Aborto e eleições 2018 numa perspectiva católica
Redação DM
Publicado em 24 de outubro de 2018 às 01:37 | Atualizado há 7 anos
Infelizmente, estima-se que ocorram um milhão de abortos induzidos por ano no Brasil. A cada dois dias, uma mulher morre em decorrência deste mal. A ocorrência de mortes se mostra maior entre mulheres socialmente mais vulneráveis. Diante deste cenário, há quem defenda a descriminalização do aborto induzido nas primeiras semanas de gestação, a fim de se evitar o “aborto inseguro” e reduzir a incidência de morte de mulheres, tratando-se do aborto como um problema de saúde pública.
Mas, para a religião católica, descriminalizar o aborto é inconcebível. O Papa Francisco já declarou que o procedimento é comparável à contratação de um matador de aluguel para resolver um “problema”. Trata-se, muito mais que uma questão religiosa, de uma questão de direitos humanos. A premissa bioética é que o nascituro tem direito à vida e deve ser defendido desde a sua concepção, revestindo-se de dignidade humana.
Ainda assim, apesar de radicalmente contra o aborto, a Igreja acolhe com Misericórdia às pessoas que tenham se envolvido com a prática do aborto desde que, manifestando arrependimento, busquem o perdão de Deus por meio do sacramento da confissão reparadora. Antes facultada somente aos Bispos, a absolvição deste pecado foi estendida aos sacerdotes pelo Papa Francisco.
Estamos em pleno período eleitoral e uma das principais questões que o eleitorado católico observa é como os candidatos pretendem lidar com esta delicada questão. Recentemente, o Bispo de Jales Dom Reginaldo Andrietta publicou um artigo denominado “Votar com Lucidez”, alertando eleitores católicos do risco da alienação na hora de votar. No texto, ele afirma que algumas temáticas têm sido utilizadas falsamente a fim de influenciar e confundir o eleitorado, a exemplo da temática do aborto.
Diante da avalanche de falsas informações que desabou sobre o Brasil nos últimos dias envolvendo candidatos à presidência, muitas das chamadas fake news ou notícias falsas precisam ser desmascaradas e esclarecidas. Afinal, o que podemos esperar dos candidatos à presidência da república com relação à não descriminalização do aborto?
No programa de governo do candidato Jair Bolsonaro que foi registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), não há nenhuma menção à questão do aborto. Na imprensa, veicula-se que o mesmo já declarou que o “homem não deve intervir na decisão da mulher sobre aborto”. Aponta-se que ele deixou para a companheira decidir se abortaria ou não seu quarto filho, a qual optou por não abortar. Em entrevista à Revista Isto É Gente, Jair Bolsonaro disse que abortar ou não deve ser “uma decisão do casal”. Questionado sobre isso em entrevista concedida ao site O Antagonista, ele afirmou que quando disse “casal” estaria se referindo a uma mulher estuprada e seu estuprador, ou seja, uma justificativa completamente estapafúrdia.
Atualmente, o candidato Bolsonaro tem declarado que não aprovará a descriminalização do aborto, caso eleito. Ele visitou recentemente o Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani Tempesta e, segundo foi noticiado, teria assinado um compromisso formal se posicionando contra o aborto. Porém, mesmo assim existe certa preocupação uma vez que alguns de seus principais apoiadores já se declararam favoráveis à legalização, tais como o Bispo da Igreja Universal Edir Macedo e Luciano Bivar, fundador do atual partido de Bolsonaro.
Por sua vez, Fernando Haddad (PT) se declara contra o aborto. Após recente reunião com Dom Leonardo Ulrich Steiner, Bispo auxiliar de Brasília e secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, o candidato afirmou que seu programa de governo será alinhado aos princípios católicos, dentre os quais, a defesa da vida. Na condição de candidata à vice-presidência, Manuela Dávila, que já se posicionou a favor da descriminalização em casos específicos, abriu mão desta proposta no sentido de se adequar ao compromisso proposto por Haddad.
Com relação ao programa de governo de Haddad que foi registrado no TSE, não se menciona explicitamente o tema “aborto”. Entretanto, o programa traz uma vantagem com relação à defesa do nascituro: o “programa de redução de agrotóxicos”, incluindo-se aqueles que sabidamente causam má-formação na gravidez e que são proibidos em grande parte do mundo.
Diante do que foi apresentado, registro aqui a minha opinião, enquanto católico, de que o candidato Haddad é a escolha mais próxima dos princípios cristãos. Indiscutivelmente, precisamos nos posicionar contra o aborto e defender a vida do nascituro, mas concordo com Dom Silvio Guterres Dutra, Bispo diocesano de Vacaria/RS, quando ele alertou que grande parte da Igreja se deixa levar pelo fanatismo religioso e acaba não assumindo um pensamento crítico com relação a este assunto “a ponto de os mesmos que defendem ferrenhamente a vida do nascituro sejam os que pregam o ódio, a violência, a tortura, o racismo, a homofobia”.
O Papa Francisco já alertou que é preciso tomar cuidado com cristãos que se julgam perfeitos e rígidos, lembrando-nos do Evangelho, quando Jesus disse aos fariseus “Vocês são sepulcros caiados”, ou seja, por fora perfeitos, mas, por dentro, cheios de podridão. Ele já exortou os fiéis a não apoiarem armas nem tortura, mesmo assim há quem teime em não atender seu pedido e muitos fanáticos ainda o atacam, assim como atacam a CNBB. Como bem disse Dom Sílvio Dutra, são cristãos adoecidos, que se julgam donos da razão e se negam a raciocinar.
Obviamente, além da defesa da vida, há outras questões que devem guiar os católicos na nossa tomada de decisão. No encontro entre o Haddad e Dom Leonardo, o Bispo abordou outros assuntos que preocupam a Igreja Católica no Brasil: a proteção do meio ambiente, atenção especial à questão indígena e quilombola, a defesa da democracia, o combate rigoroso à corrupção e a superação da violência. Em todos estes pontos, ao analisarmos as posturas e proposições dos dois candidatos, veremos que votar no candidato Fernando Haddad é o mais coerente para os católicos. Que o Senhor Jesus, que é caminho, verdade e vida, ilumine os católicos brasileiros na hora de escolherem nossos próximos governantes.
(Leonardo Essado Rios, articulista católico, mestre em Ensino na Saúde)