A vida ou ela
Redação DM
Publicado em 25 de agosto de 2016 às 02:23 | Atualizado há 9 anos– Ele ainda se dói inteiro de ter de viver sem ela.
– Não duvido. Creio que ele ainda é vidrado nela.
– Vidrado é pouco. Aquele homem lá era ou é um alucinado por ela.
– Ah, como ele se extasiava! Era um dó ve-lo consumido assim.
– Mas convenhamos que já há algum tempo que as coisas iam de mal a pior. Foi enfim, enquanto durou, uma relação doce e amarga a um só tempo.
– Se bem que, o mais das vezes, ele a achasse mais doce que amarga. Não é verdade? Doce ou amargo, foi eterno enquanto durou, como diz o poetinha Vinícius.
– Precisamente: “Eterno enquanto durou.”
– Foi melhor assim. Não acha?
– Concordo plenamente. Tirou daqui, da minha boca.
– Aliás, fui o primeiro a aconselhá-lo nesse sentido.
– Você? Você o aconselhou?, diz o amigo, rindo-se
– Pois foi. Não se lembra não daquela sentença, “quem avisa amigo é”?
– Dessa sentença aí eu me lembro, sim. Só não me recordava é de ter sido você o herói a demovê-lo daquela ideia de continuar regaladamente com ela. Não teria sido eu aqui, por exemplo, o primeiro, não?
– Você? Não seja ridículo. Então se esqueceu daquela vez, naquele sítio de Inhumas, em que eu busquei demonstrar quão ele procedia mal com ela? Mais: que ela era um perigo se não pusesse um limite ou fim naqueles excessos. Tudo em demasia prejudica, mesmo o amor prejudica. Quanto mais o amor por ela. Porque o amor, além da conta, além da medida justa, cega e impede a análise mais lúcida dos fatos. E o amor por ela cega ainda mais.
– Acho que o nosso diálogo aqui vai descambando irremediavelmente para um jogo de egos à flor da pele. Tenha sido eu o você o grande conselheiro, o fato é que ele a abandonou e isso, por si só, já pode ser considerado uma grande conquista.
– Ah, quão o amor exagerado cega!
– Que aquele desinfeliz já nem se alimentava mais direito, só pensando nela, só pensando nela.
– E emagrecia assim a olhos vistos. As costelas salientes, como Cristo no calvário.
– Embora, sejamos sinceros, ela lhe proporcionasse algumas alegrias, até altas horas, que não foram elas poucas, não, nem coisas vãs, seja dito, mas alegrias afinal.
– Tem razão: alegrias afinal.
– Ah, quantas noites mal dormidas!
– Mas foi bom que tudo acabou enfim. Porque era a vida ou ela.
– Isto mesmo: era a vida ou a cachaça.
(Pedro Nolasco de Araujo, mestre pela PUC-Goiás em Gestão do Patrimônio Cultural, advogado, membro da Associação Goiana de Imprensa – AGI)