Alerta: gravidez precoce
Redação DM
Publicado em 19 de março de 2017 às 02:33 | Atualizado há 8 anosNeste mês de março, dentro do qual é celebrado o Dia Internacional da Mulher, eu lembro sugestiva frase do celebrado escritor Zuenir Ventura, em recente artigo: “que o ano todo seja delas”.
De qualquer forma, a data especial nos propicia a chance de protestar, de falar, de pensar, de escrever sobre as variadas facetas assumidas pela cultura discriminatória que permeia grande parte do mundo, quando se fala da mulher.
É difícil, nesta época, não falar da violência, do feminicídio, do estupro e de toda sorte de violência sexual, das agressões de parceiros e parentes. Como esquecer as estatísticas horrendas: um estupro de 11 em 11 minutos; cinco espancamentos a cada dois minutos; um feminicídio a cada 90 minutos; 179 relatos de agressão por dia. No ano passado, cerca de 500 mulheres foram agredidas a cada dia no Brasil. São dados estarrecedores. Isso tudo depois de 11 anos de aplicação da Lei Maria da Penha, da qual fui relatora.
Mas, há uma questão do universo feminino, quando descemos a faixa etária, que nos assusta, também, sobremaneira. Pode até soar como piegas a afirmação de que existe uma certa desorientação da juventude. Porém, mais uma vez, os resultados das pesquisas nos chocam.
As adolescentes brasileiras deram à luz a nada menos do que 461 mil bebês em 2016, ou seja, 21% de todos os partos do país. A gravidez precoce é a maior causa da evasão escolar, hoje, no Brasil, entre garotas de 10 a 17 anos. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o IPEA, nos aponta que 76% deste universo etário das adolescentes brasileiras não estudam, e 58% não estudam nem trabalham.
Nesta semana, foi divulgado levantamento do Banco Mundial, apontando o Brasil como o “quarto país no ranking global de casamento infantil”. E a informação é de que 36% da população feminina se casa antes dos 18 anos.
Além do mais, complicações resultantes da gestação e do parto precoces são a terceira da causa de mortes entre as adolescentes, ficando atrás apenas do trânsito e do homicídio.
A gravidez precoce está atingindo as nossas adolescentes antes que saiam da infância. São crianças condenadas a não estudar e a ter um futuro incerto.
A gravidez precoce não é um problema apenas brasileiro. Há uma preocupação mundial sobre o assunto. Segundo a Organização das Nações Unidas, ONU, diariamente 20 mil meninas, com menos de 18 anos, tornam-se mães. Destas, 200 morrem em decorrência de complicações no parto. Estima-se que em 2030 existirão 3 milhões de meninas-mães no mundo. Portanto, não há como não constatar que tais números colocam em alerta setores fundamentais do poder público: saúde, educação e assistência social. Além de refletir na economia.
Como parte da discussão da problemática da gravidez precoce, poderiam ser apontados o entretenimento um tanto permissivo, determinados tipos de programas veiculados pelas redes sociais e pelos meios de comunicação.
Mas, não podemos esquecer que nosso país é vendido lá fora como um paraíso do sexo acessível, fácil, banalizado. O Brasil, tristemente, é apresentado como o lugar ideal para aqueles que querem satisfazer suas taras sexuais. Redes de prostituição infantil atuam e, apenas eventualmente, são desbaratadas. Normalmente crescem e se desenvolvem pela certeza da impunidade. Não é incomum vermos a divulgação de voos fretados para o nordeste, tendo como atrativo o turismo sexual.
De fato, os responsáveis somos todos nós, governantes, formadores de opinião e país de família: há uma iniciação precoce de nossas crianças à vida adulta; às vezes, a ganância em torno de cachês condena nossas adolescentes a uma vida adulta, sem que para isso estejam preparadas. Tornam-se até naturais as consequentes distorções afetivas, psíquicas e emocionais resultantes dessa iniciação precoce.
Multiplicam-se redes de pedofilia, que são, nada mais nada menos, consequência de uma erotização indevida e precoce dos nossos adolescentes.
As políticas públicas para prevenir essa situação têm que considerar, inclusive, que a gravidez precoce, além envolver planejamento em educação, saúde e assistência social, é também uma questão econômica, como mencionei há pouco. Estudos da ONU avaliam que a produtividade da economia brasileira aumentaria em US$ 3,5 bilhões de dólares, ou R$ 7,6 bilhões de reais, se não houvesse gravidez precoce no Brasil.
A professora e assistente social Regina Paceri afirma que não é suficiente distribuir anticoncepcionais, ou a escola alertar para os riscos. A especialista diz que é preciso estabelecer programas de discussão com as adolescentes sobre as consequências para as suas vidas. Além disso, tem-se que desenvolver programas que recuperem a baixa escolaridade e que acompanhem as adolescentes desde o início do seu período escolar.
Para a Coordenação do Programa Saúde na Escola, de Santa Catarina, um dos Estados com mais baixo índice de gravidez precoce, a proposta é aplicada em 251 municípios, é aplicado por 50% das equipes de Saúde da Família e beneficia 40% das Escolas Públicas. As crianças têm “orientações, acesso à saúde, à educação, planejamento de vida, e métodos contraceptivos”.
Sem dúvida, o Programa Saúde da Família é um instrumento fundamental para a prevenção da gravidez precoce. Mas, efetivamente, é necessário que os gestores públicos se debrucem sobre o assunto e viabilizem as ações que possam eliminar as causas de as nossas adolescentes estarem assumindo as responsabilidades maternas, sem que para isso estejam preparadas.
(Lúcia Vânia, senadora (PSB), presidente da Comissão de Educação do Senado e jornalista)