Ainda sobre a decisão do Supremo: só no Brasil criminoso recorre solto
Diário da Manhã
Publicado em 2 de março de 2016 às 23:15 | Atualizado há 9 anosA decisão do Supremo que definiu a prisão de condenados logo que confirmada por órgão colegiado de segunda instância trouxe muita polêmica, pois abordou corajosamente o tema da presunção de inocência.
Para muitos, mormente os advogados, que vivem de protelar o cumprimento da sentença no aguardo do trânsito em julgado (que muitas vezes não vem), a decisão feriu preceito constitucional; para outros – inclusive eu – foi acertada, pois dá um basta na impunidade.
O povo já vive cansado de ver grandes criminosos de colarinho branco vivendo muito fagueiros afrontando a lógica com essa história de presunção de inocência, escudados na esperteza de hábeis defensores.
Embora a decisão não seja aplicada obrigatoriamente pelas instâncias inferiores, faculta aos colegiados de segunda instância aplicarem-na de imediato, tão logo observem a confirmação da condenação. E isto já ocorreu, como no caso de Gil Rugai, que aguardava recurso em liberdade, foi mandado para a Penitenciária de Tremembé, assim como sete outros que a 9ª Câmara Criminal do TJ-SP determinou fossem imediatamente presos. E outros casos virão, com certeza, principalmente os da Operação Lava Jato, já condenados pelo implacável juiz Sérgio Moro, cujas decisões raramente são revistas pelo tribunal “ad quem”. Isto, sem dúvida, está tirando o sono daqueles quase cinquenta já condenados pelo juiz Moro, pois certamente recorreram e, paradoxalmente, estão torcendo para que o TRF-4 demore a julgá-los, pois é sabido que raramente o tribunal reforma decisão dele.
O próprio Sérgio Moro bateu palmas para a decisão, dizendo que ela “fecha uma grande janela de impunidade”. E embora não tenha repercussão geral, que obriga as Cortes inferiores a cumpri-la, a medida do Supremo foi recebida com entusiasmo no meio jurídico, à exceção da OAB, que tem sua parcela de razão, argumentando que inocentes podem ser encarcerados injustamente, mas num país sem Justiça, é melhor errar no varejo, mas acertar no atacado, diante da corrupção desenfreada que precisa ser contida. As estatísticas mostram que apenas 3,1% das sentenças são revertidas na última instância, e em se tratando dos chamados “crimes de colarinho branco”, esse percentual cai para 2,3%.
Assim como nos países que adotam a pena capital existe o chamado “corredor da morte”, aqui no Brasil passará a existir o “corredor das grades” para aqueles que esperam o momento da cadeia. E temos casos já afetados pela decisão do STF: o ex-senador Luiz Estêvão foi condenado a 31 anos de prisão por peculato, corrupção e estelionato, mas está se segurando em nada menos que 21 recursos e onze “habeas corpus”; mas recentemente o Ministério Público pediu sua prisão. O empresário Sérgio Mendes, um dos herdeiros do império Mendes Júnior, foi condenado a dezenove anos, recorre em liberdade, mas se o TRF confirmar a decisão de Moro, acompanhará Luiz Estêvão. Isto, sem se falar nos mais de quarenta condenados pela Lava Jato, que recorreram.
Lá fora a coisa não funciona assim, pois a lei é para todos. Todo mundo se lembra de quando a filha de Bill Clinton, Chelsea, na época ainda menor, foi presa por ter ingerido um medicamento que continha álcool, apesar de ser filha do presidente dos Estados Unidos. Ah, se fosse aqui na terra do “você sabe com quem está falando”?
O multimilionário Jeffrey Skilling, condenado em 2006 por fraude no chamado “caso Enron”, foi para a prisão, onde está até hoje. Aqui até já caíram nas trevas do esquecimento casos como o longínquo “Coroa Brastel” e outros.
A decisão do Supremo alinha o Brasil com o resto do mundo: na nossa vizinha Argentina, o condenado em primeira instância pode recorrer… mas na prisão, havendo exceção para grávidas, doentes graves e mães lactantes; da mesma forma ocorre no Reino Unido e no Canadá, que, em alguns casos, podem arbitrar pesada fiança, para se recorrer em liberdade; no México, nos Estados Unidos, na Espanha e em outros países de primeiro mundo, a condenação no primeiro grau já leva o condenado para a cadeia. Aqui, como no México, existem três instâncias de apelação, mas lá o indivíduo já sai preso na instância singular.
Como a lei daqui, hipoteticamente igual para todos, é feita por quem futuramente pode ser objeto de seu cumprimento. O Legislativo faz as leis em seu próprio benefício, pois nenhum outro sistema no mundo adota essa aberração de recorrer em liberdade, e em país nenhum os parlamentares são corruptos como aqui.
E outra: lá fora cumpre-se a pena integral, sem essa mamata de se ver livre após cumprir parte da condenação. Aqui, começa com o regime fechado, depois o semi-aberto e depois o aberto. É o que diz o art. 33, § 2º, do Código Penal.
De uma forma ou de outra, a decisão do Supremo, apesar de polêmica, veio trazer certo conforto para os ladrões de galinha e para os três pês (preto, pobre e prostituta), que, em última análise, são os que verdadeiramente cumprem pena, porque não têm dinheiro para pagar bons advogados.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected])