Afloramento do racismo
Diário da Manhã
Publicado em 3 de agosto de 2016 às 03:12 | Atualizado há 9 anosSem dúvida, em razão do que pensa e pratica, além de novas e estranhas escravidões, o neoliberalismo conservador vem impondo ao mundo o afloramento do racismo como jamais visto na história. Notem nesse particular que já iguala o sistema racista brasileiro, fortemente dissimulado, aos demais, Jym Craw americano e apartheid (regime de segregação sul-africano). Assim, pouco importando o modo como emerge, a hipocrisia que utiliza, a religião que segue, a violência que executa, as cores ou mudanças que apresenta, o certo é que o racismo, desgraçadamente, está muito mais presente no cotidiano das pessoas. O psicanalista e escritor Contardo Calligaris, em texto publicado no jornal O Popular (28/07/2016), informa que “a globalização nos levou a conviver assídua e cotidianamente com o diferente. Com isso, o racismo não acabou, mas ele mudou substancialmente”, acrescentando:
“Passamos do racismo da alteridade – em que desconfiávamos do distante, diferente, exótico, misterioso e, de fato, desconhecido – ao racismo da convivência, da proximidade, da familiaridade ‘excessiva’. No século 21, não odiamos os que estão longe demais, quase invisíveis, mas os que estão perto demais, já entre nós.”
De sua parte, José Gonzalo Armijos, doutor em filosofia e professor titular da UFG, enfatiza que já estamos em “Estado de sítio racial”, sem necessidade de abordar os deploráveis casos brasileiros, descreve os nojentos acontecimentos norte-americanos, onde o fardo do homem negro é um dos mais pesados do Universo. As ações contra os negros são as mais explosivas, frequentes e bárbaras. Se não bastasse, vejam que os tempos são sombrios, a bruxa está solta na emergência, sobretudo, da retórica agressiva, irresponsável da direita mentecapta de Donaldo Trump, candidato a presidência da República dos Estados Unidos, desgraçadamente um Homem de ideais fascistas, certamente um fundamentalista inclusive religioso, tratando-se de aventureiro bilionário, ativo defensor do movimento conservador, disseminador do ódio, propagador da violência onde a causa básica é a religião e o ódio racial, ficando a impressão que o mundo seria mais pacífico se não houvesse religião.
Quando os Estados Unidos foram atacados em 11 de setembro de 2011, tornaram-se culpados a Al Qaeda e seu líder Osama Bin Laden, noticiando a imprensa que os EUA haviam declarado a guerra contra Deus, seu mensageiro, e muçulmanos e havia pedido a todos os muçulmanos que “cumprissem a ordem de Deus de matar os americanos”. Notem o quanto essa guerra, “do terror”, já se expandiu, não me deixando mentir o que aconteceu com o Iraque, mostrando forte persistência de ódio e xenofobia de todo tipo, inclusive na sociedade brasileira, onde sentimentos de raiva, repúdio e outras maldades contra os negros e outros segmentos étnicos não são mais novidade, aliás, consoante revela ótimo artigo de Leonardo Boff, publicado em caderno de Opinião Pública desse combatente diário, em 7 de fevereiro do ano em curso; como se os veementes protestos e a tensão racial norte-americanos já não dividissem aquele o país.
Tenho o Brasil como um dos países mais racistas do mundo, tendo muitas provas disso, não raro tenha sido escondido pela paralisia, alienação e até pelo disfarce como é apresentado, no próprio ambiente acadêmico, onde mais vezes não se tem penetrado na essência do fenômeno analisado, não sei quantas delas confundindo ciência com relatório empresarial e outras coisas, não esquecendo que por vezes vira até modismo no âmbito universitário onde comunidades quilombolas como Calunga e Cedro, no nordeste e sudoeste de Goiás, são as maiores vítimas desses supostos estudos, vendo o negro como objeto de curiosidade, atração turística, religiosa, ou somente material subsidiário aos seus planos de “controle social”, outro conceito eufemístico, característico da repressão racionalizada (no sentido weberiano), contra o negro, não me permitindo falhar as lúcidas afirmações do notável sociólogo e historiador Clóvis Moura, prefaciando o livro Racismo à Brasileira: raízes históricas, na 1ª edição (1985), ora 4ª, reimpressão.
O fato de se aflorar cotidianamente nas pessoas, não evita a velha forma de racismo estereotipado, especialmente do Brasil, como o uso do nosso “jeitinho brasileiro” de dominar e harmonizar as misérias do povo sempre adiando suas inadiáveis soluções através de estereótipos como “A coisa está preta”, dentre outros do dia a dia, particular que por certo inspirou Shakespeare a escrever ainda em 1599 esta pérola: “O mal que os homens fazem lhes sobrevive.” Imaginem que nem escritores de porte do poeta Ferreira Gullar estão imunes. Em 6 de dezembro de 2015, segundo mostra Ilustrada da Folha de São Paulo, o poeta citado escreveu crônica intitulada “A coisa está preta”, abordando a difícil situação do petismo, dizendo que já estava ruim e havia piorado, contribuindo para isso algumas prisões da elite política.
Há, assim, ódio e intolerância racial e religiosa por todo canto. Causa admiração o fato de um casal de libaneses muçulmanos, Jamil Nagib e Ilham Isbir, morador em Trindade há mais de 40 anos, está sendo ameaçado, com medo, devido às constantes mensagens telefônicas e via internet, consoante informa o jornal O Popular, do dia 15 de junho do ano em curso. E se Trindade, o velho “Barro Preto”, não fosse a cidade mais religiosa, para não dizer mística e fervorosa do Estado? Por que tanta intolerância e violência em nome de Deus? Por que as religiões de matriz africana são as principais vítimas de violência religiosa? Todas as religiões não seriam irmãs? Por que criminalizar algumas? Por que invadir terreiro de candomblé? Enfim, por que há interferência da religião até no universo das artes? Censura inclusive literária? Salman Rushdie, famoso autor de Versos satânicos (1989), que o diga.
(Martiniano J. Silva, advogado, escritor, membro do Movimento Negro Unificado (MNU), da Academia Goiana de Letras Mineirense de Letras e Artes, IHGG, Ubego, mestre em História Social pela UFG, Professor Universitário. ([email protected]))