napoleão, digno diretor da instrução”.
Esses dois clubs não devem ter vingado, não, uma vez nunca mais se ouviu falar mais deles.
Sabe-se todavia que, a 12 de outubro de 1904, um grupo de jovens, quem sabe para fugir ao lugar-comum ou trivialidade dos clubs, constituído por Eurydice Natal e Silva, Joaquim Bonifácio Gomes de Siqueira, Augusto Rios, Godofredo de Bulhões (sobrinho do grande financista, Leopoldo de Bulhões), Marcelo Silva, Luiz do Couto e o lexicólogo Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, houve por bem fundar uma Academia de Letras aquém Paranaíba, tendo Eurydice sido efusivamente aclamada a sua presidente. Entidade mais culturalmente afeiçoada à tradição formal de uma academie française do que à tradição inglesa dos clubs.
O poeta romântico Brenno Guimarães, por seu turno, deixa-nos sabendo através das páginas do jornal Nova Era, cidade de Goiás, página 2, a 14 de setembro de 1916, que “em 1905, uma plêiade rica de jovens escritores e poetas, enquanto nos preocupávamos com a fundação de clubs, onde se cultivassem o sport e a arte de Terpsychore , compadecida talvez, procurou despertar em nós o gosto para as letras, o amor ao estudo. Foram eles, Joaquim Bonifácio, Rodolfo Marques, Josias Santana, Jovelino de Campos, dr. Constâncio de Oliveira e o meu jovem colega dr. Benjamin Vieira. (…) Para conseguir o fim a que se propunham fundou-se nesta capital, sob a direção desse grupo de moços um club, com sede em um dos salões do Palacete do dr. Benjamin Vieira, gentilmente cedido pela sua distinta progenitora; aparecendo logo em seguida um jornalzinho literário A Rosa”.
O Palacete aqui referido vai retratado nos versos do “Velho Sobrado” de Cora Coralina, que, então adolescente, frequentara os serões do clube.
O salão da frente recende a cravo.
Um grupo de gente moça
se reúne ali.
“Clube Literário Goiano”.
Rosa Godinho.
Luzia de Oliveira.
Leodegária de Jesus
– a presidência.
Nós, gente menor,
sentadas, convencidas, formais.
Respondendo à chamada.
Ouvindo atentas a leitura da ata.
Pedindo a palavra.
Levantando idéias geniais.
Encerrada a sessão com seriedade,
passávamos à tertúlia.
O velho harmônio, uma flauta, um bandolim.
Declamavam-se monólogos.
Dialogávamos em rimas e risos.
“Ali, realizavam-se saraus, bailes e informais reuniões da família e de amigos, bem como numerosos serões do Clube Literário Goiano”. Escreve Célia Coutinho Seixo de Brito na sua obra A mulher, a história e Goiás (1974) “Então, importantes assuntos eram apresentados e debatidos; atas eram lavradas e havia a constante presença de Luzia de Oliveira, Leodegária de Jesus, Rosita Godinho, Alice Santana e Cora Coralina, da gente mais nova da roda feminina; não faltava, também, o comparecimento de figuras masculinas dignas do ambiente”.
(Pedro Nolasco de Araújo, escritor)